Soja degrada meio ambiente e alimenta
especulação no TO.
Dissertação aponta problemas e transformações
decorrentes da intensificação do plantio da cultura
Em dissertação de mestrado apresentada ao
Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, orientada pelo professor Vicente
Eudes Lemos Alves, a geógrafa Debora Assumpção e Lima busca compreender as
transformações do espaço agrário do Tocantins a partir da expansão do plantio
de soja, que lidera a exportação agropecuária deste Estado, criado e
desmembrado de Goiás em 1988 e com governo instalado em Palmas desde1990.
Esta mais nova unidade da Federação, situada na
região Norte do Brasil, na chamada Amazônia Legal, tem sua geografia dominada
por dois rios, que a percorrem de sul a norte: o Tocantins e o Araguaia, este
na divisa com Mato Grosso e Pará. A partir de sua criação, o Estado tem atraído
agricultores modernos e empresas hegemônicas em vista da grande oferta de
terras do Cerrado e do desenvolvimento logístico.
Com efeito, as ações governamentais, desde a
promulgação da constituição do Tocantins até a construção de infraestruturas,
favorecem o avanço da moderna monocultura de grãos. O Projeto Agrícola Campos
Lindos e o Programa de Desenvolvimentos dos Cerrados, desenvolvidos no
município de Pedro Afonso, ratificam esse avanço e revelam também as
precarizações das relações espaciais e a expulsão da agricultura camponesa.
“Ela poderia garantir a diversidade agrícola, não apenas através da produção de
víveres, mas também como forma de resistência às ordens hegemônicas do
capital”, diz a autora.
Para a pesquisadora, as mudanças ocorridas no
espaço rural tocantinense envolvem importantes alterações na estrutura
produtiva dessa fronteira agrícola, concretizadas pela presença de aparatos
técnicos modernos e novos agentes socioeconômicos, que avançam rapidamente
sobre os espaços dos camponeses, em decorrência da presença de grandes
empresas, frequentemente conglomerados econômicos transnacionais.
O avanço da monocultura modernizada da soja, que
se tornou uma commodity altamente representativa na exportação do Estado, é
acompanhado da degradação das relações espaciais como aumento expressivo da
especulação imobiliária rural, expulsão de pequenos produtores de suas antigas
áreas de moradia e produção, crescimento do trabalho precário.
A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto
temático “A fronteira agrícola Centro-Norte brasileira: regionalização, mobilidade
do trabalho, modernização, propriedade da terra e processo de urbanização”,
financiado pela Fapesp e coordenado por Vicente Eudes Lemos Alves. Esses
estudos atêm-se a áreas que estão no contexto da moderna agricultura brasileira
e examinam as condições que determinam a expansão dessa fronteira agrícola que
abarca o oeste da Bahia, o sul do Piauí e Maranhão, e ainda o Tocantins.
Objetivos
O objetivo do trabalho foi o de compreender a
expansão do cultivo da soja no Brasil, mais especificamente no Tocantins,
tentando entender quais áreas farão parte do processo de modernização agrícola
e do avanço do plantio, que compõe cerca de 75% da exportação do Estado,
seguido da pecuária (24%), restando apenas 1% para o abacaxi e outros produtos
agrícolas de menor relevância.
“Procurei entender o que está acontecendo nesse
estado de clara vocação agropecuária desde sua recente constituição. A
separação de Goiás teve como objetivo a entrada de alguns grupos financeiros
com vistas à organização e modernização da agricultura local para atender o
mercado internacional”, esclarece a autora. Com esse objetivo, o governo
estadual promoveu políticas tanto de ocupação como de incentivos fiscais.
Primeiro, até meados dos anos 1990, para a ocupação do vale do Araguaia, a
oeste do Estado e, depois, para o fortalecimento de algumas políticas agrícolas
mais localizadas, caso do Polo Agrícola de Campos Lindos, em que basicamente se
ateve à desapropriação de terras para criação de lotes destinados ao plantio de
grãos.
Contextualizando, a pesquisadora lembra que o
plano de desenvolvimento do Tocantins assemelha-se ao Projeto de
Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), implementado no ano anterior no
município de Pedro Afonso, conhecido hoje como a capital da soja tocantinense.
Mantido pelo governo federal, o Prodecer foi implantado no final da década de
70 inicialmente em Minas Gerais e Goiás, avançou para o Mato Grasso, Mato
Grosso do Sul, Bahia e chegou ao Tocantins e sul do Maranhão, acompanhando o
movimento da ocupação das áreas centrais do Brasil, os investimentos estaduais
e a criação de infraestruturas que facilitassem o escoamento da produção de
commodities. Embora a pauta do projeto estivesse centrada principalmente na
produção de grãos, o cultivo da soja acabou predominando nas regiões
mencionadas.
Paralelamente, constituíam objetivos do Projeto a
ocupação de áreas pouco povoadas e o estabelecimento da interligação da região
central do país com o Norte e Nordeste, através da Hidrovia Araguaia-Tocantins,
da Ferrovia Norte-Sul e da Estrada de Ferro Carajás integrando-as ao sistema
rodoviário convencional e à Companhia Ferroviária do Nordeste.
O grande estoque de terras baratas atraiu
sulistas, conhecidos genericamente como gaúchos, que traziam o conhecimento de
uma agricultura moderna, interessados ainda nas facilidades oferecidas pelo
Estado, inclusive financiamento de equipamentos agrícolas. Esses migrantes
acabam criando a Cooperativa Agroindustrial de Pedro Afonso, hoje a maior
armazenadora de grãos do Estado.
