Añelo, de povoado esquecido a
capital argentina do xisto.
por
Fabiana Frayssinet, da IPS
Vista da rua principal de Añelo, povoado perdido da
Patagônia argentina, que se transformará na capital dos hidrocarbonos não
convencionais no país. Em mais 15 anos poderá ter 25 mil habitantes, dez vezes
a população de dois anos atrás. Foto: Fabiana Frayssinet.
Añelo, Argentina, 15/10/2014 – Tem quase um século,
mas a explosão petroleira obriga a recomeçar do zero. A onda de imigrantes
atraídos pela febre dos hidrocarbonos não convencionais causou o colapso deste
pequeno povoado do sul da Argentina, enquanto o plano para convertê-lo em uma
“cidade sustentável do futuro” não sai do papel.
O lema de Añelo, pequeno município da Patagônia
argentina, na província de Neuquén, é otimista e premonitório: “O futuro
encontrou seu lugar”. Mas agora o contradiz a maioria de suas ruas de terra,
com contínuas nuvens de pó pelo intenso tráfego de caminhões e carros de luxo
de executivos do petróleo.
“Muitos olhos do mundo estão postos em Añelo, mas
infelizmente não temos uma boa vitrine para vender”, pontuou à IPS o diretor do
centro de saúde do lugar, Rubén Bautista. “Vivemos sobre ouro negro, tiram
riquezas de nosso solo, mas não deixam quase nada para nossa população”,
acrescentou o médico que, com outros três colegas, atende uma população que
passou de 2.500 para cinco mil habitantes, em cerca de dois anos.
Añelo, que era um povoado desolado, cercado por
frutas, cabras e vinhedos do rio Neuquén, agora é a localidade mais próxima da
jazida Loma Campana, explorada pela YPF, empresa de petróleo estatal argentina,
e a norte-americana Chevron. Apenas oito quilômetros o separam da jazida, parte
da maior promessa argentina de desenvolvimento: Vaca Muerta, uma reserva
geológica de 30 mil quilômetros quadrados, rica em petróleo e gás de xisto, que
converteu este país no segundo do mundo, depois dos Estados Unidos, na produção
de hidrocarbonos não convencionais.
Mas o ouro ainda não brilha em Añelo (“paragem
esquecida”, em mapuche), cem quilômetros ao norte de Neuquén, a capital da
província. No centro de saúde, que envia os casos mais graves para hospitais da
capital, há apenas duas ambulâncias, enquanto 117 empresas de todo o mundo
estão se instalando no município e sua vizinhança.
Os prognósticos conservadores antecipam que em 15
anos Añelo terá 25 mil habitantes, entre trabalhadores diretos e indiretos e
suas famílias, que vão chegando à nova meca do autoabastecimento energético
argentino. “É gente que vem para Añelo pensando que pode ter um futuro melhor,
pensando no que o não convencional pode representar em sua vida”, detalhou à
IPS o gerente de Comunicação da YPF Neuquén, Federico Calífano.
Só a YPF tem 720 funcionários na área. Chegam de
localidades próximas e de outras províncias, mas também do exterior, levados ao
lugar por empresas internacionais dos setores de construção, químico,
hotelaria, transporte e serviços. O único hotel está lotado e surgem
acampamentos em qualquer planície, com contêineres transformados em hospedagens
confortáveis para alojar temporariamente os trabalhadores. Os preços dos
aluguéis de pequenos apartamentos está cinco vezes maior do que os dos bairros
mais caros de Buenos Aires.
“Estamos começando uma cidade do zero”, disse à IPS
o prefeito de Añelo, Darío Díaz, recordando que, antes “da explosiva chegada
dos não convencionais”, o povoado foi “um lugar estratégico de passagem”. Desde
a década de 1980, a YPF explora na região jazidas convencionais de petróleo,
mas quando acabarem as obras vão embora”, apontou. “Isso é muito mais intensivo,
nos próximos 30 anos haverá muito trabalho”, acrescentou.
“A infraestrutura é para cerca de 2.500 habitantes,
fica pequena à luz das novas demandas por serviços primários, como água, luz,
eletricidade, estradas, controle da emissão de pó”, opinou à IPS o secretário
de Ambiente da província, Ricardo Esquivel.
