sexta-feira, 11 de março de 2016

Aliança com Pequim não tem volta.
Apresentação de uma das represas em construção para o aproveitamento do rio Santa Cruz, na província de mesmo nome, na Argentina. O projeto contempla investimento de US$ 5 bilhões, 85% financiados pela China, e foi entregue a um consórcio do qual participa uma empresa desse país. 

Foto: Represas Patagônia.

Por Fabiana Frayssinet, da IPS – 

Buenos Aires, Argentina, 18/2/2016 – O novo governo da Argentina revista vários grandes projetos acordados com a China. Mas, além das mudanças de forma e de prioridade, não se vislumbra uma volta atrás em uma aliança à qual Pequim concedeu status de estratégica e integral. Avaliar ou cancelar o que for considerado “pouco transparente” ou “secreto” nessa relação fez parte das promessas eleitorais de Mauricio Macri, que foram reiteradas no começo de sua gestão, que começou em 10 de dezembro.

Sua antecessora, a centro-esquerdista Cristina Fernández (2007-2015), promulgou, em março de 2015, um grupo de leis que dera vida a um convênio-marco de cooperação em matéria econômica e de investimentos com a China. Dessa forma foi consolidada uma “aliança estratégica integral”, segundo a classificação de Pequim, no que representa o décimo-primeiro escalão dos 14 em que o governo chinês classifica seus sócios internacionais.

Durante a campanha que o levou ao poder, Macri e os seus criticaram asperamente os acordos com a China, mas, passada a efervescência eleitoral, o novo governo mudou de tom. “Não podemos negar o peso da China no mundo. Não é do interesse da Argentina romper com Pequim”, ratificou a nova chanceler, Susana Malcorra, situando este vínculo em “uma relação equilibrada com o mundo”.

De fato, em dezembro mesmo,Macri utilizou o acordo swap (intercâmbio de divisas entre seus bancos centrais) com a China vigente desde 2014, no que foi sua primeira medida para fortalecer as decaídas reservas internacionais argentinas. Além disso, escolheu para embaixador em Pequim Diego Guelar, um diplomata considerado impulsionador da aliança entre os dois países.

“Os pactos internacionais devem ser respeitados. Alguns acreditam que, se não cumprirmos com os chineses, isso será vem visto – entre aspas – por Estados Unidos ou Europa”, apontouGuelar, em uma entrevista ao jornal Perfil. “Pelo contrário: quem não cumpre com um, não cumpre com os outros, isto é, uma Argentina previsível, que cumpre seus compromissos internacionais e é leal com seus sócios estrangeiros, este é um dado central dessa credibilidade que temos que desenvolver plenamente”, ressaltou o embaixador.

O embaixador da China em Buenos Aires, Yang Wanming, recordou que seu país figura como terceira fonte de investimentos para a Argentina, e que nos últimos cinco anos o valor dos investimentos e das operações de aquisição e fusão na Argentina gira em torno dos US$ 8,3 bilhões. A continuidade desses projetos “terá um efeito exemplar para a cooperação substancial sino-argentina no futuro”, destacou.

Assim, o pragmatismo parece vencer novamente o discurso político. “A relação com a China explica em boa parte os anos de crescimento econômico depois da crise de 2001. Aproximadamente desde 2009 se verifica um crescimento muito importante nos investimentos chineses na América Latina”, opinou à IPS o acadêmico argentino Gonzalo Paz.
Interior de um vagão de trem interurbano de Buenos Aires, que liga o bairro Retiro com Tigre, uma localidade da região metropolitana da capital da Argentina. Esses vagões, de fabricação chinesa, são parte dos acordos comerciais e de investimento dos dois países no setor ferroviário. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS.

“Os anúncios de revisão dos acordos ocorrem tanto em consequência da campanha eleitoral quanto pela necessidade de se fazer um estudo completo de todos os temas da relação, em particular dos megaprojetos fechados na etapa final da administração anterior”, acrescentou Paz.

