Crise da água em São Paulo é
gerida de maneira política, diz professor da USP.
por Mariana Melo, da Carta
Capital
Uso do “volume morto” adiou o racionamento
mas não evitou o colapso do Sistema Cantareira. Perdas na rede de distribuição
chegam à 40%.
A gestão eleitoreira da crise da água em São
Paulo agrava a situação de um sistema que já está em colapso, de acordo com o
professor aposentado da USP Julio Cerqueira César. “O uso do volume morto jogou
o problema da água para depois da eleição”, disse o professor no evento “Crise
da água: de quem é a culpa?” promovido por CartaCapital na terça-feira, 9. “O
racionamento foi colocada pela Sabesp como uma solução técnica, e o governador
adotou uma solução política”, afirma.
Segundo Cerqueira César, a Sabesp, ainda em
janeiro deste ano, apresentou ao governo um plano que previa o racionamento,
diante do baixo índice dos reservatórios desde então, mas o governador impediu
a ação, sob a justificativa de que seria uma medida irresponsável. O
racionamento, pelo menos o anunciado oficialmente, tem sido evitado desde maio
com o uso da reserva técnica chamada de volume morto. Na primeira etapa, foram
185 bilhões de litros bombeados desta reserva para o consumo de parte da
população paulista. Em agosto, no entanto, mesmo com o implemento inicial, a
Sabesp precisou captar uma segunda cota deste volume, de mais 100 bilhões.
Atualmente, o sistema Cantareira, responsável
pelo abastecimento de água de parte de São Paulo e de Campinas, opera com 10%
da sua capacidade. O nível do Sistema Alto Tietê, complementar ao Cantareira,
está em 15%. A gestão dos sistemas cabe à Sabesp. O governo de São Paulo indica
o presidente da instituição que, por sua vez, nomeia todos os diretores da
empresa. Além disso, o estado é o principal acionista da Sabesp, que lucra 10
bilhões de reais por ano. “Desde de o começo, em janeiro, o governador Geraldo
Alckmin (PSDB) assumiu o comando da crise. Ele está conduzindo o problema
pessoalmente e politicamente. Ele queria passar a Copa do Mundo e as eleições
sem racionamento, e é o que está conseguindo fazer”, diz Cerqueira César.
Falta de investimentos
Além dos baixos índices pluviométricos,
atribui-se à crise do abastecimento em São Paulo a falta de investimentos no
setor, como a construção de novos reservatórios. “A Sabesp é a 4ª companhia de
saneamento básico do mundo, e se considerarmos que opera em apenas um país, ela
é a maior do mundo. Até os anos 90, a Sabesp chegou a uma situação invejável”,
afirma Cerqueira César. “De 1990 pra cá, os governos se preocuparam apenas com
os processos eleitorais. A Sabesp aposentou seus engenheiros sanitaristas e
passou a ser comandada por economistas e advogados. Parou de se preocupar com
seus usuários e passou a se preocupar com seus dividendos.”
Em 2007, a diretoria da Sabesp já previa o
colapso do sistema e o governo do Estado passou a planejar novos reservatórios.
Um estudo foi encomendado e o prazo de execução foi estabelecido em 180 dias,
mas só foi entregue em 2014, sete anos depois. O resultado é a obra do Sistema
Produtor São Lourenço, que está prevista para ficar pronta em 2018.
De acordo com Antonio Zuffo, pesquisador e
professor da Unicamp, que também estava presente no evento, o Sistema São
Lourenço está sendo projetado para acrescentar 4,7 m³ por segundo de vazão de
água ao Sistema Cantareira. “Se acontecer a redução da precipitação em 20 a
30%, que é o que está previsto, o Sistema Cantareira perde 7 m³ por segundo de
vazão. Ou seja, o São Lourenço não seria suficiente para compensar a perda”,
explica o professor.
Outro ponto levantado é o desperdício que ocorre
na distribuição da água. Segundo Zuffo, a Sabesp chega a perder 40% da sua
produção. “Se conseguíssemos uma redução de 50% do que é perdido hoje no
Sistema Cantareira, seria recuperado o equivalente a quatro sistemas parecidos
com o São Lourenço. Conseguiríamos um redução da perda em aproximadamente 10 ou
12 m³ por segundo de vazão. Seria como se colocássemos um sistema que produz 12
m³ por segundo”, diz o pesquisador da Unicamp.
As perdas acontecem porque as adutoras não são
fixas e, com a variação de pressão, acabam se deslocando e desgastando nas
juntas, o que causa os vazamentos, difíceis de detectar, explica Zuffo. Para
César, o prejuízo é inadmissível. “A Sabesp é uma indústria de água potável. A
matéria-prima é a água. Se uma empresa particular tivesse um sistema como esse,
que perde 40% do seu produto, ela estaria falida”, diz o professor da USP.
Sob a justificativa de impedir essa perda na
distribuição, a Sabesp tem reduzido a pressão da água nos canos e algumas
residências paulistanas já enfrentam uma espécie de racionamento velado. Em
julho, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) encaminhou à Agência
Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), a Geraldo
Alckmin e à Sabesp um documento contabilizando uma média de 14 reclamações por
dia de corte no abastecimento de água em residências paulistanas.
Ainda que seja um fator importante, a falta de
chuvas ou as variações climáticas não explicam, sozinhas, o colapso do sistema,
segundo Zuffo. A alegação de que desmatamento na Amazônia, apontado como
causador da baixa precipitação na região do Sudeste, é equivocada. “Em 1953 não
havia desmatamento na região, nas proporções que temos hoje, e tivemos período
de seca em São Paulo”, esclarece o pesquisador da Unicamp.
O evento “Crise da água: de quem é a culpa?” faz
parte da série de debates Diálogos Capitais e contou com a mediação do repórter
Fabio Serapião.
Fonte: Carta
Capital
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