sábado, 4 de outubro de 2014

Falta de controle aviva violência sexual na Índia.
por Stella Paul, da IPS
Mulheres no povoado de Katra Shadatganj, no Estado de Uttar Pradesh, onde duas meninas foram violadas e enforcadas. Foto: Stella Paul/IPS.

Chirang, Índia, 3/10/2014 – O assassinato de uma adolescente de 17 anos, neste distrito do Estado indiano de Assam, reflete uma tendência preocupante na Índia: milhares de meninas sofrem agressões sexuais ou torturas e são assassinadas, sem que apareçam sinais de que a violência de gênero possa diminuir.

Em uma iluminada manhã de março, a jovem acordou e, como sempre fazia, foi pescar no rio Chirang. À tarde seu corpo apareceu na margem do rio. Segundo a policial Taburan Pegu, encarregada do caso, seus agressores a violaram antes de degolá-la. A adolescente pertencia à tribo bodo, que trava disputas com muçulmanos e santhals, outro povo originário da região.

A violência sexual é exacerbada pelos conflitos, pela falta de medidas de controle e por uma grande impunidade, especialmente nos Estados do Norte, leste e centro do país, onde a insurgência armada e os enfrentamentos tribais fazem parte da vida cotidiana de aproximadamente 40 milhões de mulheres.

Segundo a secretaria geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a violência contra as mulheres é universal; uma em cada três (35%) sofre abusos físicos ou sexuais alguma vez em sua vida. O documento, divulgado este ano, avalia os avanços do programa de ação adotado na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em setembro de 1994.

De todos os temas compreendidos no plano de ação, acabar com a violência de gênero recebeu especial atenção de 88% dos governos pesquisados. No total, 97% dos países têm programas, políticas ou estratégias para rever a desigualdade de gênero, proteger os direitos humanos e empoderar as mulheres. Uma pesquisa deste mesmo ano sobre homens e violência na Ásia Pacífico, realizada pela ONU, mostra que quase 50% dos dez mil entrevistados reconheceram ter abusado sexual ou fisicamente de uma mulher.

Na Índia, que adotou um marco legal para acabar com a violência sexual, 92 mulheres são violadas por dia, segundo os últimos dados do Escritório Nacional de Registro de Crimes. O número é maior do que as violações na República Democrática do Congo, que atualmente é de 36 por dia. A violência sexual aumenta nas zonas de conflito, segundo especialistas, em grande parte devido à falta de busca pelos responsáveis, precisamente o que, segundo a ONU, “é fundamental para prevenir e dar uma resposta à violência de gênero”.

O diretor do Centro Asiático de Direitos Humanos, com sede em Nova Délhi, Suhas Chakman, explicou que “há violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança e outras por militares. Mas também existe a violência contra as mulheres cometidas por civis. Porém, sem importar quem comete o crime, não se busca os responsáveis, um elemento totalmente ausente”.

O caso de Perry (nome falso para sua família) é um reflexo da situação. Esta mulher, de 35 anos, do distrito das montanhas Garo do Sul, no Estado de Megalaya, com 14 milhões de mulheres e três grupos armados, foi assassinada por rebeldes armados em junho deste ano. Supostamente, membros do insurgente Exército de Libertação Nacional Garo tentaram violentá-la, mas ela resistiu e então atiraram contra sua cabeça. O grupo se nega a assumir a responsabilidade, pois afirma que Perry era uma informante e “merecia morrer”.

Outro motivo por trás do aumento da violência de gênero na Índia é a exígua quantidade de condenados: apenas 26% dos casos de violência sexual. Em 3.860 dos 5.337 casos de violação denunciados nos dez últimos anos, os acusados foram absolvidos ou eximidos por falta de provas “adequadas”, segundo o Escritório Nacional de Registro de Crimes.

“Temos uma cultura de impunidade”, afirmou à IPS Anjuman Ara Begum, advogada em Guwahati e ex-oficial de programa da Comissão Asiática de Direitos Humanos. “Nosso próprio sistema legal anula a possibilidade ou a certeza de castigo em casos de violência contra as mulheres”, criticou.

Diante das decrescentes condenações, os grupos armados assumiram o sistema jurídico para aplicar uma justiça instantânea. Em outubro de 2011, um tribunal irregular dos maoístas cortou as mãos de um homem acusado de violação no distrito de Palamu, Estado de Jharkhand.

Em agosto de 2013, o insurgente Partido Comunista de Kangleipak (PCK), que atua no Estado de Manipur, lançou uma “força antiviolação”. Sanakhomba Meitei, secretário do PCK, explicou à IPS por telefone que sua organização aplicaria uma justiça rápida para as vítimas de violação. “Nossa intervenção infundirá temor nos violadores. Aplicaremos um castigo rigoroso”, afirmou.

Segundo A. L. Sharada, diretora da organização População Primeiro, sócia do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) na Índia, é uma tendência preocupante, mas inevitável diante do fracasso do sistema legal de fazer justiça. “Precisamos de um sistema legal forte, e a justiça popular entorpece essa possibilidade. De fato, esses dois sistemas de justiça também são de natureza muito patriarcal e, definitivamente, contra a mulher. O que realmente é necessário são condenações rápidas para todos os casos de violência de gênero denunciados”, ressaltou.

Segundo o Escritório Nacional de Registro de Crimes, cerca de 50 mil mulheres foram sequestradas na Índia em 2013 e outras oito mil foram assassinadas por questões vinculadas ao dote. Além disso, mais de cem mil sofreram tratamentos cruéis por parte de seus maridos ou outros familiares homens, e, no entanto, apenas 16% dos acusados foram condenados. Envolverde/IPS

* Este artigo foi publicado originalmente na edição especial do TerraViva, ICPD@20: Acompanhamento e Potencial Para Depois de 2015, publicado com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). O conteúdo é autoria independente dos jornalistas da IPS.


Fonte: ENVOLVERDE

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