Última chance.
por Diego
Viana, da Página 22
Foto: http://ambientalsustentavel.org/
A humanidade dispõe de dinheiro, tecnologia e
conhecimento para mudar a rota que conduz a uma alta catastrófica da
temperatura no planeta. A bola está com atores políticos e econômicos, que têm
pouco mais de um ano para fechar um acordo global decisivo.
As notícias não foram boas nos últimos meses.
Apesar de estagnada desde 2008, a economia mundial não consegue reduzir as
emissões de carbono no ritmo necessário. Para manter o aquecimento global em 2
graus [1] até 2100, teríamos de emitir 6,2% a menos ano após ano. Em 2013, a
redução foi de só 1,2%, de acordo com relatório da consultoria
PwC. No ritmo anual, caminhamos facilmente para um aquecimento de 4 graus.
Entre os dois cenários – de 2 e de 4 graus –, a diferença é um abismo: ou um
planeta mais difícil de viver, com desastres frequentes, falta de comida e de
água, populações deslocadas, ou uma mudança climática descontrolada e
completamente inóspita para a civilização (ver gráfico 1).
Já os oceanos, responsáveis por segurar boa parte
do aquecimento global, estão esquentando a uma velocidade superior à prevista,
segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em
inglês). Assim, fica ainda mais estreito o ultimato para encontrar soluções
climáticas. Em setembro, a ONG WWF anunciou que, nos últimos 40 anos, por
efeito da ação humana, a população mundial de animais vertebrados caiu à metade,
enquanto a distância entre a oferta de recursos naturais do planeta e as
demandas do sistema econômico só cresce (ver gráfico 2).
Gráfico 1
Gráfico 2
A sucessão de dados negativos acrescenta uma dose
de urgência ao esforço de controlar o acúmulo de carbono na atmosfera e, assim,
reduzir boa parte da nossa pegada ecológica.
Depois de anos em que negociações multilaterais
esbarraram na incapacidade de encontrar um terreno comum para um acordo entre
políticos de diversos países, é cada vez maior a convicção, em sociedades ao
redor do mundo, de que não se pode mais postergar uma solução por motivos
políticos.
A 21a Conferência da ONU para o clima (COP 21), que
ocorrerá em Paris em dezembro de 2015, torna-se tão mais decisiva para o futuro
da civilização quanto mais se aproxima a data. Negociadores e ativistas esperam
conseguir até lá chegar a um acordo climático eficaz. A COP 20 ocorrerá em
dezembro deste ano em Lima (Peru), mas só no ano seguinte os ativistas
acreditam que se produzirá algo concreto.
“Se fizermos tudo que pode ser feito, há 75% de
chance de conseguirmos manter o aquecimento global dentro dos 2 graus até
2100”, diz o ecologista Tom Athanasiou, diretor- executivo da ONG americana
EcoEquity, citando estudos do IPCC.
Athanasiou separa a questão em duas:
técnico-científica e político-econômica. “Temos o dinheiro, a tecnologia e a
ciência para fazer uma redução emergencial rápida o suficiente para segurar a
linha de 2 graus. É um declínio global de emissões muito veloz e que ainda
seria muito perigoso, porque envolveria o dobro do aquecimento que tivemos até
hoje [de 0,8 grau]”, diz. “Mas com o ‘business and politics as usual’ , duvido
que dê para evitar os 3 graus ou até 4 graus.”
Mecanismos de Mercado
Segundo o sociólogo Sérgio Abranches, que edita o
site Ecopolítica, o fato de os modelos climáticos terem margens de erro
elevadas resulta em discordância entre cientistas sobre a possibilidade de a
temperatura ficar abaixo dos 2 graus de aquecimento. O resultado se reflete
sobre a política, porque “a política trabalha com certezas. Se alguém manifesta
qualquer dúvida sobre um ponto, os políticos adiam a decisão, e é isso que tem
acontecido”.
Muitas das propostas para reduzir as emissões ao
redor do mundo envolvem mecanismos de mercado, propiciados pelo Protocolo de
Kyoto, baseados no cap-and-trade, que impõe um limite de emissões e cria
créditos que podem ser negociados. Mas, sem poder de sanção e sem o apoio de
países importantes como EUA e China, o protocolo é considerado um fracasso.
“Os mecanismos de mercado já mostraram que
(sozinhos) não são suficientes”, diz Abranches, citando o exemplo dos créditos
de carbono europeus, que não foram capazes de reduzir as emissões no
continente. “Não é possível fazer o mercado funcionar só com incentivos. É
preciso combiná-los com penalidades que tornem os incentivos mais atraentes
para empresas emissoras.”
Para o sociólogo, o único instrumento econômico
eficaz é o imposto sobre o carbono, adotado por vários países e recentemente
aprovado no Chile, que também contém um sobrepreço aplicado a importações de
países que não têm o imposto. A Organização Mundial do Comércio (OMC) publicou
no ano passado uma portaria em que aprova o imposto de carbono e não o
considera como prática desleal de concorrência. “O imposto precifica de forma
penalizadora as emissões, e as empresas buscam formas de se adequar. Esse é o
único jeito de fazer com que o mercado tome iniciativas para reduzir suas
emissões”, argumenta (mais sobre a eficácia dos mecanismos de precifição do
carbono em reportagem).
Athanasiou lembra que as catástrofes climáticas dos
últimos anos ocorreram no contexto de um aquecimento ainda na casa dos 0,8
grau. Uma lista exaustiva pode ser encontrada no website do Centro de Pesquisa
em Epidemiologia de Desastres (Cred), da Universidade Católica de Louvain, na
Bélgica .
