sexta-feira, 20 de maio de 2016

O caminho para a esperança dos indígenas.
Integrantes do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh) recebem a Caravana pela Paz, a Vida e a Justiça em Utopia, em La Esperanza, o lugar onde foi morta a líder indígena e ambientalista Berta Cáceres. Foto: Ximena Natera e Daniela Pastrana/Pie de Página.

Por Daniela Pastrana e Ximena Natera, da IPS –

La Esperanza, Honduras, 6/4/2016 – A terra onde viveu e morreu Berta Cáceres é um mundo onde as palavras se enchem de significado: esperança, utopia, casa de cura. São nomes que ganham sentido nessa montanha do departamento de Intibucá, a 1.700 metros de altitude, onde os lencas colocaram seus corpos como escudo contra os projetos hidrelétricos em Honduras.

“O que vivemos é uma recolonização institucional. Uma guerra declarada ao povo lenca disfarçada de desenvolvimento, mas é um desenvolvimento para os privados e para o poder, e um genocídio para as comunidades indígenas”, afirmou Tomás Gómez, do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (Copinh). OCopinh é a organização criada, há 23 anos, por Berta Cáceres, líder indígena e reconhecida defensora dos direitos humanos, que foi assassinada no dia 3 de março em sua casa, por sicários não identificados e por motivos ainda não esclarecidos.

Seu assassinato comoveu o mundo. Mas aqui em Utopia, como é chamado o centro de trabalho do Copinh, não há lágrimas nem lamento. Há altares, memória e uma convicção à toda prova, incluídos os sete assassinatos de ativistas da organização.“Não podemos ficar parados”, disse, imperturbável, Laura ZúñigaCáceres. A jovem de 23 anos teve que suspender seus estudos de obstetrícia em outro país e voltar a essa terra depois do assassinato de sua mãe.

Nesses dias, ela transformou a Casa de Cura de Mulheres em seu lar. “A casa era um sonho de Berta”, contou Marleny Reyes Castillo, também dirigente do Copinh. A casa está concebida como um lugar onde as mulheres que sofrem violência possam ser atendidas, curadas física e emocionalmente, e assessoradas juridicamente.O local fica a dez minutos de Utopia, no centro de La Esperanza, uma vila de casas com teto de telhas, que parecem modelos dos desenhos do ensino primário.

É um povoado onde não se ouve falar da violência que há em outras regiões do país pelas guerras de gangues ou do crime organizado. Por isso, nesse lugar ninguém tem dúvidas de que Berta foi morta por sua oposição à construção da hidrelétrica na Represa de Água Zarca, no rio Galcarque, vital para a sobrevivência dos lencas de Río Blanco.O povo lenca se estende por sete departamentos de Honduras.

Além da casa de cura, e de Utopia, o Copinh tem, em La Esperanza, a rádio comunitária La Voz Lenca, e outras quatro em regiões de influência.Em 2015, Berta Cáceres recebeu o Prêmio Goldman, máximo reconhecimento mundial para ativistas ambientais. Sua campanha contra a Represa Água Zarca conseguiu deter a companhia estatal chinesa Sinohydro, a maior construtora de represas do mundo.

No entanto, essa não era a única batalha dos povos originários. A partir do golpe de Estado de 2009, houve uma explosão de permissões para megaprojetos, sobretudo dos que geram provisão de energia para concessões de mineração.“Só o Copinh enfrentou 50 hidrelétricas. Mais as mineradoras e as eólicas. A luta está apenas começando”, pontuou Gómez.
O projetado Corredor Turístico de Honduras, uma das formas de despojo de terras indígenas do povo lenca no país. Foto Ximena Natera e Daniela Pastrana/Pie de Página.

O governo de Juan Orlando Hernández tem uma solução para os indígenas do país: que não existam, segundo ativistas. E vem tentando, desde que iniciou seu governo, em janeiro de 2014, com a explosão de concessões de megaprojetos. Mesmo antes, quando presidia o Congresso Nacional que aprovou a proposta de criar Cidades-Modelo, já tentava.

