Terramérica – Compensação
ambiental avança entre polêmicas.
por
Emilio Godoy*
Área natural do Estado mexicano de Tamaulipas, na
reserva da biosfera de El Cielo. Os críticos do esquema de compensação
ambiental duvidam que com ele não se abra a porta para a intervenção na
natureza virgem e rechaçam que os ecossistemas sejam mercantilizados. Foto:
Cortesia do governo de Tamaulipas.
Cidade do México, México, 22 de setembro de 2014
(Terramérica).- A compensação por perda de biodiversidade dá seus primeiros
passos na América Latina, em meio à rejeição de organizações sociais, que
criticam que se mercantilize a natureza e dizem que é inútil para remediar os
impactos de atividades depredadoras, com as extrativistas.
“Nenhum mecanismo de mercado resolve o problema de
fundo. O mais sério é o passivo ambiental. O que se faz com o que já está
feito? Como fazer para que realmente seja compensação e não apenas uma
remediação?”, perguntou Margarita Flórez, diretora-executiva da não
governamental Associação Ambiente e Sociedade da Colômbia. “Continuamos
perdendo recursos e não se pode frear nada. O mecanismo está cheio de
contradições”, afirmou à IPS.
Desde agosto de 2012, a Colômbia conta com o Manual
para Destinação de Compensações por Perda de Biodiversidade, embora ainda
não seja aplicado. Esse modelo permite aos empresários conhecer com precisão
onde, como e quanto compensar pelo impacto ecológico de suas atividades. O
plano estipula que as compensações devem ocorrer em áreas ecologicamente
equivalentes ao lugar prejudicado e podem acontecer via portfólio de áreas
priorizadas pelo Plano Nacional de Restauração ou pelo Sistema Nacional de
Áreas Protegidas.
As ações de compensação devem durar o mesmo que a
vida útil do projeto e podem se concretizar em financiamento para criar ou
fortalecer áreas privadas e territórios indígenas e de afrodescendentes. O
Manual será aplicado a obras dos setores de mineração, hidrocarbonos,
infraestrutura, eletricidade, portos, projetos de geração de energia, bem como
novos aeroportos internacionais.
As zonas excluídas são as áreas nacionais
protegidas (ANP), parques nacionais naturais, reservas da biosfera e
florestais, cujas atividades dependem de regimes especiais. Para a vegetação
secundária, a compensação oscila entre 0,01 e 0,02 quilômetro quadrado
para cada quilômetro quadrado afetado, enquanto a variação será de 0,02 a 0,1
quilômetro quadrado para cada quilômetro quadrado se afetar ecossistemas
naturais. Na Colômbia há oficialmente 55 ANP, que representam 10% da superfície
do país.
A compensação é um dos seis “mecanismos financeiros
inovadores”, classificados pelo Convênio sobre a Diversidade Biológica (CDB),
vigente desde 1993, que alguns qualificam de “constituição” do desenvolvimento
sustentável e que foi ratificado por 193 países. Os outros são reforma fiscal,
pagamentos por serviços ambientais, mercados para produtos ecológicos,
financiamento da biodiversidade na mudança climática e a biodiversidade no
financiamento internacional para o desenvolvimento.
Atualmente, apenas um quinto dos países signatários
tem mecanismos de compensação ambiental, os quais estão operando cerca de 45
programas, com investimento entre US$ 2,4 bilhões e US$ 4 bilhões. Na América
Latina, além da Colômbia, Argentina, Brasil, Chile, México, Peru e Venezuela contam
com algum tipo de sistema de compensação ambiental, enquanto o Equador estuda
como estabelecer o mecanismo.
O Chile, por exemplo, trabalha na criação de um
esquema de compensação por perda, a partir do novo regulamento do Serviço de
Avaliação Ambiental que incorpora diretrizes da compensação, em um país com 19%
de seu território em áreas protegidas. No Peru, com 166 áreas naturais que
representam 17% de seu território, atualmente se debate as diretrizes para a
elaboração e aplicação do Plano de Compensação Ambiental do Sistema de
Avaliação do Impacto Ambiental.
