quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Destruição da Amazônia e a seca no Sudeste, artigo de José Eustáquio Diniz Alves.
O processo de destruição da Amazônia continua ocorrendo de maneira criminosa. Além de ser um atentado especista e ecocida contra a biodiversidade, o desmatamento amazônico contribui para o aquecimento global, a diminuição das chuvas da região Sudeste e para a falta de água em São Paulo e até no rio São Francisco.

O Instituto Imazon divulgou em outubro de 2014 (antes do segundo turno das eleições presidenciais) os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) que detectaram 838 quilômetros quadrados (km²) de desmatamento na Amazônia Legal em agosto e setembro deste ano, segundo reportagem da Agência Brasil. Isso representou um aumento de 191% em relação ao mesmo período do ano passado, quando os alertas indicaram 288 km² de desmatamento. O instituto, fundado em 1990, promove o desenvolvimento sustentável na Amazônia por meio de estudos, apoio à formulação de políticas públicas, disseminação ampla de informações e formação profissional.

Porém, ainda segundo a Agência Brasil, o governo brasileiro não referendou os dados e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou que os dados do instituto Imazon não são oficiais. Em nota, o MMA disse que os números oficiais do desmatamento na Amazônia Legal são do Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélites (Prodes), sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que é divulgado uma vez por ano em novembro, mês escolhido por anteceder a Conferência das Partes de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, que este ano será em Lima, no Peru, de 1º a 12 de dezembro.

Na ausência de dados oficiais sobre a destruição da Amazônia, o debate sobre o desmatamento e suas consequências não foi realizado de maneira adequada durante a campanha eleitoral. Mais uma vez o meio ambiente foi relegado para segundo plano. Todavia, a crise ecológica é uma realidade iminente e o Brasil vai ter que enfrentar urgentemente os desafios colocados por anos de constantes “malfeitos”.

No dia 31 de outubro, o jornal Folha de São Paulo (FSP) divulgou estudo do biogeoquímico Antonio Nobre, do Inpe, mostrou que 20% da floresta já foi desmatada e outros 20% estão degradados, mostrando que a floresta amazônica está entrando em pane. A área de corte raso já equivale aos territórios da França e Alemanha juntos. “Estamos indo direto para o matadouro”, diz o cientista.

O relatório do cientista Antônio Nobre (publicado a pedido de ONGs ambientalistas coordenadas pela ARA – Articulação Regional Amazônica), revisou 200 estudos sobre o cenário de pesquisa na área e concluiu que a floresta já dá sinais de desgaste em seu papel de bombear umidade do oceano para o interior da América do Sul. Isto é, pode estar em risco o papel de “bomba d’água biótica” que a floresta exerce, demonstrado por trabalhos anteriores.

O relatório de Antônio Nobre, intitulado “O Futuro Climático da Amazônia”, diz que a Amazônia pode se transformar em uma savana no futuro, impulsionada pelo aquecimento global. Segundo o autor, falando à FSP, existe uma subestimação do desmatamento, pois “os trechos de vegetação que já perderam boa parte de suas árvores e sua biodiversidade, aparecem como floresta intacta em fotos de satélites”.

Pelas contas do pesquisador do Inpe, a Amazônia perdeu 42 bilhões de árvores nos últimos 40 anos, desmatamento que representa cerca de duas mil árvores por minuto e tem impacto direto na crise da água. Uma árvore grande da Amazônia chega a evaporar mil litros de água em apenas um dia. Para Antônio Nobre, se calcularmos todas as árvores da bacia amazônica, a quantidade de vapor que vai pra atmosfera corresponde a 20 bilhões de toneladas de água por dia (mais que o Rio Amazonas coloca no Oceano Atlântico no mesmo período).

A destruição da floresta significa o esvaziamento do rio voador amazônico, uma corrente a jato de baixa altitude que tem cerca de 200 a 300 quilômetros de largura, milhares de quilômetros de extensão e carrega um enorme volume de água e umidade da Amazônia para a região Sudeste. Desta maneira, o desmatamento da amazônia representa o enfraquecimento dos “rios voadores”, fundamentais para o equilíbrio climático do Brasil.

A consequência é que as chuvas dentro do bioma e também num polígono ao sul do continente podem não chegar com a mesma regularidade. Ou seja, menos floresta na Amazônia significa menos chuva na região sudeste, a mais populosa e a responsável pela maior parte do PIB brasileiro. Isto coloca em xeque o modelo “Extrai-Consome-Polui” que tem usado e abusado dos recursos naturais e desrespeitado os direitos da água de ser limpa e livre.
Reportagem da FSP, de 02/11/2014, mostra que a seca que assola o Sudeste atinge ao menos 133 cidades e vai além dos pesadelos domésticos para seus 27,6 milhões de habitantes. Elas reúnem 23% do PIB brasileiro. O Estado de São Paulo deve ter um declínio de 11,71% na moagem de cana. Em Paulínia (SP), a multinacional química Rhodia chegou a recorrer por um mês a um rodízio em quatro de suas 22 unidades. O setor têxtil também é atingido. Segundo Rafael Cevone, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, há unidades inteiras paradas. Para piorar, o preço dos caminhões-pipa dobrou nos últimos meses (de R$ 600 para R$ 1.200 por 10 mil litros).

