As empresas extrativistas não
estão prontas para a transparência.
por Carey
L. Biron, da IPS
Crianças brincam em depósito de resíduos de
mineração em Morococha, no Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS.
Washington, Estados Unidos, 10/11/2014 – As maiores
empresas do mundo continuam fornecendo escassa informação sobre suas operações
globais, segundo uma análise que alerta que as empresas extrativistas em
particular não estão preparadas para atender os requisitos de divulgação de
seus dados. As conclusões são da organização Transparência Internacional, que
analisou 124 das maiores companhias do planeta.
Com a informação publicamente disponível, os
pesquisadores qualificaram cada corporação com base em três preocupações:
medidas anticorrupção, transparência nas operações mundiais e nas subsidiárias,
e revelação das finanças país por país e em nível de projetos. As atividades
anticorrupção têm um grau relativamente maior e aumenta, mas nos outros dois
parâmetros a situação é muito mais débil. De fato, a média para os informes por
país, considerados como o eixo da transparência, apresenta uma disparidade de
6%, e 50 empresas registraram zero.
Ao apresentar o estudo, no dia 5 deste mês, o
presidente da Transparência Internacional José Ugaz, observou que o poder das
empresas multinacionais na economia global atual rivaliza inclusive com o dos
maiores países. “Um maior poderio econômico representa maior responsabilidade.
A má conduta corporativa cria a corrupção que causa pobreza e instabilidade”,
afirmou. Em geral, as companhias britânicas são as que apresentam melhor
desempenho no novo índice. As chinesas e asiáticas, em geral, são as que
registram o pior, e o setor tecnológico dos Estados Unidos recebe especiais
críticas por sua falta de transparência.
A Transparência Internacional realiza informes
sobre governança corporativa desde 2008, e divulgou o último desses estudos em
2012.
Os pobres resultados dos informes por país, em
particular, preocuparão os ativistas contra a pobreza e os que elaboram os
gastos no setor público. Esse tipo de revelação, por exemplo, permitirá aos
governos comparar de modo eficiente informação além das fronteiras, com o objetivo
de reduzir a evasão fiscal, bem como o roubo direto de ganhos.
É possível que os países em desenvolvimento tenham
perdido cerca de US$ 6 trilhões entre 2001 e 2011 pela evasão fiscal e outros
manejos financeiros obscuros, segundo a organização Integridade Financeira
Mundial. “A mobilização de recursos internos é considerada fundamental para
destravar o desenvolvimento econômico”, afirmou à IPS Koen Roovers, assessor da
União Europeia para a Coalizão de Transparência Financeira, uma rede mundial
que financiou o informe da Transparência Internacional.
O fato de divulgar ao público informação por país
“permitirá aos cidadãos de nações em desenvolvimento determinarem se os
impostos que pagam as transnacionais que comercializam em seus países estão em
linha com suas atividades. A evidente falta dessa informação gera motivos de
suspeita”, acrescentou Roovers. Para garantir que os rendimentos relacionados
com os recursos naturais estejam salvaguardados nos países em desenvolvimento,
as indústrias extrativistas do mundo, principalmente, estão na mira em matéria
de requisitos de revelação de dados.
Nos últimos anos, Estados Unidos, União Europeia e
Canadá aprovaram requisitos desse tipo para cada projeto, que estipularam a
obrigatoriedade de se informar sobre todos os pagamentos realizados por
empresas extrativistas a governos estrangeiros. Embora a legislação
norte-americana esteja parada em tribunais devido a uma demanda apresentada
pela indústria petroleira, os requisitos da UE entrarão em vigor em meados do próximo
ano e as novas normas do Canadá podem ser implantadas antes.
Entretanto, a Transparência Internacional alerta
que as companhias não estão prontas para cumprir essas novas regras. “Embora a
apresentação de dados por país tenha sido introduzida pela primeira vez no
setor extrativista, as 19 empresas de petróleo e gás incluídas no estudo só
registraram uma média de 10%”, segundo a investigação, e seis registraram zero.
