quinta-feira, 23 de julho de 2015

Corrupção deixa milhões de famintos na Índia.
Com uma rede de 60 mil lojas, o sistema de distribuição pública de alimentos está repleto de corrupção e ineficiência, o que deixa milhões de pessoas com fome, enquanto toneladas de grãos apodrecem nos armazéns. Foto: Neeta Lal/IPS.

Por Neeta Lal, da IPS – 

Nova Délhi, Índia, 7/7/2015 – Chottey Lal trabalha na construção em Noida, localidade do Estado de Uttar Pradesh, na Índia. Esse operário de 43 anos tem jornada de 12 horas diárias, mas o que ganha mal dá para alimentar sua família de sete pessoas. Ele e sua esposa, Subha, cumprem os requisitos para receber a ajuda com alimentos básicos subsidiados, que devem ser comprados em um comércio local específico, se tudo funcionasse bem. Mas isso não acontece.

“Quando vamos à loja, nos mandam embora. O dono diz que ficou sem reservas e acabamos comprando comida no mercado, que é caro e não dá para alimentar toda a família”, contou Lal à IPS. “Todo mundo sabe que o comerciante vende os grãos no mercado negro. Mas o que podemos fazer sendo pobres? Fizemos queixa à policia, mas não tomaram nenhuma medida contra o vendedor”, acrescentou.

Savirti, de 50 anos, e Kamla, de 39, também vivem uma situação terrível: ambas são viúvas e vivem com seus filhos casados. Mas tiveram que mendigar, porque a renda da família e as rações de grãos que recebem nas lojas de preços justos não são suficientes para todos.

A corrupção que afeta o sistema público de distribuição de alimentos impede que milhões de pessoas pobres recebam os grãos a que têm direito segundo a Lei Nacional de Segurança Alimentar. O sistema, composto por 60 mil comércios de preço justo neste país de 1,2 bilhão de habitantes, fornece arroz, trigo, açúcar e querosene a preço inferior ao do mercado. O sistema procura ajudar dois terços da população, com a entrega mensal de 35 quilos de grãos subsidiados por pessoa, ao preço de uma a três rúpias (de US$ 0,01 a US$ 0,04) o quilo.

Entretanto, apenas 11 Estados e territórios da União implantaram a lei, aprovada pelo parlamento em setembro de 2013, estando pendente nos 25 restantes. Para piorar, pesquisas nacionais revelam como comerciantes inescrupulosos desviam milhões de toneladas de grãos do sistema de distribuição.

Os produtos acabam sendo vendidos nos mercados com um grande lucro ou exportados ilegalmente, em conivência com funcionários corruptos da estatal Corporação de Alimentação da Índia. A maior parte dos alimentos acaba em países vizinhos como Nepal, Birmânia (Myanmar), Bangladesh e Cingapura.

Um estudo realizado pelo governo no Estado de Uttar Pradesh, onde vive Lal e sua família, concluiu que a superposição de agências, a má coordenação e a falta de responsabilidade administrativa se combinam em prejuízo do mecanismo de distribuição.
Crianças desnutridas em frente a lojas de alimentos na Índia. A inscrição na parede do comércio faz parte da publicidade de uma multinacional de telecomunicações oferecendo telefones baratos nesse país com o maior número de pobres com fome. Foto: Neeta Lal/IPS.

O comitê do juiz D. P. Wadhwa, encarregado pela Suprema Corte da Índia de supervisionar suas ordens em um caso de litígio de interesse público sobre o direito à alimentação, fez há pouco uma dura crítica contra o sistema de distribuição de alimentos. Ao investigar irregularidades na cadeia de distribuição, o Comitê revelou que 80% da corrupção ocorre antes que os alimentos cheguem às lojas para venda ao público.

E pior: quase 60% dos alimentos distribuídos por intermédio do sistema público apodrecem ou são desviados no caminho. “O que chega aos beneficiários pobres nem mesmo costuma estar em condições para consumo”, explicou o especialista Devinder Sharma, que dirige o Fórum de Biotecnologia e Segurança Alimentar, com sede em Nova Délhi.

O crescente e sistemático abuso da cadeia de fornecimento de alimentos é um mau presságio para um país como a Índia, com 194,6 milhões de pessoas subalimentadas, o maior número em todo o mundo, segundo informe anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O documento destaca que esse número representa 15% da população do país, superando a China em cifras absolutas e na proporção de pessoas subalimentadas.

“O maior crescimento econômico não se traduziu plenamente em aumento do consumo de alimentos, e menos ainda em melhoria das dietas”, diz a parte dedicada à Índia do informe O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo, 2015, da FAO. Essa realidade “poderia indicar que as pessoas pobres afetadas pela fome não conseguiram se beneficiar do crescimento geral”, acrescenta.

Cerca de 1,3 milhão de crianças morrem na Índia por má nutrição, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A prevalência de crianças de baixo peso está entre as maiores do mundo, e é quase o dobro da África subsaariana, o que prejudica a produtividade, o crescimento econômico e os índices de morbidade e mortalidade, afirma a OMS.

O Comitê Shanta Kumar, encarregado de revisar o sistema de distribuição de alimentos, entregou, no começo deste ano, um relatório ao primeiro-ministro, Narendra Modi, recomendando desarmar de forma gradual o programa e começar com a transferência de dinheiro vivo. A nova proposta, segundo o órgão, permitirá diminuir de forma progressiva a dependência das pessoas mais pobres dos comércios de alimentos subsidiados.

A cada ano os celeiros da Índia ficam lotados de excelentes colheitas de trigo e arroz, mas os grãos são roubados ou desaparecem pelas mãos de intermediários, ou apodrecem sob a chuva, enquanto milhões de pessoas passam fome. O governo também realiza enormes gastos com os grãos que fornece ao sistema.

A perda de cereais pelo sistema de distribuição de alimentos chega a 48%, segundo a pesquisa, e as reservas que guarda costumam estar bem abaixo dos requisitos, o que gera grandes custos de manutenção. Atualmente, cerca de 23% da população indiana vive com menos de US$ 1,25 por dia, quantia que mede oficialmente a pobreza. Esta renda é considerada inadequada como medidor pelo Banco de Desenvolvimento Asiático, que sugere elevá-la a US$ 1,51, o que reflete melhor a quantia necessária para manter uma pessoa com um padrão mínimo de existência.

Independente de como a pobreza é medida, está claro que nesse país há milhões de pessoas que passam fome diariamente. De fato, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as pessoas pobres aumentam ano a ano. O especialista Ravi Khetrapal, destacou à IPS que, “se os pobres não tiverem acesso à rede de alimentos, morrerão de fome. A resposta não é desmantelar o sistema, mas reformá-lo, erradicar a corrupção e torná-lo mais efetivo”, enfatizou.


Fonte: ENVOLVERDE

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