Dados anteriores do Prodes do INPE, de 1988 a 2013, mostram que o desmatamento atingiu o montante de 402.663 km², sendo que a Amazônia Legal brasileira possui(a) uma área de 5.217.423 km². Essa área desflorestada é maior do que a soma dos territórios dos estados de São Paulo (248.209 km²), Rio de Janeiro (43.696 km²), Espírito Santo (46.078 km²), Alagoas (27.768 km²), Sergipe (21.910 km²) e Distrito Federal (5.801 km²). No total, as seis Unidades da Federação possuem uma área de 393.462 km², menor portanto do que os 403 mil km² destruídos da Floresta Amazônica entre 1988 e 2013. Outros 400 mil km² foram destruídos entre 1965 e 1988.

Mas em vez de recuperar e reflorestar o que foi destruído, muitas pessoas no Brasil comemoram que as taxas de desmatamento nos últimos anos saiu de algo em torno de 25.000 Km2 para 5.000 Km2. Ou seja, a destruição estaria menos pior.

Mas reportagem do Greenpeace mostra que o setor agropecuário nacional pegou carona nesse cenário pseudo positivo e passou a repetir um discurso de que, graças às técnicas “modernas e ambientalmente sustentáveis”, essa queda foi possível. Grandes expoentes do agronegócio chegaram a afirmar que não é mais necessário desmatar para ampliar a produção agrícola. Infelizmente a realidade é outra, pois o Greenpeace realizou um sobrevoo de monitoramento no norte do estado do Mato Grosso e Leste de Rondônia, confirmando a paisagem de destruição: desmatamentos de pequena e grande extensão, produção de soja e criação de gado em áreas embargadas pela justiça, incêndios em áreas de florestas – inclusive dentro de terras indígenas – e extração ilegal de madeira estão entre os principais crimes e irregularidades flagradas.

“A falta de governança na Amazônia, aliada à certeza de impunidade trazida pela anistia dada pelo código florestal e ao alto preço das commodities, continua a impulsionar a expansão da fronteira agrícola sob a floresta”, afirma Rômulo Batista, da campanha da Amazônia do Greenpeace. Do “nortão” do Mato Grosso ao sul de Rondônia, o que resta de floresta está sob séria ameaça.

Reportagem de Marcelo Leite, na FSP, de 07/11/2014 confirma que o desmatamento na Amazônia disparou em agosto e setembro de 2014. Em agosto, foram desmatados 890,2 km², um salto de 208% sobre os 288,6 km² do mesmo mês de 2013. Em setembro foram 736 km², 66% mais que em setembro do ano passado. A taxa de aumento combinada foi de 122%.

Segundo o mesmo jornalista: “O governo federal já conhecia esses dados antes do segundo turno da eleição presidencial, realizado no último dia 26. Adiou sua divulgação para não prejudicar a votação da presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição. As análises mensais do sistema de alertas de desmatamento Deter estavam prontas pelo menos desde 14 de outubro no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No dia 24, foram encaminhados pelo diretor do Inpe, Leonel Fernando Perondi, ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação”. Portanto, o aumento do desmatamento é oficial e tudo indica que a presidenta Dilma vai deixar, no seu último ano do primeiro mandato, um desmatamento maior do aquele ocorrido em 2010.

Por tudo isto, o Brasil surpreendeu a comunidade internacional ao não assinar, em setembro de 2014, o acordo de combate ao desmatamento apresentado durante a Cúpula do Clima, em Nova York, que contou com a presença de 120 chefes de Estado. Para conseguir apoio do agronegócio, o governo brasileiro não apoiou o documento que propõe reduzir pela metade o corte de florestas até 2020 e zerá-lo na década seguinte. Com esta medida, entre 4,5 bilhões e 8,8 bilhões de toneladas de CO2 deixariam de ser liberadas para a atmosfera — o equivalente à remoção de um bilhão de carros das ruas até 2030. A Declaração de Nova York, como foi batizada foi elaborada por um grupo de países europeus e endossado por 32 Estados e segue aberto para adesões até dezembro de 2015, quando acontece a Conferência de Paris. Também China e Índia, que estão entre os maiores desmatadores do mundo, rejeitaram o documento. O Brasil deu um passo atrás ao não assinar um documento importante em um momento em que o desmatamento cresce na Amazônia.

A destruição dos ecossistemas brasileiros é coisa séria. O Brasil já destruiu 93% da Mata Atlântica e mais de 50% do Cerrado. Na Amazônia entre a destruição (corte raso) e degradação (retirada de madeira de lei e danos parciais) o montante do estrago chega a algo como 40%. Pode-se estar chegando ao ponto de não retorno. Além do holocausto biológico, o Brasil e o mundo podem sofrer muito com a destruição da floresta amazônica. O presente e o futuro das gerações das diferentes espécies dependem da reversão deste quadro de colapso dos ecossistemas brasileiros. Talvez a população brasileira vá ter que “morrer de sede” para perceber o quanto é importante respeitar e recuperar as florestas e as matas que formam o verde da bandeira nacional.

Referências:



Eliane Brum. O longo dia seguinte, EL País, 27/10/2014


Greepeace. A destruição da floresta não para, IHU, 07 de novembro de 2014


NOBRE, Antônio. O futuro Climático da Amazônia, Relatório ARA, novembro de 2014

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br


Fonte: EcoDebate

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