O martelar no lugar é constante. Dois operários,
que diariamente percorrem ida e volta 120 quilômetros desde Cipolletti, na
vizinha província de Rio Negro, constroem uma calçada. “É espetacular. Aqui há
muito trabalho para todos. Falta gente. O problema é o alojamento”, contou à
IPS o pedreiro Esteban Aries.
A Fundação YPF fez um estudo da Pegada Urbana, que
deu lugar ao Plano de Desenvolvimento Local de Añelo. A iniciativa tem apoio do
Banco Interamericano de Desenvolvimento e seu programa Cidades Sustentáveis.
Executado com os governos local e provincial, contempla diversos cenários de
crescimento, para “apontar os riscos e as vulnerabilidades” do território.
Dele consta, entre outros aspectos, “qual
superfície deve ter a cidade, como começar a urbanização, que diagrama e
serviços necessita, o que falta a Añelo em dois, três, cinco anos”, pontuou
Calífano. Segundo a YPF, as obras já começaram. Entre outras, a ampliação
sanitária, moradia para médicos e um centro de capacitação de ofícios,
vinculados às necessidades petroleiras. Já há dois caminhões-trailer para
atendimento primário de saúde, que segundo o médico Bautista não são
suficientes.
Com a expansão econômica aumentou o tráfego pesado.
O governo planeja duas estradas na chamada “rota do petróleo”, para desviá-lo
até Vaca Muerta. “O que nos prejudica são os acidentes que aumentam a cada
dia”, ressaltou Bautista. De dez acidentes de trânsito e trabalhistas por mês,
há dois anos, passou-se para os 17 atualmente.
“Não se pode esquecer que a atividade importante
tem um ano”, apontou Pablo Bizzotto, gerente regional de Não Convencional da
YPF em Loma Campana, onde perfuram cerca de 20 poços por mês, que aumentaram a
produção de três mil para 21 mil barris (159 litros) diários de petróleo. “Há
coisas que obviamente durante o caminho vamos trabalhando em conjunto com as
autoridades. Tudo é muito recente”, ressaltou.
O engenheiro agrônomo, Eduardo Tomada, deixou tudo
em Buenos Aires e investiu suas economias para abrir um restaurante em Añelo,
agora repleto de trabalhadores. Sua cozinheira, Norma Olate, natural do lugar,
está contente porque ganha mais, mas lembra com saudades quando seu povoado era
quase “um monte de areia”.
O desenvolvimento trouxe trabalho, “mas também
coisas ruins. Assaltam à mão armada e isso não se via aqui antes”, contou à IPS
esta mulher de 60 anos. Olate, com filhas jovens e solteiras, também se
preocupa com a “invasão de homens. É muito homem (ri), não me interessam, mas
às garotas. Os rapazes chegam, as enganam, muitas engravidam, isso também é
ruim para o povoado”.
O deputado provincial Raúl Dobrusín, da opositora
Unidade Popular, denuncia o aumento da prostituição, o tráfico e o consumo de
drogas, alcoolismo e corrupção. “Dizemos que a única coisa que se atualizou em
Añelo foram o cassino e a prostituição”, ironizou. O deputado reclamou da falta
de “planejamento” e “controle” do Estado sobre esses e outros problemas, como o
do surgimento de bolsas paralelas de trabalho de alguns sindicatos, a
especulação imobiliária e os “preços petroleiros” inatingíveis para muitos.
Seja como for, para Díaz o balanço é positivo.
“Temos que aproveitar esta oportunidade para que Añelo se desenvolva como
cidade e melhore a qualidade de vida de nossa gente. O que me preocupa é que
não cheguemos a tempo com os investimentos necessários”, afirmou.
A província prepara um plano de “desenvolvimento
estratégico” em Añelo, junto com “microcidades petroleiras” próximas, que
inclui a construção de um parque industrial, escolas, hospitais, estradas
moradias e segurança. “Não vamos armar um acampamento petroleiro em Añelo, mas
uma cidade”, resumiu o prefeito.
Fonte: ENVOLVERDE
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