Uma visão econômica da mudança
climática.
por
Roberto Castello Branco, para Plurale
A pesquisa científica revela a
ocorrência de consideráveis flutuações de temperatura durante 100.000 anos,
alternando-se fases de intenso calor e frio. Nos últimos sete mil anos houve,
contudo, notável estabilidade, o que teria contribuído para viabilizar o
desenvolvimento de nossa civilização. Já entre 1900 e 2010 a temperatura média
da Terra se elevou em 0,8 graus centígrados.
Enquanto as mudanças climáticas passadas teriam
sido causadas por fenômenos naturais, a mudança recente está sendo
crescentemente provocada pelo homem.
A concentração de dióxido de carbono (CO2) na
atmosfera passou de 280 partes por milhão (ppm) em 1750 para 390 ppm nos dias
de hoje. Se nada for feito para conter a escalada os modelos projetam de 700 a
900 ppm para o final deste século, o que resultaria em elevação da temperatura
média na Terra em 3 a 5 graus centigrados. Refletindo o grau de incerteza
existente, estimativas apontam perdas que variam de 1 a 10% do PIB global em
2100 – cerca de US$ 870 bilhões a US$ 8,7 trilhões a valores atuais.
A fonte primordial da mudança climática ou
aquecimento global é a queima de combustíveis fosseis, baseados em carbono, que
conduz à emissão de CO, responsável por 77% dos gases de efeito estufa (GEEs).
Estes se acumulam na atmosfera e devido à lenta absorção lá permanecem por
muitos anos.
O aquecimento global é provocado pelo estoque
acumulado de GEEs e não pelos fluxos correntes de emissões. Enquanto os países desenvolvidos
produziram no passado 80% dos gases acumulados, hoje a maior parte das emissões
vem de economias emergentes, que muito provavelmente serão responsáveis por
parcelas crescentes no futuro.
O aumento da concentração de GEEs na atmosfera leva
ao aquecimento da terra e dos mares. Tais efeitos acabam se retroalimentando na
atmosfera, oceanos, geleiras e sistemas biológicos. Em última instância, o
consenso é que profundos impactos nas atividades biológicas e humanas sensíveis
ao clima podem vir a se manifestar no longo prazo.
O problema do aquecimento global não deve ser
dramatizado, nem tampouco tratado com barreiras ao investimento e crescimento
econômico. A mudança climática começa e termina com as atividades do ser
humano. A concepção de políticas eficientes para mitigá-la está nas ciências
sociais, dependendo essencialmente da boa compreensão de seus aspectos
econômicos e do papel dos mercados.
Fundamentalmente, o aquecimento global tem origem
no problema que os economistas batizaram de externalidade: os emissores de GEEs
não pagam pelos custos ambientais gerados, que acabam sendo compartilhados pelo
resto do mundo. Isto surge porque um recurso – o meio ambiente – não é
precificado e consequentemente usado em excesso.
A prescrição é estabelecer um imposto sobre a
emissão de carbono que iguale os benefícios de emissões adicionais, que ocorrem
no presente, aos seus custos, que se manifestam ao longo do tempo.
A solução está sendo implementada em vários países
através de dois instrumentos principais: a taxação do carbono e as chamadas
“cap-and-trade policies”. Estas compreendem a fixação de limites para emissões
e permissões para quem os excedeu comprá-los de quem emitiu menos.
Outras iniciativas incluem padrões de eficiência
energética para veículos, prédios e instalações industriais, subsídios para o
desenvolvimento de fontes de energia renovável e incentivos para o
reflorestamento.
A simplicidade conceitual mascara a complexidade da
solução. O desenho e a implementação de políticas de mitigação do aquecimento
global enfrenta muitos desafios e questões ainda não resolvidas.
Como convencer as gerações presentes em investir
recursos que beneficiarão majoritariamente gerações futuras? Como descontar os
fluxos de retornos futuros para compará-los com os custos dos investimentos?
