segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Loteamentos com mata nativa serão obrigados a cuidar da natureza.
Por Júlio Ottoboni – 

Um caso que afeta todo o Brasil, a secção dos remanescentes de mata e florestas por loteamentos fechados e condomínio entrou como alvo do Ministério Público de São José dos Campos. Os promotores de justiça, nos próximos dias, articulam para uma decisão inédita quanto à responsabilidade ambiental que afetam essas modalidades de bairros e áreas de moradias no município.

Será definido que as áreas que tiverem remanescentes da Mata Atlântica ficarão aos cuidados das associações de moradores. Esses núcleos terão que cuidar integralmente da natureza e estarão sob supervisão técnica quanto ao tratamento da flora como da fauna existentes no local. Além de serem obrigados a criar passagens para os animais e prove-los de alimentação adequada as espécies existentes e água. O que não acontece hoje e acaba vitimando diversos animais por sede e inanição.

No caso dos animais, além da obrigatoriedade de passagens especiais que liguem os remanescentes de mata próximos haverá a necessidade de um censo por empresas de consultoria ambiental e profissionais credenciais. Entre as ações estará à criação de corredores ecológicos sem barreiras que impeçam a mobilidade da fauna em seus antigos trajetos, livrando-a do confinamento hoje existente pelo bloqueio causado por muros e cercas, muitas delas eletrificadas.

No última semana de julho, o Instituto Ecológico de Proteção Animal (IEPA), sediado na cidade do Vale do Paraíba, recebeu a denúncia sobre construção de um imenso corredor de concreto e blocos dentro de área de grande área de remanescente, o aprisionamento de fauna e impactos danosos sobre o meio ambiente da construção do Parque Municipal Ribeirão Vermelho.
Marcelo Godoy

O presidente do IEPA e perito judicial ambiental, o biólogo Marcelo Godoy, se reuniu com a polícia ambiental e representantes do Cetesb foram averiguar a denúncia que envolve o loteamento fechado de alto padrão Reserva do Paratehy, no bairro Urbanova. A direção do local, um loteamento fechado por lei municipal, cercou com alambrado e muros eletrificados toda uma área de Mata Atlântica.

A irregularidade já existe há, pelo menos, 4 anos e somente agora foi denunciada por populares e ambientalistas. A prefeitura nunca procurou corrigir a situação, mesmo com a flagrante ilegalidade.

Mata fracionada – Foram mais de cinco horas percorrendo a área de remanescente de Mata Atlântica e no lugar foi detectado uma série de irregularidades, como construção de um passeio de concreto no local, colocação de mais de 700 metros de muros e cercas eletrificadas, iluminação por lâmpadas dentro da mata, aprisionamento de diversos animais de várias espécies, como veado campeiro, preguiças, tatus entre mamíferos, répteis e anfíbios, além do corte e supressão de árvores nativas.

“O que encontramos lá é um absurdo, não dá sequer para comentar a gravidade do quadro. Não tinha licença para nada do que estava sendo feito, a situação é gravíssima e foram autuados por diversas infrações. A promotoria está sendo comunicada sobre o caso e tomará todas medidas necessárias. Infelizmente isso está ocorrendo em todo o Brasil”, alertou o biólogo Godoy.

O MP local pretende estudar medidas que obriguem as associações de moradores inclusive alimentarem as espécies existentes, assim como fornecer água em quantidade e qualidade suficientes para a manutenção da vida e procriação. O controle deve ser feito a partir de um inventário desenvolvido por biólogos ou entidades ambientais qualificadas. E, evidente, a retirada imediata dos bloqueios que geram os confinamentos existentes hoje.

Pelo menos uns 10 loteamentos fechados somente neste bairro se encaixam nesta condição, alguns com muros com quase 3 metros de altura construídos sobre áreas verdes e impedindo a continuidade de remanescentes.

Uma das alternativas, segundo Godoy, é o estabelecimento de parcerias com alunos das faculdades de biologia e engenharia ambiental existentes no município, como o caso da Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Os remanescentes de mata são também reguladores microclimáticos e importantes na recomposição das nascentes de água, que abasteciam os rios do Paraíba do Sul e do Jaguari.

“ O crescimento destes loteamentos em toda cidade está fracionando antigas áreas de Mata Atlântica que abrigavam inúmeras espécies, várias delas em extinção. Como colocam muros e cercas, constroem ruas e avenidas sem a mínima preocupação de impacto sobre o meio ambiente natural, essa ação do MP tenta minimizar esse problema. O volume de animais mortos e feridos por esse tipo de isolamento é imenso, algo que ninguém quer se responsabilizar”, comenta o ambientalista e biólogo.

O viveiro da Univap, onde existe uma unidade de atendimento a animais resgatados, não suporta mais o volume de demanda. A própria Polícia Ambiental tem buscado alternativas fora do município para promover a reinserção de exemplares capturados, muitas vezes em péssimas condições de saúde e gravemente feridos. Grande parte deles é encontrada dentro ou nas imediações dos loteamentos fechados com áreas de mata nativa.
Veado Campeiro – Atualmente, a entidade Corredor Ecológico se encontra na incubadora tecnológica da Univap e tem um projeto detalhado para integrar grandes áreas de remanescentes de Mata Atlântica e estimular o plantio de árvores. Para a engenheira ambiental e integrante do quadro técnico da entidade, Carolina Cassiano Ferreira, a experiência que hoje é aplicada na zona rural pode e deve ser transportada para o área urbana.

“Esses remanescentes são importantíssimos, isso vai desde a qualidade de vida, como a beleza cênica, até a melhoria na qualidade do ar e nas mais diversas funções ambientais. Na Reserva do Paratehy, um veado campeiro foi fotografado por um amigo dentro da área cercada, esse exemplar está confinado e não se pode prever sua sobrevivência nesta condição. Acho positiva a ação do MP, principalmente em envolver a universidade e entidades como o Corredor Ecológico na criação de indicadores e no monitoramento destas espécies silvestres”, observou a engenheira.

As fotos do veado campeiro preso pela cerca foi um dos pontos que sensibilizou o MP a realizar a averiguação na Reserva do Paratehy com auxílio da Polícia Ambiental e Cetesb. O animal não foi encontrado, mas o chefe da segurança do loteamento confirmou  aos técnicos e policiais que o exemplar vaga pelas ruas do loteamento e que outros animais já foram encontrados também nas ruas e levados para a mata. 

* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. Tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veículos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual se dedica atualmente.


Fonte: ENVOLVERDE

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