sábado, 29 de novembro de 2014

A agroecologia é a solução para a fome e a mudança climática.
por Kirtana Chandrasekaran e Martín Drago*
O salvadorenho Adolfo é um exemplo dos benefícios da agroecologia camponesa. Foto: Jason Taylor/Amigos da Terra Internacional.

Lima, Peru, 28/11/2014 – Cientistas especializados em mudança climática divulgaram no dia 2 sua mais recente advertência de que a crise climática está piorando rapidamente em vários aspectos. 

Preveem que a mudança climática afetará a produtividade agrícola, cuja consequência afetará a segurança e a soberania alimentar de muitos países.

Nossos governos adotarão as medidas urgentes e necessárias para abordar essas crises? Terão uma oportunidade na próxima rodada de negociações da 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Lima, no Peru, entre 1º e 12 de dezembro.

Camponeses como o salvadorenho Adolfo são os principais produtores de alimentos hoje em dia. Precisamos deles, e não da produção industrial, para alimentar o planeta no contexto da mudança climática e da degradação generalizada dos recursos naturais. Em nosso planeta, 805 milhões de pessoas sofrem fome crônica e o sobrepeso e a obesidade afetam mais de dois bilhões de pessoas; 65% da população mundial vive em países onde o sobrepeso e a obesidade matam mais pessoas do que a desnutrição.

Os que sofrem fome são principalmente as pessoas pobres das zonas rurais nos países em desenvolvimento, fundamentalmente produtores de pequena escala da África e Ásia. Quase uma em cada nove pessoas vai dormir com fome todas as noites.

Não é o caso de Adolfo e sua família, apesar de viverem em uma região que foi devastada pelos efeitos da mudança climática e das inundações, o Vale Lempa, em El Salvador. Ele sabe por experiência própria que a diversidade agrícola e a conservação em mãos camponesas das sementes tradicionais são fundamentais para o sustento dos produtores de pequena escala.

A enorme maioria dos governos de todo o mundo ignorou os produtores de pequena escala durante décadas, afundando milhões deles na pobreza. Entretanto, esses camponeses e camponesas continuam sendo os que produzem a maior parte dos alimentos do mundo, utilizando variedades tradicionais de sementes e sem recorrer a insumos industriais.

Na África, os camponeses cultivam praticamente todos os alimentos consumidos localmente. Na América Latina, 60% da produção, incluída a carne, é produzida em pequenas propriedades familiares. Na Ásia, centro mundial da produção de arroz, praticamente todo o arroz é cultivado em áreas inferiores a dois hectares.

Mesmo assim o agronegócio e alguns governos promovem fortemente a agricultura industrial (baseada em monoculturas, sementes híbridas e pesticidas e fertilizantes químicos) como a melhor forma de alimentar o planeta. Além disso, a agricultura industrial é uma das maiores contribuintes para a mudança climática, devido ao seu alto consumo de combustíveis fósseis, pesticidas e fertilizantes e por seus impactos sobre solos, águas e biodiversidade.

E existe suficiente evidência de que essa indústria está destruindo os recursos dos quais dependemos para produzir nossos alimentos. Porém, os promotores da agricultura industrial fazem caso omisso de seus impactos ambientais. Conhecendo o grande desafio que representa a mudança climática, já que poderia reduzir consideravelmente a produtividade agrícola, especialmente nos países em desenvolvimento, outros são os caminhos que se deveria fomentar.

Por outro lado, os defensores da agricultura industrial a justificam dizendo que, devido à crescente população mundial, será necessário produzir mais alimentos e para isso é preciso aumentar o rendimento. Mas sabemos que produzir mais alimentos e aumentar o rendimento não são os únicos desafios. De fato, já produzimos alimentos suficientes para alimentar nossa população atual e futura.