No México, Pedro Álvarez, coordenador geral de
Corredores e Recursos Biológicos da não governamental Comissão Nacional para o
Conhecimento e Uso da Biodiversidade, considera factível combinar mecanismos de
conservação com produção econômica. “Se as comunidades valorizarem a
biodiversidade, se converte em boa oportunidade para criar esperança no manejo
de recursos naturais”, afirmou à IPS. “Para que isso funcione é preciso
garantir fundos públicos durante períodos longos”, pontuou. Além disso, devemos
escolher os locais de maior biodiversidade e evitar que se converta em “se me
pagarem, cuidarei”, destacou.
O Programa Setorial de Meio Ambiente e Recursos
Naturais 2013-2018 indica que quase 29% do território mexicano perdeu
ecossistemas naturais, em um país com 176 áreas naturais. A Comissão Nacional
de Áreas Naturais Protegidas administra essas áreas naturais, que englobam 13%
do território mexicano. Com o Programa de Compensação Ambiental por Mudança de
Uso do Solo em Terrenos Florestais, a Comissão Nacional Florestal financiou no
ano passado 275 projetos em uma área total de 321 quilômetros quadrados.
“Na Colômbia os incentivos para a conservação são
diminutos. O Manual é muito enunciativo, mas falta todo o procedimento de como
ser aplicado. Deve-se chegar ao detalhe, quanto, em quais condições e o que
acontece se não for aplicado”, apontou Flórez.
Mapa dos fatores de compensação por
representatividade dos ecossistemas e biomas, nos distritos biogeográficos da
Colômbia. Foto: Cortesia do Ministério do Ambiente.
Na primeira fase do projeto, pode-se fazer uso da
ferramenta Tremarctos-Colômbia, um sistema de alertas que avalia
preliminarmente os impactos sobre a riqueza biológica das obras de infraestrutura
e fornece recomendações sobre as eventuais compensações que estas deverão
assumir. Na segunda etapa, se utilizará o Manual para estabelecer as
compensações pela perda e, na terceira, acontecerá o monitoramento e
acompanhamento para compará-las com a linha-base e garantir a não perda de
biodiversidade.
Pelo menos Brasil, Chile, Colômbia, Equador e
Venezuela perderam riqueza natural entre 1990 e 2008, segundo o Índice de
Riqueza Inclusiva, um estudo de 20 países comandado pelo Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). “Devem ser criados novos mecanismos. Mas
não se trata de pagar para não contaminar, isso é perigoso. O princípio de
precaução deve estar incluído nos ditames ambientais e também uma espécie de
prêmio de seguro ambiental” no caso de acidentes, aconselhou Álvarez.
O movimento Não à Compensação da Biodiversidade
divulgou um manifesto contra a compensação em novembro de 2013 na cidade
escocesa de Edimburgo, que denuncia que a fórmula “poderia supor um aumento dos
danos, mas o que ainda é mais preocupante é que poderia derivar na
mercantilização da natureza”.
O documento, assinado por dezenas de organizações
de todo o mundo, alerta que o esquema permite, ou mesmo fomenta, a destruição
ambiental, “com a promessa de que o habitat possa ser recriado em outro lugar”.
Essa medida, segundo os críticos, beneficia as empresas que causam danos, já
que podem se apresentar como companhias que investem em proteção ambiental,
“dessa forma fazendo seus produtos passarem por ecológicos”.
Os promotores da rejeição afirmam que a compensação
de biodiversidade não evitará sua perda, prejudicará as comunidades e pretende
separar as pessoas de seu entorno, onde se assenta sua cultura e onde sua
atividade econômica tem lugar tradicionalmente, bem como o potencial de
aumentar a perda de capital natural.
Um dos objetivos da Estratégia do CDB para a
Mobilização de Recursos é considerar os mecanismos de compensação onde sejam
relevantes e apropriados, enquanto se garanta que não sejam usados para
debilitar os componentes únicos da biodiversidade. Envolverde/Terramérica.
* O autor é correspondente da IPS.
Fonte: ENVOLVERDE
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