sexta-feira, 3 de julho de 2015

Quando uma menina com baixa autoestima sonha em ser presidente.

Estudantes de uma escola para filhos de trabalhadores de uma plantação de chá no centro do Serra Leoa. Foto: Kanya D’Almeida/IPS.

Por Kanya D’Almeida, da IPS – 

Nações Unidas, 18/6/2015 – É possível que você tenha uma vaga ideia do que é a Educação para a Cidadania Mundial (ECM), mas, se não frequenta os círculos internacionais do desenvolvimento, provavelmente não tem certeza do significado real do termo. Em sua intervenção em um seminário sobre o tema, realizado na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, no dia 15, Sofía García, da Aldeias Infantis SOS, uma organização que atende as necessidades de mais de 80 mil meninas e meninos em 133 países, apresentou um excelente resumo.

García se referiu a um recente projeto do Movimento Mundial pela Infância da América Latina e do Caribe, que sua organização integra, e explicou o que aconteceu quando perguntou a 1.080 meninas, meninos e adolescentes de dez países latino-americanos quais são suas prioridades para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a ONU está elaborando.

“A SOS trabalha com crianças sem cuidado parental, que, em geral, têm uma autoestima muito baixa”, afirmou García. “Mas, dez minutos depois de explicamos as iniciativas e dizemos ‘queremos ouvir sua voz, você é o agente de mudança’, crianças que nem mesmo se consideravam oradores repentinamente querem chegar a ser presidentes de seus países”, contou a ativista.

O exercício terminou com a publicação de O Mundo Que Queremos, Uma Versão Ilustrada, Dirigida a Meninos e Meninas, dos 17 ODS Propostos. Segundo García, “este é o verdadeiro poder da educação para a cidadania mundial”. O seminário teve apoio de várias missões junto à ONU, incluídas as da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, e foi patrocinado pela Concord, uma aliança de mais de 2.600 organizações não governamentais europeias, Soka Gakkai Internacional e Inter Press Service (IPS).

“Junto com o direito à vida e o direito à liberdade, deve estar o direito à educação”, destacou Usman Sarki, representante-adjunto permanente da Nigéria perante a ONU. “É a chave de todas as liberdades e o fundamento da dignidade. Todos os outros direitos deverão depender do direito à educação”, opinou. Entretanto, a realidade atual não reflete essa convicção.

Vivemos em um mundo onde 58 milhões de crianças não vão à escola e onde outros cem milhões não terminam o curso primário, segundo o último informe de acompanhamento do projeto Educação para Todos, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Se a isso acrescentarmos que há 168 milhões de meninos e meninas que trabalham e 200 milhões de adultos desempregados, a urgência da situação se faz evidente.

No total, aproximadamente 781 milhões de pessoas não sabem ler nem escrever, uma estatística assombrosa em uma época na qual, não só a alfabetização básica mas também a alfabetização informática, determinam cada vez mais a diferença entre uma vida digna e a pobreza.

Porém, a ECM transcende a quantidade de pessoas que há nas salas de aula, já que o conceito de cidadania mundial se refere a um “sentido de pertinência a uma comunidade mais ampla e à humanidade”, segundo a Unesco. Seu objetivo é transformar a pedagogia da aula, criar laços de entendimento cultural e consciência cívica, e forjar uma cidadania mundial para o século 21 baseada nos direitos humanos, na paz e na igualdade. A aplicação da ECM será de natureza local, realizada segundo os ministérios da educação dos países e adaptada às necessidades específicas dos Estados e das comunidades.

A ECM reconhece que a alfabetização básica não basta para conquistar a igualdade de condições em um mundo repleto de desigualdades, onde a brecha entre a riqueza dos países mais ricos e os mais pobres passou da proporção de 35 para um, durante a época colonial, para 80 para um, atualmente. Hoje em dia, as 85 pessoas mais ricas do planeta possuem mais riqueza acumulada do que 50% da população mundial. É a qualidade da educação que fechará essas brechas e alcançará objetivos como a paz, a segurança e a contenção do extremismo violento.

Sarki chamou a atenção para o crescente número de pessoas do Norte industrial que se envolveram nos “teatros da guerra do Oriente Médio”. Segundo o diplomata nigeriano, “na verdade, podemos dizer que essas pessoas não são educadas? Muitas são. De fato, os autores intelectuais da atividade terrorista são muito educados. A pergunta é: que tipo de educação receberam? Podemos ser educados e continuar com a mente fechada”, ressaltou.

O conceito de ECM remonta a 2012, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lançou a Iniciativa Mundial pela Educação em Primeiro Lugar, e depois de muito trabalho, no qual a Coreia do Sul teve papel importante, a iniciativa foi incorporada ao rascunho zero do documento para a Agenda de Desenvolvimento Posterior a 2015, que será definida com as negociações do final deste mês.

Já surgiram dezenas de iniciativas internacionais e comunitárias centradas na ECM. Por exemplo, a ECM é uma das áreas estratégicas fundamentais no programa de educação da Unesco para o período 2014-2017, enquanto grupos como Aldeias Infantis SOS deram prioridade ao conceito de seu trabalho, a fim de incluir a população mais vulnerável.

García disse à IPS que a Aldeias Infantis SOS trabalha muito de perto com as famílias em risco de separação ou com crianças sem atenção parental. Por isso, “para nós, a educação não formal é tão essencial quanto a formal. Há muitos lugares para aprender, e a sala de aula é só um deles”, disse à IPS por ocasião do seminário no início da semana.


Fonte: ENVOLVERDE

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