sábado, 1 de novembro de 2014

Avaliação Ambiental Estratégica para a mineração em larga escala, por Flávio F. do Carmo, Luciana H. Kamino, Iara C. Campos, Felipe F. do Carmo e Claudia M. Jacobi.
Avaliação Ambiental Estratégica para a mineração em larga escala: podemos evitar a extinção dos ecossistemas ferruginosos no Brasil?

Flávio F. do Carmo¹, Luciana H. Kamino², Iara C. Campos², Felipe F. do Carmo², Claudia M. Jacobi¹

¹Laboratório de Interação Animal-Planta, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.
²Instituto Prístino, Belo Horizonte, MG.

O Brasil é o país que detêm o maior número de espécies. Ao assinar a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), o país se comprometeu a adotar ações que reduzam a perda alarmante da biodiversidade. Entre as ações expressas naquele tratado internacional podemos citar o desenvolvimento de políticas públicas, projetos e programas voltados para a conservação, repartição e uso racional dos recursos naturais, o que inclui as espécies, os ecossistemas e os serviços ambientais. Considerando o atual cenário macroeconômico brasileiro, alicerçado no aumento da produção de commodities, como grãos e minérios, faz-se necessário priorizar a adoção de instrumentos de planejamento e de subsídio à tomada de decisão. Um dos instrumentos de planejamento mais utilizados no mundo está representado pela Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Entretanto, a AAE ainda é muito pouco utilizada no país, sendo praticamente ausente quando se tratam de regiões que abrigam jazidas minerais, como as representadas pelos ecossistemas ferruginosos. Estes ecossistemas ocorrem em áreas prioritárias para a conservação, nas quais estão previstos empreendimentos em larga escala e com alto potencial de degradação ambiental.

Os ecossistemas ferruginosos ocorrem em matriz geológica composta por rochas conhecidas como cangas, além de itabiritos e outros tipos de formações ferríferas bandadas. Esses ecossistemas são considerados centros de diversidade biológica por abrigar elevado número de espécies de invertebrados cavernícolas e plantas raras, todas endêmicas restritas e ameaçadas de extinção. A principal ameaça a biodiversidade encontrada nas cangas se deve a elevada perda e degradação de áreas naturais causadas pela operação de inúmeras minas de extração de minério de ferro. Minas Gerais é o estado brasileiro que engloba a maior área conhecida daqueles ecossistemas, seguido pelos estados do Pará e Mato Grosso do Sul. As cangas são couraças formadas há milhões de anos e são constituídas praticamente por ferro, o que as tornam extremamente resistentes à erosão. As cangas abrigam vários sítios espeleológicos contendo centenas de cavernas. 

Recentemente, foram descobertas paleotocas desenvolvidas em cavidades localizadas no Vale do Rio Peixe Bravo, região norte de Minas Gerais. As paleotocas (Fig. 1) são estruturas na forma de túneis escavadas por extintos mamíferos gigantes fossoriais. Sítios paleoambientais e arqueológicos também são frequentemente registrados para os ecossistemas ferruginosos. Devido ao elevado potencial hidrogeológico, esses ecossistemas ainda fornecem serviços ambientais importantes como a recarga e armazenamento de água.


Figura 1 – Marcas de garras e conduto formado pela megafauna pleistocênica foram observados nas cavernas desenvolvidas em formações ferríferas localizadas no Vale do Rio Peixe Bravo, municípios de Rio Pardo de Minas e Riacho dos Machados, região norte de Minas Gerais.

No Brasil, ao contrário de alguns países como a Austrália, ainda não existem políticas públicas adequadas às especificidades ambientais relacionadas aos ecossistemas ferruginosos. Esse cenário é alarmante, uma vez que as cangas recobrem as principais megajazidas de minério de ferro. Estas jazidas, por sua vez, estão sendo intensamente exploradas devido ao crescimento sem precedentes da produção brasileira, em resposta ao aumento da demanda global por ferro, sinalizando as pressões aos atributos ambientais e serviços ecossistêmicos caracterizados pela extrema relevância para a conservação. O Ministério das Minas e Energia, através da publicação em 2010 do Plano Nacional de Mineração, prevê que a produção brasileira anual de minério de ferro alcance 1,1 bilhão de toneladas até 2030. Isso equivaleria à produção total brasileira de toda a década de 1990. Para atingir essa meta, serão investidos no setor de ferro quase US$ 50 bilhões no período 2012-2016 (Fig. 2), um recorde histórico, colocando a taxa de crescimento da produção de minério de ferro a uma ordem de grandeza maior do que as taxas de outros importantes minerais metálicos produzidos no país (Tab. 1).
Figura 2 – Investimentos para o período 2012-2016 no setor de minerais metálicos em bilhões US$. * Cadeia do alumínio. Fonte: IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração. 2012. Informações e Análises da Economia Mineral Brasileira. 7ª Ed. 65 p.

Tabela 1 – Crescimento da produção brasileira de minerais metálicos até 2016.
Substância
Produção 2011
(1.000 ton) (A)
Acréscimos até 2016
(1.000 ton) (B)
Produção Prevista 2016
(A + B)

Variação
(C/A)
Ferro
369.000
451.000
820.000
122%
Bauxita
31.000
7.000
38.000
23%
Manganês
2.600
400
3.000
15%
Cobre
400
200
600
50%
Zinco
285
65
350
23%
Nióbio
90
30
120
33%
Níquel
70
30
100
43%
Ouro
0
0,029
0
44%

Fonte: IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração. 2012. Informações e Análises da Economia Mineral Brasileira. 7ª Ed. 65 p.

