O mosquito e a falta d’água.
por André
Trigueiro*
Represa do rio Jagauri, em Vargem, que abastece o
sistema Cantareira. Foto: Augusto Daidone – Prefeitura de Vargem/ Fotos
Públicas 12/09/2014.
Falta bom senso e sobra oportunismo político nesta
crise que abastecimento de água que atinge a região mais populosa e
economicamente importante do Brasil. A Bacia do rio Paraíba do Sul reúne
aproximadamente 4 mil grandes usuários de água (indústrias, companhias de
abastecimento, agricultores, etc) caprichosamente distribuídos nos 3 estados
mais ricos da Federação. A falta de chuvas expôs a falta de planejamento para
lidar com situações de crise – algo impedoável na Engenharia e na Hidrologia –
agravadas pelo ano eleitoral.
No Brasil, a água das torneiras é a mesma que faz
acender a lâmpada da sala. Desde o apagão de 2001 (durante o governo FHC) a
palavra “racionamento” está associada a incompetência administrativa, razão
pela qual nenhum governo do PSDB ou do PT se empenha em promover o uso racional
de água, eficiência energética, ou qualquer outra medida que conspire em favor
de uma cidadania consciente dos riscos dessa “aquadependência” extrema. Se algo
dá errado – como deu – a culpa é de São Pedro.
Em campanha para a reeleição, o governador de São
Paulo Geraldo Alckmin evita a todo o custo aplicar o racionamento de água ou
punir quem desperdiça. Em campanha para a reeleição a presidente Dilma tampouco
promove campanhas do gênero, mesmo quando os custos crescentes de produção de
energia a partir das térmicas (ligadas para dar cobertura às hidrelétricas que
não conseguem operar a plena carga por falta de chuvas) castigam as contas
públicas.
Pra complicar a situação, o próprio
diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, critica
a Política Nacional de Recursos Hídricos por uma lacuna que o impede de agir
como gostaria em momentos de crise. Foi o que aconteceu no último capítulo
dessa novela (até o momento) na disputa pelas águas de um importante rio da
Bacia do Paraíba do Sul.
O reservatório do Jaguari virou notícia depois que
o Governo do Estado de São Paulo determinou a redução da vazão para assegurar o
abastecimento de água aos 50 mil habitantes do município de Santa Izabel.
Segundo o presidente da ANA, “foi uma medida desproporcional. Bastaria mudar o
ponto de captação da água no reservatório (num lugar mais produndo) para
assegurar o abastecimento da cidade. O reservatório do Jaguari é o que está em
melhor situação em São Paulo, com 40% do volume de água preservados. Não
precisa reduzir a vazão”, diz Vicente Andreu.
Mas porque a ANA deixou que o ONS (Operador
Nacional do Sistema Elétrico) atuasse em defesa da calibragem mais adequada das
águas em uma bacia hidrográfica estratégica para o país? O que explicaria o
silêncio – para não dizer a passividade – da ANA em um momento tão importante?
Foi o ONS quem alertou, em nota, “para o colapso no
abastecimento de água” em todas as cidades ao longo do Paraíba do Sul nos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo, e notificou o governo paulista a
apresentar até a próxima sexta-feira uma justificativa (embasada tecnicamente)
para a redução unilateral da vazão.
Com a palavra, o diretor-presidente da Agência
Nacional de Águas: “A ANA não tem autonomia sobre rios estaduais. O rio Jaguari
é estadual. O ONS pode se manifestar porque tem autoridade sobre todas as
hidrelétricas do país. Energia é assunto federal”. Perguntamos se não é
contraditório que uma agência reguladora federal, que foi criada para assegurar
“o uso múltiplo das águas”, não tenha poderes para agir em uma crise dessas
proporções. Segundo Vicente Andreu, há um “zona cinza” no texto da Lei
justamente na parte que define a “situação dos rios estaduais que contribuem
para a vazão dos rios federais. Rio federal (que atravessa mais de um estado da
federação) é assunto da ANA. Rio estadual não”.
Lembra um pouco aquela história do mosquito da
dengue. Há alguns anos, no auge da epidemia, quando a opinião pública
acompanhava estarrecida a multiplicação do número de casos da doença sem que as
autoridades dessem a devida resposta no combate ao mosquito transmissor, a
grande questão a ser resolvida era: “Mas o mosquisto é federal, estadual ou
municipal?”.
A dengue, como se sabe, segue sem controle em
algumas regiões do país. Acontecerá o mesmo com a falta d’água?
* André Trigueiro é jornalista com
pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a
disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo
Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia
para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos
livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal
Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É
apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções,
da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da
Rádio Rio de Janeiro.
Fonte: Mundo Sustentável
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