É possível existir cidades sem
automóveis?
por Jorge Abrahão*
Helsinque, na Finlândia, quer provar que sim,
revolucionando a mobilidade urbana para que seus habitantes prefiram o
transporte público ao individual.
Em maio deste ano, o governo federal anunciou
novas medidas de estímulo à produção industrial para tentar manter o emprego e
a renda em alta. Como já ocorreu nas vezes anteriores, o “remédio” virá por
meio de incentivos fiscais a setores da indústria e, novamente, o mais
beneficiado será o setor automotivo. Desta vez, a maior parte dos benefícios
foi direcionada para os veículos incluídos no Regime Automotivo do Mercosul,
com a redução nas alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Essa redução vale até o final do ano.
Manter aquecido o mercado de automóveis é uma
necessidade das economias de alguns países emergentes, como o Brasil. Aqui, as
montadoras mantêm mais de 130 mil empregos. E cada emprego criado na indústria
montadora pode gerar outros dez postos de trabalho no amplo universo da
indústria automotiva, da mineração ao comércio. Os cálculos são da Confederação
Nacional da Indústria (CNI).
A Receita Federal estima que o Tesouro Nacional
deixou de arrecadar, este ano, só por conta desses incentivos aos carros, mais
de R$ 1 bilhão. No geral, ainda segundo esse órgão, a Lei Orçamentária Anual
(LOA) de 2014 previa um gasto tributário de quase R$ 250 bilhões,
correspondendo a 5% do PIB ou a dez vezes o gasto com o Bolsa Família, que
atende 50 milhões de pessoas.
Algumas isenções são pertinentes, pois envolvem
desonerações de importações de equipamentos de alta tecnologia, incentivo a
segmentos econômicos de alta inovação ou com grande potencial de inclusão
social. Mas outros, não seria o caso de a sociedade se perguntar se vale a pena
pagar por eles? Porque, em última instância, é isso o que acontece: carros mais
baratos são financiados pelos impostos de todos. É isso o que queremos neste
momento? Não haveria outras maneiras de se manter emprego em alta com o
estímulo a setores que também ajudem a construir a economia do futuro? Ou será
que não há saída para a nossa indústria e as nossas cidades que não a produção
indiscriminada de automóveis?
Essas reflexões me vieram à mente quando li
recentemente que a capital da Finlândia, Helsinque, quer se livrar dos carros
individuais até 2025. Claro que não vai impedir nem proibir a aquisição de
veículos pelos cidadãos. Todavia, pretende promover uma revolução na mobilidade
de tal maneira que as pessoas prefiram o transporte público ao individual.
Menor desigualdade ajuda
A Finlândia é um país da Escandinávia, no norte
da Europa, que ocupa o 24º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com
0,879 (muito alto). Ajustado pela desigualdade, novo cálculo introduzido este
ano pela ONU, o IDH da Finlândia fica em 0,830, mantendo o país na mesma
classificação. Portanto, trata-se de uma nação com baixo índice de desigualdade
e bem-estar distribuído de forma bastante igualitária para toda a população.
O projeto de Helsinque para livrar as suas ruas
dos carros até 2025 (em onze anos, portanto) usa respeito à cidadania, bom
senso e aplicativos de internet, bem como melhoria ainda maior dos transportes
públicos.
A ideia é tornar o transporte público tão
eficiente que nenhum morador da cidade pense em utilizar carro quando precisar
se locomover pelas ruas da capital, não importa a distância a percorrer. Para
tanto, o ônibus, o veículo leve sobre trilhos (VLT), o trem ou outra forma de
mobilidade pública será transformada numa estrutura mais personalizada e
prática, com o uso da tecnologia e da internet.
O funcionamento será assim: todos os modais
oferecidos pela prefeitura serão interligados e gerenciados por um software
para evitar atrasos, prevenir acidentes e avisar os usuários com antecedência
sobre problemas ocorridos nas diversas linhas. Esse software poderá ser baixado
no celular, no computador pessoal ou acessado em locais públicos, como praças,
bancos, shoppings e escolas. Os usuários conseguirão ter acesso aos horários,
trajetos e outras informações por meio desse aplicativo.
Pelo celular, o usuário também poderá solicitar
ao motorista parada fora do ponto, com antecedência, para maior comodidade,
como já existe num serviço de micro-ônibus na cidade. Esse aplicativo também
permite o aluguel de bicicletas, o agendamento de táxis e o compartilhamento de
automóveis.
Muitos podem pensar que essa solução só é
possível para uma cidade como Helsinque, que tem em torno de 500 mil
habitantes. Entretanto, aqui no Brasil não temos soluções criativas de mobilidade
nem em cidades menores. Então, a questão é de vontade política.
Em São Paulo, os motoristas de ônibus já são
obrigados por lei a parar fora do ponto para idosos, gestantes e pessoas com
deficiência. Por que não aproveitar o potencial da tecnologia e da internet
para estender essa comodidade a todos?
* Jorge Abrahão
é diretor-presidente do Instituto Ethos.
Fonte: Instituto
Ethos
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