O futuro sustentável também depende da cultura.
por D.
McKenzie, da IPS
A cultura deve ocupar um lugar destacado nas
políticas públicas, afirmaram participantes do fórum de Florença. Foto: A. D.
McKenzie/IPS.
Florença, Itália, 7/10/2014 – Os especialistas
internacionais que trabalham no setor da cultura pedem aos governos que
reconheçam o papel fundamental que esta desempenha no desenvolvimento e que
assegurem sua integração aos objetivos de desenvolvimento pós-2015 da
Organização das Nações Unidas (ONU), que serão discutidos no próximo ano.
No Terceiro Fórum Mundial da Cultura e Indústrias
Culturais, que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco) organizou, de 2 a 4 deste mês nesta cidade, representantes de
vários países discutiram as contribuições dessas atividades para o “futuro
sustentável”, por meio do estímulo ao emprego, ao crescimento econômico e à
inovação.
Segundo a Unesco, o comércio mundial em produtos e
serviços culturais duplicou na última década e está avaliado em mais de US$ 620
bilhões. Além do aspecto financeiro, a cultura também contribui com a inclusão
social e a justiça, segundo a diretora-geral dessa agência da ONU, Irina
Bokova, que abriu o fórum.
“Creio que os países devem investir na cultura com
a mesma resolução que investem nos recursos energéticos, nas novas
tecnologias”, afirmou Bokova, acrescentando que, “em um contexto econômico
difícil, temos que buscar atividades que reforcem a coesão social, e a cultura
oferece soluções neste sentido”.
Bokova explicou à IPS que o fórum pretendia mostrar
que a cultura contribui com a “consecução” de vários dos objetivos de
desenvolvimento, entre eles acabar com a pobreza extrema, conseguir educação
primária universal e a igualdade de gênero, além de garantir a sustentabilidade
ambiental.
Porém, muitos governos não investem o suficiente
nos setores culturais ou criativos, embora os mesmos tenham demonstrado sua
valia. Alguns países preferem construir estádios esportivos que raramente são
usados em lugar de apoiar as artes, afirmou Lloyd Stanbury, advogado jamaicano
no negócio da música, que participou do fórum de Florença.
“No caso da Jamaica, demonstramos que podemos
competir e ganhar em nível mundial nos mais altos níveis da cultura. O reggae e
o movimento rastafári colocaram o país no mapa mundial, e agora mesmo há um
debate sobre o que mais o governo pode fazer para investir na cultura”, pontuou
Stanbury. Para ele, deve-se ter a mesma consideração com a educação artística
quanto com os planos de estudo tradicionais.
“Fala-se para os estudantes: não vai bem com
matemática? Veja se desenha algo. Mas seus desenhos não são considerados de
valor”, observou Stanbury. Alguns países do Sul em desenvolvimento veem as
artes como algo periférico e não como um setor “real” da economia, e isso deve
mudar, acrescentou. Além disso, nesses países “os segmentos da música e da
comunidade de entretenimento não gozam de relações harmoniosas com as
instituições governamentais, sobretudo quando os artistas, em suas obras, se
manifestam contra a corrupção”, ressaltou o advogado em sua apresentação no
fórum.
Para muitos governos, o investimento na cultura
ocupa um lugar muito inferior diante dos serviços de saúde, saneamento,
eletricidade e infraestrutura do transporte. Porém, a cultura pode ajudar na
mitigação da pobreza, na criação de empregos e na consolidação da paz, segundo
os especialistas presentes em Florença.
Peter N. Ives, prefeito interino da cidade
norte-americana de Santa Fé, no Estado do Novo México, explicou como seu
governo investiu nas artes, destinando 1% dos impostos por cama de hotel, ou
taxa do hóspede, às atividades culturais, entre outras medidas. “Agora Santa Fé
tem mais ativos culturais por habitante do que qualquer outra cidade dos
Estados Unidos”, destacou. “A inclusão” de todos os grupos é um elemento
essencial da política, na qual “todos colocam seus dons criativos à mesa”,
acrescentou.
Santa Fé, denominada pela Unesco como Cidade
Criativa, conta com uma Comissão das Artes, designada pelo prefeito, que
“recomenda programas e políticas para desenvolver e promover a excelência
artística na comunidade”, explicou Ives. O resultado é que Santa Fé recebe cada
vez mais escritores e artistas visuais, bem como turistas, devido ao seu número
cada vez maior de museus, espetáculos e esculturas ao ar livre.
Esses exemplos de sucesso podem parecer descabidos
para muitos países pobres ou de renda média que sofrem diversas crises, como os
conflitos armados. Mas os especialistas presentes à conferência descreveram
planos populares como, por exemplo, quando os habitantes eram incentivados a
produzir arte sobre suas próprias vidas e, como consequência, a violência
diminuiu dentro das comunidades.
Outros representantes descreveram como os festivais
de cinema e literários geraram uma sensação de orgulho nacional e de coesão. Em
alguns países do Caribe, da África e Ásia, por exemplo, o crescimento desse
tipo de acontecimento e de prêmios culturais impulsionou de maneira geral as
artes, o que reflete algo que os países ricos sabem há muito tempo.
O fórum, organizado conjuntamente por Unesco,
governo italiano, região de Toscana e município de Florença, também examinou
como se pode proteger a cultura nas zonas em guerra, com ênfase na preservação
de projetos do patrimônio cultural em Mali, Afeganistão e outros Estados,
financiados pela Itália.
Dinamarca e Bélgica expuseram como a ajuda ao
desenvolvimento das atividades culturais pode fomentar o emprego, a formação e
participação dos jovens na sociedade, especialmente dentro de um contexto de
direitos humanos.
“Vivemos em um ambiente muito hostil à cooperação
para o desenvolvimento e também para a cultura e o desenvolvimento, mas faço um
apelo para que haja mais cooperação nessa área”, afirmou Frédéric Jacquemin,
diretor da Africalia, uma organização belga que vê a cultura como “um motor
para o desenvolvimento humano sustentável”.
Os participantes do fórum redigiram a Declaração de
Florença na qual defendem a “plena integração da cultura às políticas e
estratégias de desenvolvimento sustentável nos planos internacional, regional e
local”.
Isso deveria se basear em padrões que “reconheçam
os princípios fundamentais dos direitos humanos, a liberdade de expressão, a
diversidade cultural, a igualdade de gênero, a sustentabilidade ambiental e a
abertura e o equilíbrio com outras culturas e expressões do mundo”, acrescenta
a declaração.
Fonte: ENVOLVERDE
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