O planeta ruma para a catástrofe
e os políticos só observam.
por
Roberto Savio*
Foto: Shutterstock
Roma, Itália, outubro/2014 – Se fosse necessário
demonstrar que estamos diante da total ausência de uma governança global, a
Cúpula do Clima, convocada excepcionalmente pelo inerte secretário-geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, e realizada no dia 23 de
setembro em Nova York, seria um exemplo muito bom.
Parece claro que finalmente se alojou nos líderes
políticos a evidência de que há um problema conjunto muito urgente em nosso
planeta, a mudança climática.
Porém, a falta de respostas concretas, além do uso
e abuso de lugares comuns gerais sobre o tema é impressionante.
Sem deixar de reconhecer o problema, muitos líderes
encontraram a maneira de se esquivar de sua responsabilidade indicando
limitações em seus países.
Essa foi a fórmula à qual recorreu o presidente dos
Estados Unidos, Barack Obama, para deixar claro que o Congresso de seu país não
estaria disposto a ratificar um tratado internacional sobre o clima.
Essa posição, neste caso, ocorre porque o Congresso
não aceita a vinculação dos Estados Unidos ao tratado devido ao seu objetivo
excepcional, que não lhes permite ser tema de escrutínio ou controle por parte
dos que não são seus próprios cidadãos.
Os Estados Unidos se converteram em um país
disfuncional, onde os poderes Judicial, Legislativo e Executivo não conseguem
cooperar, inclusive em temas cruciais.
Anant Geete, ministro indiano de Indústria Pesada e
Empresas Públicas, afirma que o crescimento de seu país tem prioridade absoluta
e por isso a Índia seguirá o caminho da industrialização e da energia baseada
no carbono, enquanto outras energias renováveis serão incorporadas
progressivamente, embora isso faça com que esse país se converta no maior
contaminador mundial.
A União Europeia não pode assumir nenhum tipo de
compromisso, já que uma nova Comissão deverá assumir no próximo mês e a pessoa
designada para o posto de Comissário para a Ação Climática e Energia é o
conservador espanhol Miguel Arias Cañete, que era um dos principais acionistas
em duas empresas petroleiras espanholas, até vender suas ações para firmar sua
candidatura.
Nenhum problema, já que membros de sua família não
seguiram seu exemplo e se mantêm como acionistas e inclusive ocupam postos nos
conselhos administrativos das empresas.
De acordo com esta mesma sensibilidade política, a
nova e mais conservadora Comissão Europeia entregou a carteira de Serviços
Financeiros ao bem conhecido lobista da City de Londres, Lord Jonathan Hill.
O triste é que não faltaram documentos de base para
a Cúpula do Clima.
Além de um informe preparado pelo Grupo
Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), que reúne
3.200 cientistas de todo o mundo, existia, por exemplo, um documento do governo
da Espanha, baseado em um detalhado estudo das áreas costeiras desse país, que
conclui que em 2050 o nível do Mar Mediterrâneo subirá um mínimo de 30
centímetros (se forem tomadas as medidas de controle climático agora) até um
máximo de 60 centímetros (se não forem tomadas).
Isso significa que a costa retrocederá entre 20 e
40 metros, com um evidente efeito no turismo, nos portos e assentamentos
costeiros. Há cem anos utilizava-se apenas 12% da costa, chegando a 20% em
1950, a 35% em 1988 e a 75% em 2006. Na Espanha, 15 milhões de pessoas vivem na
área que será afetada pela mudança climática.
Obviamente, França, Grécia, Itália, Tunísia e o
restante dos países mediterrâneos compartilharão o mesmo destino.
Outro estudo mais global, do grupo de pesquisa
Climate Central, dos Estados Unidos, estima que aproximadamente um em cada 40
habitantes no mundo, cerca de 177 milhões de pessoas, vive em áreas suscetíveis
a inundações nos próximos cem anos.
Mesmo se fossem tomadas medidas imediatas para o
controle climático 1,9% da população dos países costeiros seria afetada. No
pior dos casos, seria 3,1%.
Para dar um exemplo mais concreto, 4% da população
chinesa (50 milhões de pessoas) poderia ser afetada. Oito dos dez grandes
países com maior risco ficam na Ásia.
A voz de Abdulla Yameen, presidente de Maldivas,
passou despercebida quando recordou aos líderes da Cúpula que os pequenos
países insulares, que seriam os primeiros a sofrer com qualquer elevação do
nível do mar, constituíram uma federação para defender seu direito a existir.