Nem todas as empresas tiveram um mau desempenho em
matéria de relatórios por país. Por exemplo, a petroleira estatal norueguesa
Statoil obteve o maior registro entre as 124 empresas estudadas neste
parâmetro: 66%. Entre outros fortes atores estão as indianas Oil & Natural
Gas Corporation e Reliance, bem como a australiana BHP Billiton, que alguns
cálculos a situam como a maior empresa mineradora do mundo.
A resistência da indústria a regulamentações, como
as que estão previstas para entrar em vigor nos Estados Unidos, na UE e no
Canadá, “é bastante forte, por isso não me surpreende que as empresas não
estejam revelando voluntariamente essa informação e, por outro lado, esperam
que as obriguem a fazê-lo”, apontou à IPS Alexandra Gillies, encarregada de
governança no Natural Resources Governance Institute.
“Embora umas poucas empresas menores tenham dado
esse passo, os grandes atores, sem dúvida, não o fizeram. Mas será interessante
ver como serão os mesmos dados dentro de outros dois anos”, afirmou Gillies. De
fato, estima-se que, se apenas nos Estados Unidos e na UE forem aprovados os
requisitos sobre revelar essa informação, isso cobrirá 65% do setor
extrativista mundial em termos de valor, segundo a organização Publiquem O Que
Pagam.
E as novas normas canadenses, apresentadas
formalmente no final de outubro com vistas a serem implantadas em abril, também
afetarão a maior indústria mineradora nacional do mundo. Também se prevê que,
em uma cúpula do Grupo dos 20 (G-20) países industrializados que acontecerá nos
dias 15 e 16 deste mês, seja aprovado um novo padrão de relatórios por país que
cubra todas as multinacionais.
Para Roovers, as novas conclusões da Transparência
Internacional redobrarão a aposta para os debates do G-20. No entanto,
acrescentou, tal como se prevê, é provável que os informes desse bloco não
sejam divulgados em razão das preocupações em torno de “sensibilidades”
comerciais.
Para muitos ativistas, se não se conseguir a
revelação pública dos dados tributários, se jogará por terra um importante
objetivo dos requisitos mais estritos de transparência: empoderar os cidadãos e
a sociedade civil para que participem da vigilância no âmbito local.
“A inovação real em torno dos dados em nível de
projeto é que os cidadãos, ou jornalistas, ou parlamentares, poderão entender
os acordos feitos com seu governo. Neste momento, o que temos são cifras não
detalhadas”, disse Gillies. “Se alguém está tratando com, digamos, uma mina
enorme em sua comunidade, esses dados o ajudarão a compreender quanto dinheiro
é arrecadado pelo governo com esse projeto, e se os problemas que a população
enfrenta valem a pena ou não”, acrescentou.
Mas agora que há requisitos de relatório por país
no horizonte, Gillies e outros já voltam sua atenção para a transparência em
matéria de contratos. De fato, países como Libéria, Guiné, República
Democrática do Congo e outros, bem como algumas empresas, já estão
disponibilizando ao público toda a informação sobre contratos relativos à
extração de recursos naturais.
“Se você tem bons dados sobre ganhos ou pagamentos,
de todo modo é difícil entender o que significam esses números se você não
souber quais acordos foram assinados”, destacou Gillies. “A revelação de
contratos já tem uma aceitação mais ampla, e uns poucos países e empresas estão
tomando a iniciativa. Ainda não se tornou uma prática padrão e o que se faz é
pouco sistemático, mas é suficiente para mostrar que esta atividade não é
comercialmente perigosa”, acrescentou.
Os ativistas esperam que dentro de poucos anos a
revelação tanto dos pagamentos como dos acordos assinados com governos
estrangeiros seja uma prática habitual.
Fonte: ENVOLVERDE
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