domingo, 14 de setembro de 2014

Política latino-americana antidrogas se nutre com os vulneráveis.
por Diego Arguedas Ortiz, da IPS
A mexicana Rosa Julia Leyva, à esquerda, com outros participantes do painel Drogas e Inclusão Social, durante a V Conferência Latino-Americana sobre Política de Drogas, realizada em São José da Costa Rica. Ela esteve presa por 12 anos por transportar um pequeno contrabando de heroína que lhe foi entregue por uma amiga. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

São José, Costa Rica, 8/9/2014 – Os jovens pobres, os residentes em zonas urbanas marginais e as mães que respondem sozinhas por sua família são os grandes prejudicados pelas políticas contra as drogas ilícitas na América Latina, segundo representantes de governo, organizações sociais e organismos multilaterais. Durante a V Conferência Latino-Americana sobre Política de Drogas, realizada nos dias 3 e 4 deste mês em São José, na Costa Rica, ativistas, especialistas e tomadores de decisões da região pediram a reforma dessas políticas, para respiro desses setores vulneráveis e perseguição dos que mais lucram com o narcotráfico.

Agora, a situação é contrária: o foco está “nos peixes pequenos e não nos grandes peixes” do crime, disse à IPS o secretário-executivo da Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (Cicad), Paul Simons. Entre as propostas apresentadas, destacam-se a transformação dos sistemas judiciais latino-americanos, para que se limite a privação de liberdade e sejam estabelecidas penas proporcionais para crimes menores. As leis e a justiça devem focar na perseguição dos grandes capitais que movem as drogas ilegais.

Também foi proposto o estabelecimento de níveis de aceitação legal das drogas, com medidas como despenalização de algumas substâncias ou a criação de mercados controlados pelo Estado, como fez o Uruguai com a maconha. O modelo atual gera casos dramáticos, como o da mexicana Rosa Julio Leyva, atualmente funcionária da Comissão Nacional de Segurança do Ministério de Governo de seu país.

Leyva foi presa em 1993 por transportar uma bolsa com um pacote de heroína, que lhe foi entregue por uma comadre que pagou sua viagem de avião em troca de ajudá-la com sua bagagem, na primeira ocasião em que saía da serra de Petatlán, no Estado de Guerrero. Até ser detida, acreditava que levava dinheiro ou roupa contou à IPS.

Na época, Leyva era o protótipo das mulheres que anualmente entram nas prisões latino-americanas por crimes relacionados com o tráfico: analfabeta de 29 anos e mãe de uma menina de cinco anos, destinada a passar um quarto de século presa por posse de heroína. Segundo a Organização de Estados Americanos (OEA), 70% da população carcerária feminina da região está presa por crime de posse de drogas.

“Sou apenas uma mulher pobre que viveu algo muito forte. Não tinha nada a ver com as drogas. Como poderia saber que pegaria 25 anos de prisão por narcotráfico? Fui apresentada como uma grande traficante e eu nem sabia falar castelhano”, contou Leyva. “Penso que a lei deveria ser mais específica nessas coisas”, afirmou esta artesã, que conseguiu reduzir sua pena para 13 anos, dos quais cumpriu pouco mais de 12. Agora dá oficinas de teatro em prisões mexicanas.

Na região mais desigual do mundo, as prisões estão abarrotadas com pessoas de poucos recursos, enquanto os chamados criminosos de “colarinho branco” enfrentam a justiça com menor frequência, concluíram especialistas que participaram do painel Drogas e Inclusão Social, parte da conferência latino-americana. Esta superpopulação carcerária pode mudar, afirmaram, se mudarem os tribunais e o sistema penitenciário.

“Queremos ver os que entram no sistema judicial e procurar opções para pessoas que não são violentas e cometeram crimes menores, como consumidores, mulas (transportadores de pequenas quantidades de droga) ou que cometeram o crime para se alimentar e alimentar sua família”, explicou Simons à IPS. “São os peixes pequenos, como motoristas de ônibus ou mulas, que traficam pequenas quantidades de drogas sem violência em uma região carregada de contrastes”, insistiu o máximo executivo da Cicad, vinculada à OEA.

Em uma região onde ficam dez dos países mais desiguais do mundo, “é preciso repensar a política de drogas”, afirmou Yoriko Yasukawa, coordenadora residente na Costa Rica do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A proporcionalidade das penas em casos como o de Leyva foi um tema recorrente entre os especialistas, que defenderam um sistema legal “mais justo” e de acordo com o dano real criado pelas pessoas no crime de narcotráfico.

“Às vezes, são crimes com castigos equiparáveis a um homicídio ou a outro crime muito grave”, apontou à IPS a trabalhadora social argentina Graciela Touzé. “O dano que se produz não é semelhante e o castigo não pode ser semelhante, sem que isto signifique não responsabilizar”, acrescentou a presidente da Intercâmbios, uma organização civil da Argentina. Durante a conferência regional, as intervenções criticaram duramente os custos sociais das políticas públicas repressivas na luta contra as drogas.

O ministro costarriquenho de Segurança Pública, Celso Gamboa, explicou que, entre os detidos nos primeiros oito meses deste ano no país, aparecem pescadores, aeromoças, ou motoristas arrastados para o narcotráfico por sua condição de pobreza. “Os golpes contra estruturas do tráfico se concentram em sua parte mais vulnerável, o que nos permite concluir que muito da luta contra o tráfico na Costa Rica e no resto da América Central nos leva a esse modelo de criminalização da pobreza”, ressaltou.

“A pergunta é: onde estão as investigações que permitam chegar às estruturas de colarinho branco e à estrutura de poder?”, questionou Gamboa, um ex-promotor da província de Limón, na Costa Rica, onde lidou com centenas de casos de narcotráfico.

Além do drama carcerário, organizações da sociedade civil insistiram em que as políticas antidrogas estão marcadas pela desigualdade. Por isso, acrescentaram os ativistas, são punidos mais duramente os consumidores de drogas, os afetados pela guerra contra o narcotráfico ou os jovens. E ressaltaram que as propostas para solucionar o desequilíbrio nem sempre coincidiram.

Gamboa acredita em abordar as drogas de uma perspectiva econômica que persiga grandes capitais, enquanto Zara Snapp, do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, do México, propôs que a melhor maneira de reduzir ou evitar as vítimas civis pelo narcotráfico é a criação de um mercado regulado pelo Estado em seu país.

“A desigualdade não significa que não podemos fazer muito, porque ainda temos muitos recursos, só que o canalizamos à militarização da luta e à aplicação da lei, e não para criar oportunidades para as populações vulneráveis”, enfatizou à IPS Snapp, que integra a não governamental Comissão Mexicana de Promoção dos Direitos Humanos. E acrescentou que esta abordagem “só faz abonar o campo para o recrutamento pelo crime organizado”.

Os jovens em condições de pobreza pagam a conta. Por exemplo, segundo a OEA, a prevalência de consumo de pasta base entre os uruguaios é de 1,8%, mas sobe para 8% entre jovens de setores vulneráveis. O estigma associado a este consumo acentua sua marginalização e limita suas oportunidades, afirma o estudo O Problema das Drogas nas Américas. Envolverde/IPS.


Fonte: ENVOLVERDE

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