Toda uma nova geração nasceu desde que teve início
o debate sobre a mudança climática, mas não há sinais de que a situação esteja
melhorando.
Na década 2002-2012, as emissões globais de dióxido
de carbono (CO2) aumentaram, em média, 2,7%. Em 2013, as emissões eram as mais
altas dos últimos 30 anos. Ainda assim o setor da energia está montando uma
grande campanha para negar que haja alguma mudança climática.
Os que negam a mudança climática dizem que o que ocorre
é parte de um ciclo histórico normal, e não o resultado da atividade humana.
Todos os dados demonstrando o contrário estão sendo
ignorados e o resultado dessa campanha é que muitas pessoas acreditam que o
debate sobre a questão continua aberto.
Talvez, o que ocorreu há alguns dias entre Google e
o Conselho Norte-Americano de Intercâmbio Legislativo (Alec) seja sintomático
desse “ciclo histórico normal”.
Em 22 de setembro, o presidente do Google, Eric
Schmidt, anunciou que essa empresa de alta tecnologia se retirava da Alec,
acrescentando que “todo o mundo entende que está acontecendo uma mudança
climática e as pessoas que a negam estão realmente causando um dano aos nossos
filhos e nossos netos e contribuindo para fazer do mundo um lugar muito pior”.
A Alec é uma organização conservadora que defende a
revogação das leis sobre energias renováveis estatais e outras políticas
pró-renováveis.
Esse Conselho elabora propostas de regulamentação
que apresenta aos políticos, pedindo que façam apenas o esforço de convertê-las
em lei.
O porta-voz da Alec respondeu: “É lamentável saber
que Google pôs fim à sua filiação no Conselho como consequência da pressão
pública de indivíduos e organizações de esquerda que intencionalmente confundem
as perspectivas da política de livre mercado com a negação da mudança
climática”.
Em palavras simples, se uma pessoa está preocupada
com a mudança climática passa a ser qualificada de esquerdista que está contra
o mercado.
Os executivos de muitas grandes empresas estão à
frente dos líderes políticos. Eles podem tomar decisões sem travas de restrição
política e descobriram que trabalhar a favor do controle climático pode ser
útil não apenas em termos de relações públicas, mas também economicamente.
Por exemplo, 40 grandes empresas, entre elas
L’Oreal e Nestlé, divulgaram uma declaração, no dia 23 de setembro, se
comprometendo a ajudar a reduzir o desmatamento tropical pela metade até 2020 e
detê-lo completamente até 2030. Algumas dessas companhias trabalham com óleo de
palma, uma produção rentável à custa das florestas tropicais, especialmente na
Indonésia.
Entretanto, somente algumas corporações assumiram
alguns compromissos concretos na Cúpula de Nova York.
Por exemplo, o máximo dirigente da Apple, Timothy
Cook, disse que sua empresa se comprometeu a centrar-se nas emissões de seus
principais fornecedores, que representam cerca de 70% dos gases-estufa
provenientes da produção e do uso de produtos da companhia.
Cook rechaçou a ideia de que a sociedade deve
escolher entre o crescimento econômico e a proteção do ambiente, dando como
exemplo uma enorme fazenda solar que a Apple construiu na Carolina do Norte,
nos Estados Unidos, para ajudar a operar um centro de dados.
As pessoas nos disseram que isso não poderia
acontecer, que não era possível, mas o fizemos. É muito bom para o ambiente e,
por certo, também é bom para a economia”, afirmou.
Entretanto, muitas vozes não permaneceram caladas
no planeta. Salvaguardar o ambiente foi por muito tempo uma bandeira de luta
para uma grande parte da sociedade civil em todo o mundo e uma das principais
causas de preocupação entre as gerações mais jovens.
Roberto Savio. Foto: IPS
Mas por que foram tão claramente invisíveis para os
que tomam as decisões no planeta?
A próxima data importante para a agenda do clima é
a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas
sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Paris em 2015, e onde devem ser
dados passos decisivos, após a COP 20 que acontecerá em Lima em dezembro.
Nossos dirigentes políticos desperdiçarão novamente
a oportunidade de fazer algo concreto?
Continuarão a esperar e ver como o tempo
se esgota para o planeta e para a humanidade?
* Roberto Savio é fundador e presidente
emérito da agência IPS e editor do boletim Other News.
Fonte: ENVOLVERDE
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