Como a incerteza a respeito da magnitude de danos ambientais futuros afeta as
estratégias hoje adotadas? Como estimular a pesquisa e o ritmo de progresso
tecnológico em fontes energéticas alternativas?
A cooperação internacional é muito relevante pois
estamos tratando de uma externalidade global, já que em termos de impacto sobre
o meio ambiente tanto faz uma tonelada de carbono emitida no Brasil quanto na
Índia. O fato de que o custo da redução das emissões é incorrido totalmente pelo
país que investe e os retornos são compartilhados com o resto do mundo
dificulta a coordenação entre nações .
Outro elemento complicador reside no que os
economistas chamam de incentivos para o “free rider: os benefícios do consumo
de combustíveis fosseis são imediatos e concentrados enquanto que os custos
sociais tendem a se manifestar num futuro distante e são amplamente dispersos.
Todo mundo gosta de uma carona de graça.
Os custos sociais do aquecimento global e os
benefícios de sua mitigação não são uniformes, o que leva a diferentes
percepções entre países sobre o valor dos investimentos necessários.
Políticas de mitigação oferecem combinações de
risco-retorno para economias emergentes – cuja prioridade número um é
compreensivelmente o crescimento da renda – distintas daquelas para países
desenvolvidos. Em consequência, a emissão de GEEs por dólar de PIB na União
Européia e EUA é bem inferior às dos BRICs, sendo o Brasil o mais bem
comportado neste grupo de emergentes.
A costumeira adoção por governos de economias
emergentes – entre eles o do o Brasil – de subsídios aos preços de derivados de
petróleo, como a gasolina, para maximizar ganhos políticos de curto prazo têm
entre outras contrapartidas negativas o estímulo direto à emissão de CO2, ao
baratear artificialmente o preço de um combustível fóssil. Isso evidencia
também quão maléfica pode ser a intervenção estatal na questão ambiental.
Estima-se que entre 1900 e 2010 as emissões globais
de carbono se expandiram à taxa média anual de 2,6%. Dado que a economia global
cresceu à taxa média de 3,7% ao ano, houve redução da quantidade de CO2 por
dólar de PIB ao ritmo de 1,1% ao ano, fenômeno conhecido como descarbonização.
A rápida expansão de economias emergentes e a
crescente demanda por energia daí decorrente concorrem para o aquecimento
global. Por outro lado, o aumento da renda e da riqueza nessas economias tende
a elevar o valor atribuído à proteção ao meio ambiente. Isso se reflete na
modificação da posição da China traduzida recentemente na priorização do
combate à poluição ambiental e o uso mais intensivo de energia eólica e solar.
As mudanças estruturais associadas à dinâmica do
crescimento econômico elevam a participação na atividade econômica de setores
menos intensivos em energia – como a tecnologia da informação e de serviços
como saúde, educação, e finanças – relativamente à indústria manufatureira
tradicional, se apresentando como fonte relevante de descarbonização.
A dinâmica do crescimento econômico está associada
à realização contínua de ganhos de eficiência que implicam no uso de menor
quantidade de energia por unidade de produto.
Finalmente, a descarbonização é provocada por
mudanças nas fontes de energia para combustíveis menos intensivos em carbono,
como o gás natural, e fontes renováveis e não fosseis (hidráulica, nuclear,
eólica, solar, biomassa, geotérmica).
No âmbito corporativo, o desafio é conciliar
investimentos em projetos que reduzam emissões de GEEs com o objetivo de
maximização de lucros para os acionistas. Um caso de sucesso é o processamento
a seco do minério de ferro, que diminui simultaneamente custos de investimento
e operacionais e a emissão de carbono.
A precificação do carbono é a solução de mercado
para induzir mudanças substantivas na matriz energética global. O homem reage a
incentivos e os avanços na tecnologia têm produzido feitos extraordinários nos
últimos 150 anos. O bom uso do instrumental de teoria econômica proporcionará a
criação dos estímulos capazes de gerar respostas efetivas ao aquecimento
global.
Fonte: Plurale
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