Atualmente, Minas Gerais responde por quase 70% de toda a produção brasileira de minério de ferro. Essa produção tem origem na exploração das jazidas localizadas no Quadrilátero Ferrífero, próximo a Belo Horizonte. Duas novas fronteiras minerais abrigam diversos projetos em fase de planejamento ou iniciando os processos de licenciamento ambiental: 1) região norte, onde as jazidas se distribuem por cerca de 20 municípios, entre eles Grão-Mogol, Rio Pardo de Minas, Porteirinha, Riacho dos Machados e Nova Aurora. Nesta região existe a perspectiva de produzir anualmente 25 milhões de toneladas de minério de ferro; 2) na região de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Serro e Morro do Pilar.

Nessas regiões, as áreas outorgadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) às empresas mineradoras de ferro se sobrepõem a praticamente todos os ecossistemas ferruginosos (Fig. 3). Portanto, um planejamento inadequado nestas novas fronteiras minerais poderá levar a perdas irreversíveis de um patrimônio ambiental único e ainda pouco conhecido, caso os ecossistemas não sejam compreendidos como áreas estratégicas para a conservação e o uso racional dos recursos naturais.

A CDB aponta o estabelecimento de um sistema de áreas protegidas, onde medidas especiais precisam ser adequadas para a conservação in situ dos ecossistemas e habitats naturais como uma das ações fundamentais para a conservação da biodiversidade. Nos principais ecossistemas ferruginosos do estado ainda existem extensas áreas naturais de cangas, algumas dessas áreas ainda se encontram em bom estado de conservação. Entretanto, mesmo em situação de vulnerabilidade alta, as cangas ainda não estão adequadamente representadas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Atualmente, menos de 1% das áreas de cangas estão inseridas em unidades de conservação de proteção integral.

Esse cenário desafiador é bastante favorável para por em prática a elaboração de uma Avaliação Ambiental Estratégica. A AAE, de acordo com informações disponibilizadas pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – MG, constitui uma ferramenta de antecipação e planejamento de ações que deve ser utilizada para as políticas, programas e projetos de caráter estruturante e que deflagrem efeitos sobre o meio ambiente, no estágio de concepção de suas propostas, antes que decisões irreversíveis tenham sido tomadas. A AAE constitui ainda um processo de identificação de impactos ambientais e de alternativas para redução dos mesmos. Portanto, a AAE representa uma ferramenta de tomada de decisão que deve ser utilizada no momento de formulação das políticas, planos, programas e projetos governamentais.

Minas Gerais já desenvolveu disposições normativas, como os Decretos n° 43.372/2003 e n° 45.761/2011, que criaram os Núcleos de Gestão Ambiental, responsáveis pela coordenação da elaboração da AAE. Conforme o Art. 1° do Decreto n° 45.761/2011, os Núcleos têm a finalidade de promover a gestão transversal e a análise da variável ambiental na elaboração e execução dos planos, programas e projetos, assim como promover a articulação e parceria efetiva entre órgãos e entidades do Estado no que diz respeito à temática ambiental.

A elaboração da AAE poderia contribuir para a redução da ínfima representatividade das cangas no SNUC, por exemplo, através do planejamento de ações envolvendo o setor privado e objetivando o inventariamento integrado e em escala regional de áreas-alvo para a criação de unidades de conservação – UC. Ao mesmo tempo, a AAE poderia desenvolver mecanismos de utilização de recursos financeiros substanciais oriundos dos investimentos bilionários do setor mineral e da compensação ambiental de empreendimentos causadores de significativos impactos ambientais para a manutenção daquelas UC’s. Particularmente essa ação seria fundamental, pois de acordo com o Atlas para a conservação da biodiversidade em Minas Gerais, a falta de recursos financeiros constitui uma das principais deficiências do sistema estadual de unidades de conservação. Na esfera federal essa deficiência se repete, onde os cortes orçamentários se tornam cada vez mais frequentes.
Figura 3 – Os títulos minerários de ferro sobrepõem todos os principais ecossistemas ferruginosos em Minas Gerais: A – Quadrilátero Ferrífero; B – Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Serro e Morro do Pilar; C – Região norte, entre os municípios de Riacho dos Machados, Porteirinha, Rio Pardo de Minas, Nova Aurora e Grão-Mogol.

A aplicação de recursos financeiros oriundos dos investimentos do setor mineral e/ou da compensação ambiental fomentada pela AAE poderia ser um exemplo emblemático na criação do primeiro parque nacional cujo objetivo principal é o de conservar os ecossistemas ferruginosos. Este parque foi proposto para ser implementado na Serra de Gandarela (Quadrilátero Ferrífero) e tem o potencial de preservar milhares de hectares de cangas inseridas em um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da região.

Uma sociedade participativa e informada é fundamental para contribuir no processo de AAE. A integração de estudos em planejamento da conservação com a AAE traria relevantes benefícios para a sociedade, garantindo a manutenção dos serviços e funções dos ecossistemas, além da perpetuação do patrimônio ambiental e cultural para as próximas gerações.

Os autores FFC e CMJ agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao US Fish and Wildlife Service pelos financiamentos de projetos desenvolvidos nos ecossistemas ferruginosos e ao Instituto Prístino pela contribuição técnica.

Fonte: EcoDebate

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