Mudança climática diante de
táticas sujas para energia também suja.
por
Stephen Leahy, da IPS
Inundação na estrada A361, a principal que une
Taunton e Glastonbury, na Inglaterra. Os cientistas alertam que a mudança
climática está em marcha, causando caros e trágicos eventos meteorológicos
extremos. Foto: Mark Robinson/cc by 2.0.
Uxbridge, Canadá, 5/11/2014 – “As emissões de
gases-estufa derivadas da atividade humana são as mais altas já registradas, e
estamos vendo cada vez mais eventos meteorológicos e climáticos extremos. Não
poderemos impedir um desastre em grande escala, se não considerarmos esta
espécie de ciência dura”. Essa declaração sobre o quinto e novo informe do
Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC)
parece ter sido feita pela organização ambientalista Greenpeace ou pelo
Departamento de Estado norte-americano?
Foi pronunciada por John Kerry, o secretário de
Estado dos Estados Unidos. Importantes funcionários em muitos outros países
fizeram comentários semelhantes sobre o Informe de Síntese do IPCC,
divulgado no dia 2, em Copenhague. “Quanto mais estivermos perdendo tempo em um
debate sobre ideologia e política, mais aumentarão os custos da falta de ação”,
afirmou Kerry em um comunicado.
O Informe de Síntese repassa sete anos de
pesquisas climáticas realizadas por milhares dos melhores cientistas do mundo,
e conclui que a mudança climática está em marcha, causando caros e trágicos
eventos meteorológicos e climáticos. Estes vão piorar mais do que se possa
imaginar, a menos que a humanidade se livre dos combustíveis fósseis.
Na realidade, a mudança climática é fácil de
entender e pode ser resumida em menos de 60 segundos. A saber: durante décadas
a humanidade insuflou centenas de milhões de toneladas de dióxido de carbono na
atmosfera a partir da queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e
gás natural.
Algumas medições mostram que atualmente há 42% mais
de dióxido de carbono na atmosfera do que há cem anos. Determinou-se há muito
tempo que esse gás-estufa atua como uma manta, mantendo o planeta quente ao
prender parte do calor do Sol. A cada ano nossas emissões de dióxido de carbono
deixam mais grossa essa manta, capturando mais calor.
Essa camada de dióxido de carbono gerada pela
queima de combustíveis fósseis elevou em 0,85 grau as temperaturas mundiais. E
seriam muito maiores se os oceanos não absorvessem 95% do calor extra preso
nessa camada. Mas os oceanos não nos ajudarão por muito mais tempo. Este ano
será o mais quente já registrado.
“É preciso uma ação mundial para reduzir as
emissões globais de gases-estufa”, afirmou Michel Jarraud, secretário-geral da
Organização Meteorológica Mundial. “Quanto mais esperarmos, mais caro e difícil
será nos adaptarmos, a ponto de alguns impactos se tornarem irreversíveis e
impossíveis de enfrentar”, advertiu em um comentário sobre o informe.
No documento não há nada fundamentalmente novo.
Tudo o que realmente mudou é a urgência e o desespero na linguagem agora usada
pelos cientistas do clima. Atualmente, todos sabem que é preciso eliminar os
combustíveis fósseis e substituí-los por fontes de energia que não lancem mais
dióxido de carbono na agonizante manta que tecemos. E já sabemos como fazer a
transição para uma economia baixa em carbono, destacou Bob Watson,
ex-presidente do IPCC.
Para reiterar os passos: aumentar substancialmente
a eficiência energética e o uso de energias renováveis, fechar a maioria das
usinas de carvão, colocar um preço no carbono, etc. Há dezenas de estudos sobre
como fazer isso sem necessidade de novas tecnologias. Tudo pode ser alcançado com
um ínfimo custo extra para a economia mundial, segundo a Comissão Global sobre
a Economia e o Clima.
Esses estudos concluem que o que falta para uma
virada rumo ao estilo de vida baixo em carbono é vontade ou coragem política.
Sem mencionar o quanto é incrivelmente poderosa e influente a indústria dos
combustíveis fósseis, seus banqueiros, investidores, advogados, assessores de
relações públicas, sindicatos e outros, todos lutando desesperadamente para que
a humanidade continue sendo viciada em seus produtos.
Isso significa se colocar contra alternativas
baixas em carbono e qualificar de “radicais verdes” os avós que se preocupam
com o futuro de seus netos. “Pensemos nisso como uma guerra sem fim”, declarou
o assessor de relações públicas Richard Berman a executivos da indústria do
petróleo e do gás, reunidos em junho no Estado norte-americano do Colorado.
É uma guerra suja contra as organizações
ambientalistas e os que a apoiam. Os executivos da indústria devem estar
dispostos a explorar emoções como medo, cobiça e indignação do público contra
organizações e indivíduos que defendem o ambiente, apontou Berman, segundo um
artigo do jornal The New York Times.
Berman, especialista em relações públicas da
indústria do tabaco, fez essas declarações em um evento patrocinado pela
Western Energy Alliance, que tem entre seus membros as firmas Devon Energy,
Halliburton e Anadarko Petroleum. O discurso foi gravado em segredo por um
executivo da indústria da energia ofendido com as táticas. Berman aconselhou
importantes corporações energéticas que financiavam em segredo campanhas
ambientais a não se preocuparem em ofender o público em geral, porque “pode-se
ganhar feio ou perder bonito”, disse.
“Grandes Radicais Verdes” é a mais recente – e
multimilionária – campanha de Berman e companhia. Tem por alvo organizações
como Sierra Club e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. Também ataca
agressivamente entidades que se opõem à fratura hidráulica (questionada prática
extrativista, também conhecida como fracking) e pressiona para impedir
que haja controles mais rígidos sobre esse procedimento, que contamina tanto o
ar quanto a água.
“Os que escolhem ignorar ou questionar a ciência,
tão claramente exposta nesse informe, o fazem com grande risco para nós, e para
nossos filhos e netos”, ressaltou Kerry ao concluir suas declarações sobre o
informe do IPCC. O fato de o secretário apelar para o senso de moralidade da
indústria dos combustíveis fósseis, em lugar de endurecer as regulamentações
sobre a emissão de dióxido de carbono, deixa claro o grande poder que exerce a
indústria no sistema políticos dos Estados Unidos.
No dia 2, em Copenhague, o secretário-geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, disse o que Kerry não pôde
falar, e pediu urgência a grandes investidores, como os fundos de pensões e as
empresas de seguro, no sentido de reduzirem seus investimentos nos combustíveis
fósseis e destiná-los, por outro lado, às energias renováveis. É um começo, mas
todos nós que acreditamos que nossos filhos e netos têm direito a um planeta em
que se possa viver exigimos muito mais ação.
Fonte: ENVOLVERDE
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