Um histórico de infrações
ambientais, trabalhistas e de direitos humanos em Buriti, crônica de Mayron
Régis.
Nem ao resto do almoço os negros de Santa Cruz
tinham direito. Se, porventura, o proprietário almoçasse só, a cozinheira
melava o arroz e/ou a farinha na gordura da carne que ficara no fundo da
panela. Se, porventura, o proprietário almoçasse com sua esposa, esta estragava
a gordura, pois jogava água na panela. Nessa época, Vicente de Paula morava com
Maria Rita, sua esposa, na Caninana, povoado próximo a Santa Cruz. A moça que
cozinhou durante muito tempo para a família do proprietário contou a história
para o Vicente e sua esposa.
Nesse escorrer do tempo, o Incra desapropriou
Santa Cruz, o proprietário faleceu e o Vicente e esposa se mudaram para o
povoado Carrancas, lugar onde nasceram e se criaram. “Nós não somos
retirantes!!!”, exclamaria Maria Rita no quintal de sua casa em Carrancas em
setembro de 2014. Dessa forma, ela respondia ao André Introvini, proprietário
da fazenda São Bernardo em Buriti. O André Introvini prometera terras nas
Areias e na Sucupira caso o Vicente e a sua família abdicassem da propriedade
onde moravam desde que saíram da Caninana. A dona Maria Rita também respondia
ao senhor João Gabriel, pai do André, que denunciara o Vicente por,
supostamente, desmatar um trecho da reserva ambiental da fazenda São Bernardo
que, no caso, é justamente a propriedade onde residem o Vicente, seu irmão
Baltazar e as respectivas famílias.
Na verdade, eles limparam o variante como forma
de deixarem claros os limites da propriedade com relação aos vizinhos. O senhor
João Gabriel viu nessa limpeza uma oportunidade para constranger o Vicente
através do aparato estatal e obriga-lo a entregar a propriedade. O delegado de
Buriti convocou o Vicente e perguntou-lhe sobre as árvores cortadas. “O senhor
sabe que o André Introvini mandou cortar vários pés de bacuri?” soltou o
Vicente. Na mesma hora, o delegado comentou que bacurizeiro, pequizeiro e
babaçu são espécies imunes ao corte e que gostaria que o Vicente mostrasse os
bacurizeiros caídos. Com essa declaração do delegado, ficou difícil para os
Introvini desmatarem mais algum hectare nos povoados de Carrancas, Laranjeiras
e Fazenda porque, afinal de contas, todas essas áreas estão cobertas de
bacurizeiros, pequizeiros e pés de babaçu.
Em 2005, a Justiça Federal, a pedido do
Ministério Publico de Buriti, suspendera as licenças concedidas pelo Ibama aos
plantadores de soja no final de 2004. Os Introvini desobedeceram a determinação
da justiça e começaram um desmatamento de 512 hectares no povoado Matinha. O
STTR de Buriti denunciou o desmatamento e o MPE e a PM apreenderam os tratores.
As irregularidades com relação a fazenda São
Bernardo não param por ai. Em 2013, Antônio Marques, empreiteiro da fazenda, morreu
depois que os rins trancaram. Como ele não era funcionário oficial e sim
terceirizado, a fazenda não se responsabilizou pelos custos do tratamento.
Suspeita-se de contaminação por agrotóxico. Os trabalhadores da fazenda se
submetem a rotinas desgastantes por receberem diárias de 30 reais e por
trabalharem dez horas ao dia.
* Mayron Régis, Colaborador do EcoDebate, é
Jornalista e Assessor do Fórum Carajás e atua no Programa Territórios Livres do
Baixo Parnaíba (Fórum Carajás, SMDH, CCN e FDBPM).
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