Trata-se de um esquema parecido ao impulsionado no México, pelo ex-presidente Ernesto Zedillo, para criar polos urbanos de desenvolvimento que, segundo o plano, acabariam com a pobreza dos indígenas em comunidades mais afastadas. Mas o programa fracassou porque os indígenas, arraigados às suas terras, regressaram a elas todas as vezes que foram reassentados.

As Cidades-Modelo forma declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2012.Então, no que foi considerado um “golpe de Estado técnico”, Hernández destituiu os magistrados da sala constitucional (com o argumento de que não deram seu parecer a tempo). O único juiz que não declarou a lei inconstitucional, e que não foi despachado pelo então presidente do Congresso, foi Óscar Chinchilla, que depois passou a ser procurador-geral do país.

A proposta das Cidades-Modelo foi retomada em 2013, com a lei de Zonas de Emprego de Desenvolvimento Econômico, que tem alcances ainda maiores, pois permite criar zonas com autonomia financeira e policial. Isto é, dá aos investidores a autonomia que os governos da região negam aos povos originários.“Há mais de 23 áreas em projeto. Se todo o capital esperado não chegou, foi por causa da insegurança jurídica que há no país. É preciso um pouco de institucionalidade”, destacou Ana Ortega, acadêmica e feminista que preside a junta diretora do Comitê pela Livre Expressão (C-Libre).

Entretanto, o principal problema do governo é a resistência dos grupos indígenas e camponeses. Segundo a organização Global Witness, três em cada quatro assassinatos de ambientalistas ocorridos em 2014 foram registradosna América Latina. No informe Quantos Mais?, Honduras aparece como o país mais perigoso para os ambientalistas, com 111 assassinatos de ativistas. Deles, 80 ocorreram nos últimos três anos na região do Bajo Aguan, onde estão as melhores terras de cultivode Honduras.

Outros que lutam por suas terras são os afrodescendentes do povo garífuna, assentados na costa caribenha do país, onde empresários, políticos e militares se apropriaram das terras para implantar complexos turísticos. O caso mais emblemático é o dosgarinagus da comunidade de Barra Vieja, que lutam nos tribunais contra o despojo do complexo Indura Resort e que foram desalojados três vezes e três vezes voltaram.

“Há uma criminalização das comunidades. Os tambores são vistos como armas de guerra. Temos deslocamentos de comunidades inteiras e há uma perda de território para a criação de bases militares, com o pretexto da guerra contra o narcotráfico”, apontou Miriam Miranda, dirigente da Organização Fraternal Negra Hondurenha (Ofraneh), durante a passagem da Caravana pela Paz, a Vida e a Justiçapor La Ceiba, que busca abrir um debate sobre a política antidrogas na região e que, no dia 1º, deixou o território hondurenho para entrar em El Salvador.

A Caravana começou sua caminhada em Tegucigalpa, no dia 28 de março, e a terminará no dia 21, em Nova York.“Olá, compadre, venha comer, dizia Berta, embora não tivesse muito, de uma tortilha que comemos todos”, contou Daniel Valladares, membro do Centro de Pesquisa e Promoção dos Direitos Humanos (Ciprodeh), uma das organizações-sede da Caravana em Honduras.

Karla Lara, cantora e ativista feminista, testemunhou que Berta conseguia integrar muitas e diferentes causas, e “fazia a gente sentir cada luta como sendo especial, porque para ela eram especiais”. As lutas dos povos originários em Honduras sempre foram pacíficas, explicou uma jornalista que conheceu Berta em 1994, quando os lencas iniciaram sua peregrinação à capital. Porém, ser indígena, mulher e ambientalista é a pior combinação que pode haver na Honduras pós-golpe.

*Este artigo foi originalmente publicado no portal Pie de Página, um projeto da organização Periodistas de a Pie financiado pela Open Society Fundations. A IPS-Inter Press Service tem um acordo especial com essa entidade para a difusão de seu material.


Fonte: ENVOLVERDE

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