quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Jovens latino-americanos foco de estigmas e desigualdade.
por Marianela Jarroud, da IPS

Jovens chilenos durante uma de suas numerosas e concorridas manifestações pedindo educação de qualidade, em Santiago, capital do país. Foto: Marianela Jarroud/IPS.

Santiago, Chile, 28/1/2015 – Os jovens latino-americanos gozam de maior acesso e cobertura em educação, mas seu futuro fica obscuro pela queda de oportunidades enquanto são alvo da criminalidade em uma região onde 167 milhões de pessoas são pobres e 71 milhões sofrem de extrema pobreza.

“Vemos com preocupação, inclusive com alarme”, a situação dos jovens latino-americanos, afirmou à IPS a secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. “Acreditamos que a juventude deve ser tema central das próximas reuniões regionais, mas agora com uma visão distinta, não só com o olhar das drogas e da violência”, acrescentou.

Dados da Cepal mostram que um em cada quatro dos 600 milhões de habitantes da América Latina tem entre 15 e 29 anos. Apesar disso, o investimento em juventude é relativamente baixo, principalmente se comparado ao investimento público e privado em educação pós-secundária com a dos países emergentes do sudeste asiático, ou com países europeus.

O informe Panorama Social da América Latina 2014, apresentado no dia 26, na capital chilena, revela notáveis avanços na cobertura educacional dos jovens latino-americanos, mas reflete que eles continuam sofrendo maiores taxas de desemprego e menor proteção social do que os adultos. Além disso, estão entre as principais vítimas dos homicídios na região, onde ficam sete dos 14 países mais violentos do mundo.

O documento mostra que foi estancada a redução da pobreza, que continua afetando 28% da população regional, enquanto a indigência cresceu de 11,3% para 12%, com base nos 15 países com informação atualizada, embora, em contrapartida, tenha diminuído a desigualdade em quase todos eles.

Nesse contexto se encontra a situação da população jovem, próxima dos 160 milhões, que, apesar de a região ter iniciado um processo de envelhecimento, continuará sendo uma proporção muito significativa nas próximas décadas. Para essa população é necessário combater as persistentes brechas estruturais e as desigualdades no desenvolvimento de capacidades e no mundo do trabalho, destaca o informe.

Bárcena explicou que não se trata apenas de maior investimento social em educação, moradia ou saúde, mas de ir além, para matérias não tangíveis mas iguais em importância, como a participação dos jovens no desenho da política pública. “A transparência e a informação têm que ir além do que está acontecendo hoje”, ressaltou.

Apesar de contar com maior acesso à educação, os jovens da região continuam sendo um grande foco de iniquidades e desigualdade. Por exemplo, os jovens entre 15 e 29 anos, pertencentes aos três quintos de menor renda, apresentam taxas de desemprego entre 10% e 20%, enquanto naqueles com as maiores rendas oscila entre 5% e 7%. Além disso, somente 27,5% dos jovens dessa faixa etária têm acesso à previdência social, nível que chega a 67,7% no caso dos adultos entre 30 e 64 anos.
A secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena (centro), com outros funcionários do organismo durante a apresentação do Panorama Social da América Latina 2014, no dia 26, em Santiago, no Chile. Foto: Carlos Vera/Cepal.

“A ideia é avançar em políticas sociais que contemplem o ciclo de vida completo e as diferentes prioridades que vão ocorrendo ao longo da trajetória de vida”, pontuou à IPS a oficial de Assuntos Sociais da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal, Daniela Trucco. E acrescentou que o diagnóstico e a análise sobre as políticas públicas na região devem ter um olhar territorial, porque a realidade é muito heterogênea.

Por exemplo, “os países do Cone Sul estão muito mais avançados, com juventude efetivamente muito mais educada, com problemas de desemprego, mas que se iguala ao desemprego entre adultos”, explicou Trucco. Em contraste, afirmou, “nos países centro-americanos a juventude não está nem mesmo terminando o secundário. A grande proporção de jovens e adolescentes está fora do sistema educacional e é aí onde temos os problemas de violência e de gangues muito mais fortes”.

Trucco afirmou que existem eixos fundamentais de trabalho em matéria de juventude, como o eixo educação-emprego. Mas, embora este seja o principal, não é o único. E explicou que “há uma proporção de jovens que não estão incorporados a esse eixo, mas isso não significa que nada fazem, mas que se dedicam, por exemplo, a empregos como cuidadores e trabalhodores domésticos, que é um tema muito importante para as mulheres jovens e adultas”.

O informe da Cepal indica que 22% dos jovens latino-americanos estão fora do eixo educação-emprego. Dessa proporção, mais de 50% correspondem a mulheres que se dedicam ao trabalho doméstico não remunerado. Outro eixo fundamental, além do acesso à saúde, é a participação, que busca que sejam os próprios jovens de cada país e localidade a ajudarem na melhor formulação de políticas públicas para eles.

“É preciso pensar de maneira moderna, atualizada, o tema de participação”, apontou Trucco. “Há muito interesse em participação política, mas não na política tradicional vinculada aos partidos políticos. É preciso considerar também o tema das redes sociais, a incorporação digital”, acrescentou.

Trucco destacou o trabalho da Cepal para combater dois estigmas sobre a juventude. O primeiro em relação àqueles jovens não incorporados ao eixo educação-emprego, e o segundo associado à violência juvenil. E, embora o maior índice de vítimas de homicídios esteja entre a população dos 15 aos 44 anos, o estigma sobre a violência juvenil distorce as opções de políticas públicas, indica o informe.

“Vemos que os jovens têm uma participação importante (na violência), mas também os adultos jovens”, disse Trucco. “Trata-se de jovens não incorporados em outros eixos de inclusão social, ou se estão, não com expectativas de outro tipo e que se veem imbuídos em contextos de violência ou de inclusão em outros grupos”, acrescentou.

De todo modo, a especialista pediu “uma mudança ao olhar o contexto da violência e com isso se supera como sociedade e como se dão alternativas de desenvolvimento e de oportunidades”. O olhar preconceituoso faz esquecer que os jovens são particulares vítimas da criminalidade, como evidencia o fato de, em média, 20% deles dizerem ter sido vítimas de fatos criminosos, quatro pontos mais do que os adultos.

Os cenários não são homogêneos, mas aumenta o número de vítimas jovens nos países onde há maior criminalidade, como ocorre nos sete que estão entre os 14 mais violentos do mundo: Honduras, Venezuela, Belize, El Salvador, Guatemala, Jamaica e Colômbia, nessa ordem. A lista de países de maior violência conta, ainda, com o México, destacou Bárcena em sua entrevista à IPS.

A secretária-executiva pediu “muita clareza” em relação à violência e a outros comportamentos dos jovens. “Os jovens não são necessariamente os mais violentos, é preciso tirar esse estigma. A juventude não pode estar identificada com a violência, com desapego às instituições. A juventude quer trabalhar, quer estudar, quer oportunidades, novas utopias e tem novas propostas”, ressaltou Bárcena.


Fonte: ENVOLVERDE

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