Falta de controle aviva violência
sexual na Índia.
por
Stella Paul, da IPS
Mulheres no povoado de Katra Shadatganj, no Estado
de Uttar Pradesh, onde duas meninas foram violadas e enforcadas. Foto: Stella
Paul/IPS.
Chirang, Índia, 3/10/2014 – O assassinato de uma
adolescente de 17 anos, neste distrito do Estado indiano de Assam, reflete uma
tendência preocupante na Índia: milhares de meninas sofrem agressões sexuais ou
torturas e são assassinadas, sem que apareçam sinais de que a violência de
gênero possa diminuir.
Em uma iluminada manhã de março, a jovem acordou e,
como sempre fazia, foi pescar no rio Chirang. À tarde seu corpo apareceu na
margem do rio. Segundo a policial Taburan Pegu, encarregada do caso, seus
agressores a violaram antes de degolá-la. A adolescente pertencia à tribo bodo,
que trava disputas com muçulmanos e santhals, outro povo originário da região.
A violência sexual é exacerbada pelos conflitos,
pela falta de medidas de controle e por uma grande impunidade, especialmente
nos Estados do Norte, leste e centro do país, onde a insurgência armada e os
enfrentamentos tribais fazem parte da vida cotidiana de aproximadamente 40
milhões de mulheres.
Segundo a secretaria geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), a violência contra as mulheres é universal; uma em cada
três (35%) sofre abusos físicos ou sexuais alguma vez em sua vida. O documento,
divulgado este ano, avalia os avanços do programa de ação adotado na
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no
Cairo, em setembro de 1994.
De todos os temas compreendidos no plano de ação,
acabar com a violência de gênero recebeu especial atenção de 88% dos governos
pesquisados. No total, 97% dos países têm programas, políticas ou estratégias
para rever a desigualdade de gênero, proteger os direitos humanos e empoderar
as mulheres. Uma pesquisa deste mesmo ano sobre homens e violência na Ásia
Pacífico, realizada pela ONU, mostra que quase 50% dos dez mil entrevistados
reconheceram ter abusado sexual ou fisicamente de uma mulher.
Na Índia, que adotou um marco legal para acabar com
a violência sexual, 92 mulheres são violadas por dia, segundo os últimos dados
do Escritório Nacional de Registro de Crimes. O número é maior do que as
violações na República Democrática do Congo, que atualmente é de 36 por dia. A
violência sexual aumenta nas zonas de conflito, segundo especialistas, em
grande parte devido à falta de busca pelos responsáveis, precisamente o que,
segundo a ONU, “é fundamental para prevenir e dar uma resposta à violência de
gênero”.
O diretor do Centro Asiático de Direitos Humanos,
com sede em Nova Délhi, Suhas Chakman, explicou que “há violações de direitos
humanos cometidas pelas forças de segurança e outras por militares. Mas também
existe a violência contra as mulheres cometidas por civis. Porém, sem importar
quem comete o crime, não se busca os responsáveis, um elemento totalmente
ausente”.
O caso de Perry (nome falso para sua família) é um
reflexo da situação. Esta mulher, de 35 anos, do distrito das montanhas Garo do
Sul, no Estado de Megalaya, com 14 milhões de mulheres e três grupos armados,
foi assassinada por rebeldes armados em junho deste ano. Supostamente, membros
do insurgente Exército de Libertação Nacional Garo tentaram violentá-la, mas
ela resistiu e então atiraram contra sua cabeça. O grupo se nega a assumir a
responsabilidade, pois afirma que Perry era uma informante e “merecia morrer”.
Outro motivo por trás do aumento da violência de
gênero na Índia é a exígua quantidade de condenados: apenas 26% dos casos de
violência sexual. Em 3.860 dos 5.337 casos de violação denunciados nos dez
últimos anos, os acusados foram absolvidos ou eximidos por falta de provas
“adequadas”, segundo o Escritório Nacional de Registro de Crimes.
“Temos uma cultura de impunidade”, afirmou à IPS
Anjuman Ara Begum, advogada em Guwahati e ex-oficial de programa da Comissão
Asiática de Direitos Humanos. “Nosso próprio sistema legal anula a
possibilidade ou a certeza de castigo em casos de violência contra as
mulheres”, criticou.
Diante das decrescentes condenações, os grupos
armados assumiram o sistema jurídico para aplicar uma justiça instantânea. Em
outubro de 2011, um tribunal irregular dos maoístas cortou as mãos de um homem
acusado de violação no distrito de Palamu, Estado de Jharkhand.
Em agosto de 2013, o insurgente Partido Comunista
de Kangleipak (PCK), que atua no Estado de Manipur, lançou uma “força
antiviolação”. Sanakhomba Meitei, secretário do PCK, explicou à IPS por
telefone que sua organização aplicaria uma justiça rápida para as vítimas de
violação. “Nossa intervenção infundirá temor nos violadores. Aplicaremos um
castigo rigoroso”, afirmou.
Segundo A. L. Sharada, diretora da organização
População Primeiro, sócia do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) na
Índia, é uma tendência preocupante, mas inevitável diante do fracasso do
sistema legal de fazer justiça. “Precisamos de um sistema legal forte, e a
justiça popular entorpece essa possibilidade. De fato, esses dois sistemas de
justiça também são de natureza muito patriarcal e, definitivamente, contra a
mulher. O que realmente é necessário são condenações rápidas para todos os
casos de violência de gênero denunciados”, ressaltou.
Segundo o Escritório Nacional de Registro de
Crimes, cerca de 50 mil mulheres foram sequestradas na Índia em 2013 e outras
oito mil foram assassinadas por questões vinculadas ao dote. Além disso, mais
de cem mil sofreram tratamentos cruéis por parte de seus maridos ou outros
familiares homens, e, no entanto, apenas 16% dos acusados foram condenados.
Envolverde/IPS
* Este artigo foi publicado originalmente na edição
especial do TerraViva, ICPD@20: Acompanhamento e Potencial Para Depois de 2015, publicado
com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). O conteúdo é autoria
independente dos jornalistas da IPS.
Fonte: ENVOLVERDE
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