O problema não é a falta de alimentos, mas sua distribuição desigual. O acesso aos alimentos está definido pela riqueza e pelo lucro, em lugar da necessidade. Promove-se o livre comércio acima do direito à alimentação. Em consequência, metade dos grãos do mundo é usada para alimentar animais criados em estabelecimentos industriais e uma proporção importante de cultivos alimentares básicos se converte em agrocombustíveis para carros. Assim, as pessoas famintas ficam sem alimentos para dá-los aos consumidores ricos.

Para erradicar a fome é imprescindível aumentar a renda dos setores empobrecidos e contribuir para que os produtores de alimentos em pequena escala possam manter seu modo de vida, para se alimentarem e alimentarem o mundo de forma sustentável.

Porém, a saída estrutural para a fome e a pobreza será encontrada com a construção da soberania alimentar dos povos. Isto é, “o direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, produzidos de forma sustentável e ecológica, e seu direito a decidir seu próprio sistema alimentar e produtivo”, resume a Declaração de Nyéléni com a qual foi encerrado o Fórum Mundial pela Soberania Alimentar, realizado em Mali em 2007.

Para isso é imprescindível: que o controle dos sistemas e políticas agroalimentares recaia sobre os que produzem, distribuem e consomem alimentos, em lugar dos mercados e das corporações; priorizar as economias e os mercados locais e nacionais; fomentar a sustentabilidade ambiental, social e econômica da produção, distribuição e consumo, e garantir o direito dos produtores de alimentos à gestão da terra, das águas, das sementes e da biodiversidade em geral.

“A soberania alimentar supõe novas relações sociais, livres de opressão e desigualdades entre homens e mulheres, povos, grupos raciais, classes sociais e gerações”, destaca também a Declaração de Nyéléni. A soberania alimentar inclui o direito à segurança alimentar. Mas um país que se centra apenas em conseguir a segurança alimentar não distingue de onde provêm os alimentos nem as condições nas quais se produz e distribui.

Os objetivos nacionais de segurança alimentar frequentemente são conseguidos mediante a produção de alimentos em condições de destruição do ambiente e de exploração social que destroem os produtores locais, enquanto beneficiam as empresas do agronegócio.

Nos últimos anos, vários organismos das Nações Unidas reconheceram que a agroecologia é a forma mais eficaz para combater as crises alimentar, ambiental e de pobreza. Uma análise da agroecologia, realizado em 2011, deixou evidente que tem o potencial de duplicar a produção de alimentos em dez anos.

Para enfrentar esse desafio, surgiu o movimento pela “soberania alimentar”, que conta com apoio de mais de 300 milhões de homens e mulheres, produtores de alimentos em pequena escala, consumidores e ativistas pela justiça ambiental e pelos direitos humanos, entre outros.

O poder das empresas de sementes e pesticidas como a Monsanto e a Syngenta, de supermercados gigantes como o Wal-Mart, e de empresas produtoras de grãos como a Cargill cresceu tanto que exercem muito influência nas políticas agroalimentares nacionais e globais. Isso assegura que o agronegócio receba milhares de milhões de dólares em subvenções e apoio normativo.

Acabar com a fome no mundo está ao nosso alcance, mas é preciso uma transformação fundamental do sistema agroalimentar mundial: uma mudança radical da agricultura industrial para a agroecologia e a soberania alimentar.

Essa transformação, sem dúvida, teria repercussões muito positivas na crise climática: menos agricultura industrial e mais produção agroecológica equivalem a menos emissões de carbono, algo fundamental para nos proteger da mudança climática.

Adolfo e milhões de produtores como ele estão na linha de frente dessa transformação e os líderes mundiais devem lhes dar muito mais apoio – em nível de Nações Unidas –, bem como nos planos nacional e local, se pretendem seriamente solucionar a crise alimentar e climática. Envolverde/IPS.

* Kirtana Chandrasekaran e Martin Drago coordenam o programa de Soberania Alimentar da Amigos da Terra Internacional.


Fonte: ENVOLVERDE

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