“Um aquecimento de 2 graus causará imensa destruição e sofrimento,
mas não significa o fim da civilização humana”, diz o ativista, que antevê um
cenário de migrações massivas, fome, extinções e guerra constante caso
cheguemos a 3 ou 4 graus. Athanasiou falou à PÁGINA22 enquanto se preparava
para viajar até Bonn, na Alemanha, onde ocorreu uma conferência preparatória
para a COP 20, em Lima.
O Cred informa que na década de 1940 houve 120
desastres hidrometeorológicos (que podem ter tido origem humana) contra 52
geológicos (eventos naturais). De2000 a 2005, foram 233 geológicos contra 2.135
hidrometeorológicos. O resultado sugere que o ser humano é que tem cada vez
mais causado desastres ambientais.
Na ONG EcoEquity, que ele mantém com outros
especialistas do clima, foi desenvolvido o conceito de Global Development
Rights. Trata-se de um cálculo destinado a orientar um futuro sistema de
impostos globais, cujo foco está na convicção de que nenhum acordo será obtido
sem atacar o problema da desigualdade. Daí a divisão entre a responsabilidade –
o quanto um país, empresa ou indivíduo polui – e a capacidade de enfrentar o
problema – o quanto é capaz de contribuir para reduzir as emissões.
“A crise do clima é uma crise global dos comuns.
Mas a habilidade de pagar pela transição é geográfica e economicamente separada
de onde a transição deve acontecer. É preciso mover a finança e a tecnologia
através do pla- neta, e muito, para atingir as taxas altíssimas de
descarbonização necessárias para estabilizar o sistema climático”, explica.
Marcha do Clima
A maior tentativa de mobilizar as sociedades de
todo o mundo para pressionar governantes e negociadores de acordos climáticos
ocorreu em 21 de setembro, com a Marcha Popular Global do Clima [2]. Em Nova
York, dois dias antes do encontro de líderes mundiais que a cidade sediou, 400
mil pessoas foram às ruas, acompanhadas à distância por manifestações em
centenas de cidades ao redor do mundo, incluindo Rio de Janeiro e São Paulo
(mais em reportagem).
Os organizadores da marcha foram os membros da ONG
350.org, dedicada a conscientizar a população quanto aos perigos ligados à
mudança climática. O número que dá nome à instituição, “350”, corresponde ao
limite de concentração, em ppm (partes por milhão), de partículas de gases de
efeito estufa, abaixo do qual ainda é possível controlar o aquecimento global.
No ano passado, porém, a marca de 400 ppm foi ultrapassada.
Alguns organizadores da marcha esperavam que Nova
York recebesse até 1 milhão de manifestantes, a exemplo de protestos
semelhantes na década de 1970, contra os armamentos nucleares ou em prol das
primeiras leis ambientais. Os 400 mil foram um número expressivo, mas abaixo do
desejado. Segundo Sérgio Abranches, o principal motivo é o desencanto das
populações com a ação política: as pessoas passaram a considerar que não
adianta se mobilizar para pressionar políticos que não reagem às pressões.
Athanasiou considera que o comparecimento foi
satisfatório, mas afirma que não é o mais importante. Aos poucos, diz, os
grupos de ativistas de todo o mundo estão convergindo para uma agenda comum. “É
no ano que vem, em Paris, que vamos precisar juntar 1 milhão de pessoas”,
crava. “A Europa tem um monte de verdes! Vamos juntá-los em Paris!”
A 350.org também é promotora da iniciativa “Divesting
from Fossil Fuel” (Desinvestir em Combustíveis Fósseis), lançada
em 2012 . A estratégia consiste em convencer fundos de investimento,
universidades, filantropos e outras entidades a retirar seus investimentos de
empresas petrolíferas.
Os membros da ONG consideram que a iniciativa já
pode ser considerada como bem-sucedida, porque gerou discussões na mídia e
conseguiu adesões de universidades e fundos filantrópicos ao redor do mundo.
Uma adesão recente tem sabor particularmente irônico: os descendentes do
magnata do petróleo John D. Rockefeller, fundador da Standard Oil, anunciaram
que vão retirar gradativamente seus investimentos em empresas petrolíferas (mais em reportagem).
Algo a comemorar
Nem todas as notícias foram ruins este ano. Em
grande medida graças à iniciativa alemã de ampliar a participação de usinas
eólicas e painéis solares em sua matriz energética, o custo das fontes renováveis
de energia está cada vez mais competitivo. Ainda não é certo, porém, que a
transição para uma matriz energética mais limpa ocorra na velocidade
necessária. “A mudança da matriz energética mundial está impulsionando o
desengarrafamento de alguns problemas tecnológicos urgentes”, diz Abranches.
“Um ponto que vai nos levar a um novo patamar em energia eólica é a
armazenagem, que ainda não está resolvida.”
O cientista político cita também o desenvolvimento
de biocombustíveis de segunda geração, cuja produção não compete com produtos
de alimentação. “Claramente,esta é uma transição longa e gradual. Não temos
ainda uma fonte que possa substituir o petróleo nas mesmas condições de
eficiência energética e variedade de uso em curto prazo”, afirma o cientista
político (leia reportagem sobre o pré-sal brasileiro).
[1] Dois graus é o aumento mínimo que o planeta
sofrerá, no cenário mais otimista desenhado pela comunidade científica. Mesmo
assim, imporá uma forte mudança nas formas de vida na Terra.
[2] Mais sobre as marchas ao redor do mundo aqui.
Fonte: Página 22
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