segunda-feira, 6 de julho de 2015

Nas águas dos oceanos, esplendor e dramas.
Por Washington Novaes –

Difícil até de acreditar: na semana em que se comemorava o Dia Mundial dos Oceanos, a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, em Brasília, rejeitava, com “forte influência da bancara ruralista” (caroline.aboujaoude, 10/6), o Projeto de Lei 6.969/2013, que instituía a Política Nacional para a Conservação e Uso Sustentável do Bioma Marinho (PNCMar). É um projeto para o qual contribuíram mais de cem especialistas, com disposições a respeito de aptidões naturais de cada região, como compatibilizar os vários usos – inclusive econômicos –, planejamento espacial, etc. Fundamental para o País, com litoral de milhares de quilômetros, zona costeira imensa, 42 milhões de pessoas aí residentes. Só na pesca são 800 mil empregos (Estado, 18/2).

Não bastasse, a rejeição se dá quando o Brasil está apresentando de novo à ONU um projeto de forte expansão da fronteira oceânica, de 963 mil quilômetros quadrados, que se somariam aos 3,5 milhões de quilômetros quadrados de hoje. Numa análise preliminar, a ONU recomendou diminuição de 190 mil km2. É também um momento de conflitos, como o que já resultou em medidas cautelares questionando a construção de um grande terminal portuário (48,3 km2) na Bahia, perto de Ilhéus – com o argumento de que prejudicaria reservas naturais importantes para exportar 60 mil toneladas anuais de minério de ferro (brasildefato, 10/4). Também está em questão a ampliação do Porto de São Sebastião (SP), que, segundo parecer de cientistas para o Ministério Público Estadual, teria “efeitos catastróficos e irreversíveis” sobre toda a Baía do Araçá, o Canal de São Sebastião e Ilhabela.

Não há por que estranhar estarem no centro de disputas faixas marítimas e outras mais amplas. Estudo do cientista Gerry Goeden, da Universidade Nacional da Malásia, diz que, pela extensão e importância, deveríamos ser o “Planeta Água”: são 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos de água, que cobrem 70,8% da superfície planetária; e 97% dessa água está nos oceanos. Mais: 70% do oxigênio que respiramos é produzido por microrganismos (fitoplâncton) que flutuam no mar ou estão em outras formas de vida na Terra; o clima planetário é influenciado pelas correntes oceânicas; 80% de toda a vida está no mar; 60% dos seres humanos vivem a no máximo 60 quilômetros dos oceanos. No Brasil, dezenas de milhões de pessoas dependem da pesca.

Se ainda fosse pouco, o professor Maulori Curié Cabral, do Instituto de Microbiologia da UFRJ, tem trabalhos mostrando a necessidade até de trabalharmos com uma “agronomia marinha”, que seria de extrema importância: não dependeria de irrigação, não ocuparia espaço de terras agricultáveis, não precisaria de fertilizantes e agrotóxicos, seria rica em vitaminas, sais minerais e aminoácidos, as microalgas produziriam uma safra a cada dois meses, com rendimentos altos. E sua biomassa seria importante para as indústrias farmacêutica e de alimentos e poderia complementar a produção de etanol. Na verdade, pensa ele, todos os produtos dessa área deveriam ter rótulo de “orgânicos” (micro.ufrj.br, 20/9/2014).

Mesmo diante de todas as evidências, entretanto, pequenas áreas protegidas sobre o mar não chegam a 0,35% das áreas mais restritas em terra, com parques e reservas extrativistas, ou a 1,6% das áreas de proteção ambiental (conservation.org, 7/4/2014). E ainda sabendo que a temperatura no Oceano Pacífico é hoje muito mais alta que há 10 mil anos, por causa da absorção de calor pelos oceanos, segundo a Universidade Rutgers (Science, agosto de 2014). O governo australiano pesquisa (The Guardian, 3/2/2015) espécies de corais para cruzá-las e obter outras, capazes de enfrentar temperaturas crescentes no mar.

Conversações entre o secretário-geral da FAO e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, abriram caminho para um possível acordo global nessa área, já que, segundo a organização da ONU, 10% da população mundial depende diretamente da pesca para seu sustento e 4,3 bilhões de pessoas dependem em 15% das proteínas provenientes desse setor. A ONU pretende que, numa conferência intergovernamental (Eco21, março de 2015), se consiga chegar a um tratado vinculante para conservar a vida marítima e regular as águas de alto mar, fora da jurisdição dos países. Tudo, entretanto, dependerá de aprovação da Assembleia-Geral da ONU em setembro próximo, para uma redação final em 2016 e votação decisiva em 2017. As águas de alto-mar cobrem 50% da superfície da Terra e nelas estão ecossistemas ameaçados. Diz o Instituto da Universidade de Queens, na Austrália, que 50% dos corais já desapareceram e 90% dos peixes estão explorados “em excesso”.

Com tanta riqueza nos mares, não surpreende que estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) atribua aos oceanos um valor econômico global de US$ 24 trilhões – o que corresponde à riqueza produzida em um ano pelos países mais desenvolvidos. Só que a “exploração excessiva”, a “má gestão” e o clima constituem uma “ameaça cada vez maior” (27/4/2015). O rendimento econômico advindo dos oceanos – US$ 2,5 trilhões por ano – está próximo do PIB britânico (US$ 2,9 trilhões) e do brasileiro (US$ 2,2 trilhões).

Em todo esse panorama, é alarmante a questão do lixo plástico nos oceanos: são 50 mil fragmentos por quilômetro quadrado, inclusive nas regiões polares (Agência Estado, 2/12/2012). Há pelo menos 260 mil toneladas de resíduos dessa natureza flutuando nos oceanos (Ambiente Brasil, 17/12/2014), ou 5,25 bilhões de fragmentos. Não se conhecem projetos para retirar esse lixo, que permanece durante dezenas de anos. E também para o futuro está difícil a formulação de soluções viáveis.

No Brasil, então, como ser fará, com o Ibama dispondo apenas de três barcos para fiscalizar 7.300 quilômetros de costa (Folha de S.Paulo, 8/6/2015)?

* Washington Novaes é jornalista.


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