segunda-feira, 29 de setembro de 2014

‘Para evitar conflitos, é preciso enfrentar mudanças climáticas em tempo hábil’, entrevista com Christiana Figueres.
Em entrevista à DW, Christiana Figueres, chefe da Convenção do Clima da ONU, fala das expectativas para cúpula em Nova York e da importância de um acordo climático global. “Estamos correndo contra o tempo”, diz.
A convite do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, cerca de 120 chefes de Estado e de governo participam da Cúpula do Clima das Nações Unidas nesta terça-feira (23/09), em Nova York. O encontro acontece sob o impacto das manifestações pela proteção climática que mobilizaram centenas de milhares de pessoas em diversos países no último fim de semana.

Em entrevista à Deutsche Welle, Christiana Figueres, chefe da Convenção do Clima da ONU, fala sobre a importância da reunião em Nova York. Ela afirma que é necessária ação política em todos os níveis – internacional, nacional e local. As mudanças climáticas já estão relacionadas a vários conflitos no mundo e se tornaram “o maior desafio da humanidade”, diz.

Deutsche Welle: Qual a finalidade de uma cúpula do clima extraordinária e como ela se encaixa nas conferências climáticas anuais?
Para Figueres, consciência sobre mudanças climáticas está aumentando.

Christiana Figueres: As conferências anuais se destinam a um acordo climático vinculativo, que deverá ser fechado no próximo ano, em Paris. Na cúpula em Nova York, não haverá negociações. Trata-se de uma tentativa de impulsionar o processo formal, de fortalecer a vontade política e a consciência pública. É uma boa oportunidade para chefes de Estado e líderes empresariais apresentarem seus planos.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu aos participantes que preparassem para o encontro anúncios corajosos e compromissos de ação. O que você espera disso?

Muitos governos vão relatar sobre projetos já iniciados, sobre suas pretensões para reduzir as emissões de gases tóxicos, sobre como querem preparar sua infraestrutura para os efeitos das mudanças climáticas.

Do setor privado, esperamos o mesmo: queremos saber qual será a sua contribuição para reduzir as emissões. Estamos particularmente interessados em como esse setor pretende transferir o seu capital em prol de produtos e serviços de baixa emissão de CO2, para que possamos acelerar a mudança global com vista a uma economia de baixas emissões de gases tóxicos.

Esperam-se anúncios significativos do país anfitrião EUA ou da China, país-chave para o clima?

Sim. Acreditamos que todos os países vão mostrar as suas propostas formais para as negociações no próximo ano. No entanto, eles ainda têm até março de 2015 para isso. Eles deverão dar apenas uma ideia de quais serão suas contribuições. Eles já estão calculando em âmbito nacional o que é possível fazer em termos financeiros, políticos, econômicos e técnicos.

O fato de a cúpula acontecer nos EUA pode ter alguma influência sobre a posição dos americanos e sobre a política climática?

No segundo mandato de [Barack] Obama, viu-se um maior engajamento com relação à questão do clima. O pedido do presidente à agência ambiental americana EPA por uma maior regulação das usinas elétricas é provavelmente o projeto mais ambicioso que o governo americano já empreendeu em relação ao clima.

Esperamos que Obama anuncie como pretende seguir adiante com esses esforços. É muito interessante que uma grande marcha pelo clima tenha acontecido em solo americano apenas dois dias antes da cúpula. Isso mostra que, mesmo nos EUA, há um grande apoio da opinião pública à política climática global.

Esse tipo de movimento é o que precisamos para avançar com a proteção climática?

Ele é um fator muito importante. Sou muito grata aos organizadores da manifestação. É extremamente importante transmitir um forte sinal de que a responsabilidade não é somente de governos e empresas, mas também da sociedade civil. Ela precisa manifestar a sua consciência ambiental e suas preocupações, incentivando países e firmas a mudar o mais rápido possível para uma economia de baixas emissões.

Diante da dificuldade nas negociações, cidades e regiões devem exercer um papel mais importante nessa mudança?

Cidades em todo o mundo já avançaram de forma impressionante. Isso também se aplica a grupos regionais. A proteção climática é mais eficiente quando os políticos em todos os níveis –, internacional, nacional e local – trabalham em conjunto.

Em tempos de conflitos, como agora no Oriente Médio e na Ucrânia, não é difícil despertar o interesse público para uma cúpula climática extraordinária?

Pelo contrário. Acredito que esta semana em Nova York vá atrair a atenção da mídia. Não só porque milhares de pessoas foram às ruas. Não só porque teremos centenas de chefes de Estado e governo e empresários influentes. Mas porque eles estarão ali por uma razão de extrema importância.

As mudanças climáticas se tornaram o maior desafio da humanidade, ao menos neste século. E a consciência sobre isso está aumentando. Já existem muitos conflitos no mundo que têm a ver com a escassez de água, com a migração, com a segurança alimentar. As mudanças climáticas acirram ainda mais tudo isso. Em outras palavras: se quisermos evitar conflitos incontroláveis, precisamos enfrentar as mudanças climáticas em tempo hábil.

Os números mais recentes mostram que as emissões de CO2 continuam a aumentar. Cientistas veem a meta de dois graus Celsius já quase fora de alcance. O que precisa acontecer para que sejamos poupados de uma mudança climática catastrófica?

A ciência tem mostrado claramente que só há um caminho para limitar o aumento da temperatura a dois graus Celsius. Esta cúpula, bem como as negociações formais no Peru, no final deste ano, e em Paris, no ano que vem, emitem uma mensagem clara aos governos mundiais e às principais empresas do setor econômico de que estamos correndo contra o tempo. Ainda podemos conseguir. Mas, para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, precisamos chegar a um acordo climático global até o final de 2015.


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