Especialista nas relações entre Leste Asiático e América Latina da Universidade de Georgetown, Paz acredita que Macri buscará ampliar seus vínculos com sócios históricos como Itália, França, e também destravar suas relações com os Estados Unidos. “Mas uma potência de primeira magnitude como a China deve continuar sendo sócia central da Argentina”, acrescentou.

Em entrevista à revista cultural argentino-chinesa Dang Dai, Guelar anunciou que, em todo caso, serão revisadas questões que “foram mal realizadas ou sem cuidados”.“Creio que as críticas feitas a esses projetos fazem supor mudanças, mas não uma ruptura da relação com a China”, pontuou à IPS o diretor da revista, Néstor Restivo, coautor do livro Tudo o Que Você Precisa Saber Sobre a China, da editora Paidós.

Segundo Paz, “mais adiante será fundamental ver quais novas áreas de cooperação se abrirão ou projetos serão desenvolvidos, pois seria um grave erro focar apenas no manejo dos projetos surgidos na etapa anterior e não ter uma política proativa”. Entre os projetos que serão revisados, um dos mais emblemáticos é o da construção do Complexo Hidrelétrico Néstor Kirchner-Jorge Cepernic, na província patagônia de Santa Cruz, no valor de US$ 5 bilhões, 85% deles financiados pela China.

A obra foi entregue em 2013 ao consórcio Represas Patagônia, encabeçado pelas companhias argentinas Hidrocuyo e Electroingeniería e pela chinesa GezhbouaGroup, e também inclui a construção de duas represas sobre o rio Santa Cruz. O complexo deverá gerar 1.740 megawatts (MW), que atenderiam, ao final da obra, em 2020, 8% da demanda elétrica do país, afetado por uma crise energética.

Outro megaprojeto, acordado em novembro, é o da construção de duas centrais nucleares, que seriam quarta e quinta do país, que contarão com mais da metade de componentes argentinos e com investimento de US$ 15 bilhões, dos quais Pequim também financiaria 85%. O acordo inclui transferência tecnológica chinesa e exploração conjunta de terceiros mercados.

“Creio que não haverá volta na relação com a China” e o mesmo acontecerá com o complexo hidrelétrico, que, além de estar em andamento, foi entregue em uma licitação internacional, ressaltou Restivo. “É a maior obra que a China realiza atualmente fora de seu território. Se o novo governo entende que houve alguma irregularidade, irá por outros caminhos, mas é quase impossível pensar em uma paralisação dessa obra”, acrescentou.

Sobre as centrais nucleares, Restivo acredita que pode haver mudanças, a partir do plano estratégico energético do novo governo. “Mas há cartas de intenções assinadas e não ficaria bem dar para trás com os chineses, embora tudo seja negociável”, pontuou este economista e especialista em China. “Os chineses protestariam se ficassem fora do que já está assinado, mas são suficientemente flexíveis ou pragmáticos para ver como compensar eventualmente um negócio que se perderia nesse contexto”, acrescentou.

O projeto do qual Restivo mais dúvida é o assinado em agosto do ano passado entre os dois governos, para a renovação dos trens e da rede que comunica 17 províncias, da empresa ferroviária pública Belgrano Cargas e Logística. O acordo estabeleceu um primeiro trecho de financiamento chinês de US$ 2,4 bilhões e mais outro posterior de US$ 2,47 bilhões, e previa no futuro o transporte de produção agroalimentar argentina e brasileira até portos chilenos no Oceano Pacífico.

Na onda de demissões de funcionários públicos lançada pelo novo governo, foi desmantelada a base da empresa Fabricaciones Militares, encarregada de construir mil vagões, com mais de 80% de componentes nacionais, uma parte fundamental na reconstrução da indústria ferroviária local.

“É muito possível que agora não contemos mais com a parte mais interessante, que os acordos com a China sirvam para industrializar a Argentina e não para servirem ao interesse chinês”, lamentou Restivo. Mas, além dessas incertezas, o embaixador Wanming aposta em mais: “promover um nível maior na aliança estratégica integral” de Pequim com Buenos Aires.


Fonte: ENVOLVERDE

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