Por que desmatar 79% da área de
mananciais secou São Paulo.
por Marcia Hirota*
Estudo da Fundação SOS Mata Atlântica divulgado
com exclusividade pela revista Época constatou que a cobertura florestal nativa na bacia
hidrográfica e nos mananciais que compõem o Sistema Cantareira, centro da crise
no abastecimento de água que assola São Paulo, está pior do que se imaginava.
Hoje, restam apenas 488 km2 (21,5%) de vegetação nativa na bacia hidrográfica e
nos 2.270 km2 do conjunto de seis represas que formam o Sistema Cantareira.
O levantamento avaliou também os 5.082 km de rios
que formam o sistema. Desse total, apenas 23,5% (1.196 km) contam com vegetação
nativa em área superior a um hectare em seu entorno. Outros 76,5% (3.886 km)
estão sem matas ciliares, em áreas alteradas, ocupadas por pastagens,
agricultura e silvicultura, entre outros usos.
O estudo teve como base o último Atlas dos
Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, que avaliou a situação da vegetação
nos 17 Estados com ocorrência do bioma, no período 2012-2013. O Atlas, que
monitora o bioma há 28 anos, é uma iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com patrocínio de Bradesco
Cartões e execução técnica da Arcplan.
Com base em imagens de satélite, o Atlas da Mata
Atlântica utiliza a tecnologia de sensoriamento remoto e geoprocessamento para
monitorar os remanescentes florestais acima de 3 hectares. Neste estudo sobre o
Sistema Cantareira, realizado pela SOS Mata Atlântica e Arcplan, foram
identificadas as áreas de até 1 hectare.
As análises foram avaliadas em nível municipal,
indicando os municípios com total de áreas naturais mais preservados. As
cidades observadas foram: Camanducaia (19,6% de vegetação nativa), Extrema
(15,2%), Itapeva (7,9%) e Sapucaí Mirim (42%), em Minas Gerais; Bragança
Paulista (3,2%), Caieiras (50,2%), Franco da Rocha (40,8%), Joanópolis (18,8%),
Mairiporã (36,6%), Nazaré Paulista (24,7%), Piracaia (17,7%) e Vargem (17,9%),
em São Paulo.
As florestas naturais protegem as nascentes e
todo fluxo hídrico. Com esses índices de vegetação, não é de se estranhar que o
Sistema Cantareira opere, atualmente, com o menor nível histórico de seus
reservatórios, já que para ter água é preciso ter também florestas.
E o que fazer diante deste quadro?
O primeiro desafio é proteger o que resta de Mata
Atlântica e manter, com rigor, o monitoramento e a fiscalização dessas áreas
para evitar a ocorrência de novos desmatamentos.
Importante lembrar que Minas Gerais, Estado que
reúne não apenas as nascentes de rios que formam o Sistema Cantareira, mas
também das bacias dos rios Doce, São Francisco e Paraíba do Sul, entre outros,
é o recordista do desmatamento da Mata Atlântica pelo quinto
ano consecutivo, de acordo com os últimos dados do Atlas da Mata Atlântica.
O segundo ponto é promover a recuperação
florestal nessas regiões, incluindo-se aqui investimentos públicos e privados
para restauração florestal e programas de Pagamentos Por Serviços Ambientais
(PSA) voltados aos proprietários de terras, municípios e Unidades de
Conservação que as preservarem.
Com o objetivo de estimular esse esforço, a
Fundação SOS Mata Atlântica lançará ainda neste mês um novo edital do programa
Clickarvore, com apoio do Bradesco Cartões e Bradesco Capitalização, para a
doação de 1 milhão de mudas de espécies nativas para restauração na Bacia do
Cantareira.
Essas mudas possibilitarão a recuperação de até 400 hectares de
áreas, que por sua vez podem promover a conservação de 4 milhões de litros de
água por ano. A ideia é que os projetos selecionados colaborem para conservar e
proteger os recursos hídricos conectando, nessas regiões, os poucos fragmentos
de mata que hoje encontram-se isolados.
Pode parecer pouco, tendo em vista o tamanho do
desafio, mas é um primeiro passo para trazer de volta as florestas e a água ao
Sistema Cantareira. Esperamos que essa iniciativa contribua para o
fortalecimento de políticas públicas efetivas e que possa marcar o início de
esforços conjuntos da sociedade, iniciativa privada e do poder público para a
recuperação desse importante manancial.
Afinal, a grave escassez que
enfrentamos neste ano reforça a necessidade do Estado promover a proteção dos
mananciais e a gestão integrada e compartilhada da água.
A restauração da cobertura florestal nas áreas de
mananciais é o pontapé para a recuperação das reservas de água. No entanto,
para que traga resultados efetivos, essa iniciativa precisa ser somada a uma
ação urgente e firme do Governo do Estado no sentido de implementar
efetivamente instrumentos econômicos como o PSA e a cobrança pelo uso da água a
todos os usuários, o que garantirá a sustentabilidade do sistema e o acesso à
agua em quantidade e qualidade para a sociedade.
* Marcia Hirota
é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica.
Fonte: SOS
Mata Atlântica
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