Água: vão evacuar São Paulo?
artigo de Roberto Malvezzi (Gogó).
A penúria hídrica nesse momento atinge várias
regiões do Brasil. As piores são o São Francisco e a população paulistana, pelo
esgotamento do sistema Cantareira.
Os problemas hídricos de hoje, se os levarmos a
sério, não apenas do ponto de vista eleitoreiro, é o começo da “vingança da
natureza” contra uma civilização predadora. A situação de São Paulo foi
construída desde a década de 1950, quando se intensificou o desmatamento em São
Paulo e quando a concentração urbana tornou-se um fenômeno alucinante.
A do São Francisco vem desde o século XIX, quando
os vapores consumiram toda a madeira que compunha a mata ciliar do Velho Chico.
Quando construíamos o texto base da Campanha da
Fraternidade de 2004 – Fraternidade e Água – já nos chamava a atenção que a
região mais escassa de água per capta do Brasil era exatamente a cidade de São
Paulo. Naquele ano, cada paulistano dispunha de pouco mais de 200 m3 por
anuais. No Nordeste, a região mais pobre de água era o sertão de Pernambuco,
com uma disponibilidade de aproximadamente 1.200 m3 por pessoa por ano. Claro,
isso é média, não acesso real à água.
Esse cálculo é relativamente fácil. Basta dividir
a capacidade dos reservatórios pelo número de habitantes. Óbvio, eles podem
estar cheios ou não. Então, o cálculo é dinâmico.
Acontece que, segundo os padrões da ONU, só tem
segurança hídrica aquelas populações que dispõem de, pelo menos, 1.000 m3 por
pessoa por ano. É bom ressalvar que é para todos os usos, não somente para o
consumo doméstico. O padrão é questionável, mas é o que prevalece.
Ora, São Paulo já vem no fio da navalha há muito
tempo. Olhando o passado, a concentração populacional de São Paulo não mediu as
consequências da hiper população sobre os mananciais. Pior, com o processo de
desmatamento e impermeabilização dos solos, a água que cai escorre rapidamente
para as partes baixas, causando inundações, mas não penetrando no solo. Com
isso, perdem forças os aquíferos, que são os melhores depósitos da água de
chuva para os períodos que não chove. São eles que depois permitem a tal “vazão
de base”, que vai alimentar a vazão de superfície.
Então, aí entra a responsabilidade dos gestores
da água. A água do Cantareira é estadual, portanto, responsabilidade direta do
governo de São Paulo. Claro que o governador atual não é o responsável pela
destruição ambiental das matas e pela impermeabilização da cidade. Mas, como
gestor do estado federado, teria que ter previsto a escassez da água, a corda
bamba na qual a região conurbada se balança há anos e ter planejado o uso
racional da água na cidade. Não foi feito e agora é uma situação caótica.
Aqui pelo Nordeste, de forma penosa, estamos
aprendendo a ter uma ética de cuidado com a água e seu uso. Sabemos que ela é
suficiente, mas é pouca. Portanto, se quisermos ter água, precisamos cuidar
dela. Por isso nos espanta a apatia do governo federal, do governo de Minas e
dos governos do Nordeste com a situação também caótica do São Francisco.
Mas, São Paulo é um caso emergencial. Há um plano
B para São Paulo caso os volumes mortos do Cantareira se esgotem? Os gestores
teriam que fazer cenários para um futuro breve. E teriam que considerar o pior
dos cenários: se os reservatórios de São Paulo secarem, qual será a saída para
população? Existe a possibilidade de outras fontes ou terão que evacuar 6 ou 7
milhões de pessoas?
Essa é a razão do conflito entre governo
estadual, Agência Nacional de Águas e Ministério Público.
A eleição não está permitindo esse debate. A
população paulistana que já está sofrendo com a falta de água, pode pagar caro
por uma tragédia sócio ambiental absolutamente previsível. Ainda é bom lembrar
que só estamos no começo das tragédias sócio ambientais que colheremos em
futuro breve.
O crime ambiental do desmatamento, a concentração
populacional e a inoperância dos gestores formam uma tempestade perfeita na
cidade de São Paulo.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate,
possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe
CPP/CPT do São Francisco.
Fonte: EcoDebate
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