Em duas viagens de campo, realizadas em 2012 e
2013, a pesquisadora percorreu a rodovia Belém-Brasília ate o sul do Maranhão,
mapeando algumas das infraestruturas ligadas ao circuito produtivo da soja,
tais como concessionárias de equipamentos agrícolas, lojas de venda de insumos,
prestadoras de serviços, abatedores, e manteve contato com sindicatos de
trabalhadores e com movimentos ligados à agricultura camponesa.
Visitou também a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), responsável por alguns silos do Estado, a vigilância
sanitária, a cooperativa de Pedro Afonso, alguns projetos agrícolas mantidos
pelo Estado, procurando relacionar o discurso à paisagem vivenciada. Essa
paisagem envolve tudo que se encontra no quadro espacial do município: as
atividades agropecuárias praticadas no Cerrado, os investimentos logísticos, as
casas e construções, os arruamentos, os silos, os migrantes, as demandas por
serviços etc.
Entre os principais investimentos logísticos, ela
destaca a rodovia Belém-Brasília, que já existia, e atualmente a Ferrovia
Norte-Sul, que vai permitir a interligação entre os corredores do norte de Mato
Grosso, a ferrovia de Carajás e um trecho da Transnordestina. Para ela,
embora o complexo ferroviário ainda esteja incompleto, já se observa uma
mudança nas rotas de escoamento da produção pelo porto de São Luís, mais
próximo dos mercados europeu e chinês, embora o porto de Santos continue sendo
o maior escoador do produto no Brasil.
Outros investimentos logísticos, como o
armazenamento, são na sua grande totalidade privados, incluindo-se neles
inclusive a construção de estradas vicinais destinadas ao escoamento da
produção. Ela constatou rápidas transformações na paisagem com a chegada de
máquinas agrícolas altamente sofisticadas, da telefonia celular, a
disponibilidade de agrônomos e pessoal técnico especializado e, em decorrência
do grande desenvolvimento das cidades, a oferta de serviços que vão além da
produção agropecuária.
Ocorreram também alterações dos cultivos. Em
Pedro Afonso não se planta para o consumo, a não ser alimentos altamente
perecíveis, e grande parte dos produtos comercializados no Ceasa vêm de Goiás
ou Belém. As poucas frutas lá produzidas são destinadas ao mercado nacional ou
internacional, caso do abacaxi.
Tendências
Embora no contexto nacional o Tocantins não seja
um grande produtor de soja, observam-se as mesmas tendências de ocupação que
ocorreram em Mato Grosso, líder da produção do grão no país, e ganha corpo a
homogeneidade da paisagem produtiva. A autora constata que “aí reside o maior
interesse do estudo, pois se existe de fato um discurso, um ideário permeado pelas
instituições que promovem o cultivo da soja para atrair cada vez mais
investimentos, ao mesmo tempo se deve perguntar: que rumo está sendo dado ao
Estado?”.
Debora identificou alguns fatores que podem
contribuir ou não para a expansão dessa monocultura. Ela constatou que nem todo
o Estado recebe investimentos nessa direção e sim áreas específicas e bem
selecionadas, que levam à criação de nós logísticos. Assim é que foram
valorizadas e receberam investimentos áreas que possibilitam o aproveitamento de
estruturas já existentes, como as que se encontram próximas à rodovia
Belém-Brasília, eixo que facilita o escoamento da produção.
Identificam-se também manchas de desenvolvimento próximo ao rio Tocantins
e outras vinculadas a contextos políticos ou a interesses locais.
A pesquisadora procura fazer um alerta sobre o
processo desenvolvimentista agroexportador adotado no Brasil. Para ela, esse
modelo é preocupante porque conduz a cada vez maior concentração de terras, a
monocultora e a uma estrutura fundiária baseada na agricultura moderna, cujos
equipamentos são altamente especializados e atendem a demanda de apenas um
cultivar. Some-se a isso, o fato de o agricultor ter grande parte do valor da
produção previamente comprometido com a aquisição de insumos – sementes,
fertilizantes, defensivos agrícolas – e de equipamentos, fornecidos por
empresas ligadas a umas poucas tradings – corporações multinacionais que
dominam vários braços de uma ou de várias cadeias de produção.
Além de comercializar os grãos no mercado
internacional essas organizações estão vinculadas ao mercado financeiro, atuam
no sistema de armazenamento, exploram minas que fornecem minerais utilizados em
fertilizantes que também fabricam, produzem alimentos derivados. Hoje cerca de
meia dúzia de tradings domina a cadeia de produção de soja no país, com
destaque para a Bungue Alimentos, a mais atuante no Tocantins. Ela considera
importante “refletir sobre esse avanço, pois a precarização das relações
espaciais, as dinâmicas vinculadas a essas corporações e ao mercado
internacional fragilizam a autonomia local, cada vez mais comprometida pelas
dependências estabelecidas”.
Em suma, conclui Débora, os monopólios atuam
simultaneamente no controle da propriedade privada da terra, no processo
produtivo no campo e no processamento industrial da produção agropecuária.
As
grandes empresas arrendam terras, controlam os preços das commodities, são
proprietárias dos silos, financiam insumos e máquinas, criando uma lógica
perversa no campo.
Publicação
Dissertação: “A expansão da soja
na fronteira agrícola moderna e as transformações do espaço agrário
tocantinense”;
Autora: Débora Assumpção e Lima;
Orientador: Vicente Eudes Lemos
Alves;
Unidade: Instituto de
Geociências (IG);
Financiamento: Fapesp
Texto: CARMO GALLO NETTO
Fotos: Divulgação / Antoninho Perri
Edição de Imagens: Diana Melo.
Fonte: Jornal da Unicamp 609
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