Identificados genes que podem
ajudar a salvar araucária do risco de extinção.
por Diego
Freire, da Agência Fapesp
Formação embrionária do pinhão, semente do
pinheiro-brasileiro, é alvo de abordagem molecular inédita capaz de auxiliar na
preservação da espécie. Foto: Wikimedia.
Agência Fapesp – Pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP) identificaram 24.181 genes ligados à formação
do embrião da araucária (Araucaria angustifolia) – árvore nativa do
Brasil também chamada de pinheiro-brasileiro – e de sua semente, o pinhão.
A descoberta poderá auxiliar no
estabelecimento de um sistema para a propagação in vitro da
espécie, que está sob risco crítico de extinção, de acordo com a União
Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), e cuja
madeira tem alto valor de mercado.
Com a identificação dos genes, será
possível um maior controle sobre o processo de embriogênese somática, ou seja,
a formação de um embrião sem que haja fecundação e a partir de células não
reprodutivas.
Trata-se de uma das mais promissoras
técnicas biotecnológicas de produção de embriões vegetais, que permite a
criopreservação (conservação por meio de congelamento) e a clonagem em massa.
No caso da araucária, ela é dificultada porque as sementes perdem viabilidade e
não sobrevivem por longos períodos de armazenamento.
“Diante dessa dificuldade, é
fundamental que se compreenda amplamente o funcionamento desses genes. Somente
com o profundo conhecimento dos fatores bioquímicos, fisiológicos e genéticos
que controlam o desenvolvimento do embrião zigótico (in vivo) será
possível o desenvolvimento embrionário in vitro”, explicou Eny
Iochevet Segal Floh, coordenadora do Laboratório de Biologia Celular de Plantas
(Biocel) do Instituto de Biociências (IB) da USP e responsável pela
pesquisa “Análise da expressão gênica durante o
desenvolvimento de embriões somáticos e zigóticos de Araucaria angustifolia
(Bertol.) Kuntze”, realizada com o apoio da FAPESP.
Os trabalhos no Biocel, desenvolvidos
em parceria com o Laboratório de Genética Molecular de Plantas, também do
IB-USP, e coordenado por Maria Magdalena Rossi, centraram-se na análise do
transcriptoma, conjunto dos RNAs mensageiros (RNAm) da célula, com o objetivo
de descobrir quais genes participam no processo de formação do embrião da
araucária.
O sequenciamento do RNA foi realizado
no Laboratório Multiusuários Centralizado em Genômica Funcional Aplicada à
Agropecuária e Agroenergia, facility instalada na Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP com o apoio do Programa
Equipamentos Multiusuários (EMU) da FAPESP.
A análise utilizou a tecnologia de
sequenciamento em larga escala (RNAseq), que permite explorar a diversidade de
RNAm e o perfil dos genes expressos durante o desenvolvimento embrionário.
“O uso desta tecnologia – nova para a maioria
dos grupos de pesquisa de biologia molecular no Brasil e ainda pouco utilizada
em sistemas vegetais – proporcionou informações importantes sobre a regulação
do desenvolvimento embrionário do pinhão”, destacou Floh.
Os mais de 24 mil genes identificados
permitirão entender e descrever o comportamento do metabolismo durante a
formação do embrião. “Além da importância para a biologia vegetal, os dados
gerados possibilitarão obter marcadores para o aprimoramento da técnica de
micropropagação, que é a produção de milhares de clones a partir de uma única
célula ou pedaço de tecido vegetal, utilizando a embriogênese somática”, disse
Floh.
Os resultados poderão ajudar ainda no
estabelecimento de estratégias de conservação para a A. angustifolia,
incluindo bancos de germoplasma, o patrimônio genético conservado das plantas,
e programas de melhoramento genético que utilizam ferramentas biotecnológicas.
Ameaça
De acordo com levantamento da IUCN, a
araucária já perdeu 97% de sua área original, o que compromete drasticamente
sua variabilidade genética e a coloca em risco de extinção. A cobertura dessas
árvores correspondia a cerca de 40% da floresta ombrófila mista, um dos tipos
de floresta que compõem o bioma da Mata Atlântica.
“A demanda pelo desenvolvimento de programas
de manejo sustentável e conservação tem se tornado a cada dia mais urgente,
visando à recuperação e à reposição das espécies ameaçadas, além de garantir a
manutenção dos recursos que elas representam”, defende Floh.
As gimnospermas – plantas terrestres
que vivem em ambientes de clima frio ou temperado, grupo do qual a araucária
faz parte – representam mais de 50% das reservas florestais do planeta. Além de
fornecerem madeira, fibra e energia para a indústria florestal, são importante
fonte de biocombustíveis e atenuadores dos efeitos do aquecimento global.
Seu ciclo de vida, contudo, é
considerado longo. Uma árvore pode durar séculos, levando em torno de 15 anos
até atingir a maturidade reprodutiva. A formação da semente é igualmente
demorada, podendo levar até quatro anos – o que, de acordo com a pesquisadora,
exige alternativas biotecnológicas ao processo natural de reprodução.
“Diante disso, a clonagem massal in
vitro via embriogênese somática, associada à criopreservação e à
seleção assistida por marcadores moleculares, vem sendo incorporada aos
programas de melhoramento genético e conservação de germoplasma de gimnospermas
ameaçadas de extinção”, disse.
Os resultados iniciais foram publicados
na revista Plant Cell Tissue and Organ
Culture e apontam para a viabilização de estratégias
biotecnológicas de preservação da espécie. Além de apoio da FAPESP, os estudos
também tiveram financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) e da Petrobras.
Fonte: Agência Fapesp
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