segunda-feira, 27 de junho de 2016

O papel do jornalismo nas sociedades democráticas.
Congresso Gife 2016 – Painel “O papel do jornalismo em sociedades democráticas”.

O jornalismo editorialmente independente e economicamente sustentável é a melhor garantia que uma sociedade pode ter para a manutenção da democracia.

Por Dal Marcondes, da Envolverde*

Em qualquer lugar onde dois ou mais jornalistas se reúnem, o jornalismo se torna o assunto principal. A crise do jornalismo, as demissões nos grandes jornais, as novas mídias e as mídias sociais. Afinal, qual seria o papel do jornalismo nesse mundo em transição? Uma definição corrente é que o jornalismo é o principal instrumento da sociedade para a garantia da democracia. No entanto, de que jornalismo se está falando? Daquilo que se pratica nas redações dos grandes jornais, nos telejornais, nos blogs, nos meios alternativos ou nas mídias sociais? Segundo os participantes da mesa de debates “O Papel do Jornalismo nas sociedades democráticas”, que aconteceu no segundo dia do 9º Congresso GIFE, emblematicamente 31 de março, não importa muito onde se está praticando o jornalismo. O fundamental é que seja independente.

O jornalismo independente, segundo Ricardo Gandour, diretor de conteúdos do Grupo Estado, é fundamental não apenas para a democracia, mas também para a qualidade do ambiente de negócios no país. “A transparência e o fortalecimento do ambiente informativo estão entre os fundamentos de uma sociedade livre”, explicou. No entanto, essa independência editorial está umbilicalmente ligada à independência financeira dos veículos.  Ele acredita que o jornalismo “é uma atividade privada de alto interesse público”, e que a crise de modelo de negócios que a mídia vem atravessando exige das organizações muita criatividade para bancar uma atividade fundamental para a sociedade, mas cara para os empreendedores.

Em um debate com plateia formada principalmente por gestores de organizações filantrópicas empresarias, o financiamento ao jornalismo emergiu como pauta, principalmente pelos diagnósticos dos participantes, que apontaram para a necessidade de um jornalismo capaz de oferecer uma visão plural à sociedade, no entanto incapaz de abraçar essa tarefa por falta de investimentos. Para Pedro Abramovay, representante da Open Society Foundations,  os institutos e fundações empresariais estão bastante habituados a financiar “causas”, aportar recursos em projetos ou mesmo contratar jornalistas para que escrevam sobre um determinado assunto de interesse da organização. “Mas não conseguem ver, ainda, o próprio jornalismo como uma causa”, explicou.

Abramovay frisou a importância do jornalismo independente para o fortalecimento das instituições democráticas, e pontuou que não há como se avançar nesse debate sem se falar em dinheiro.  E alertou: “Um negócio que tem poder, mas não dá dinheiro pode ficar à mercê de interesses econômicos e não a serviço dos interesses da sociedade”.  Para o representante da Open Society, a sociedade está preocupada com a democracia mas ainda não se apercebeu que a crise do jornalismo é um risco para a independência dos conteúdos que se oferece para a sociedade e, portanto, um risco para a própria democracia.

E a efervescência das mídias sociais e da internet, que por um lado retirou dos jornalistas o protagonismo como curadores de informações para a sociedade, por outro também montou uma armadilha informativa, que dá às pessoas a falsa sensação de que estão sendo informadas sobre tudo o que interessa, mas que na verdade rodam em círculos com poucos conteúdos apurados de forma profissional, com fontes e com credibilidade. Esse foi o alerta feito por Bruno Torturra, um dos fundadores do grupo Mídia Ninja e que atualmente atua no Fluxo.

A internet tornou-se nos últimos anos o principal fator de desestabilização do modelo de negócios dos grandes jornais e revistas, ao mesmo tempo em que acenou para a sociedade como um vetor de democratização da informação, na medida em que tornou cada cidadão um hub informativo.  A imprensa tem como a mais importante fonte de recursos a publicidade, e isso era também a garantia de independência financeira e editorial. No entanto, as empresas anunciavam nos jornais e revistas porque esse era o único meio que tinham para alcançar grandes públicos. Não havia alternativa, agora há, como explicaram os debatedores.

Sem essa fonte de recursos os jornais minguaram em equipes e em número de páginas. Uma lacuna se formou em relação à apuração de pautas complexas, principalmente as investigativas, que demandam além de dinheiro, tempo de dedicação de jornalistas para entrevistas e para chafurdar arquivos e bancos de dados. Nesse nicho, graças à inventividade de algumas jornalistas, se desenvolveu a Agência Pública, representada neste debate por uma de suas fundadoras, Natália Viana. A Pública não apenas tem buscado recursos para se manter como, também, para apoiar projetos de outras iniciativas e jornalistas, através de ofertas de minibolsas e concursos para a construção de pautas relevantes, principalmente na área de direitos humanos. Recentemente realizou um importante mapeamento das mídias independentes que atuam no Brasil.

“É um momento de transição onde a atuação em rede e a colaboração entre as iniciativas é importante para fortalecer a cobertura de temas normalmente relegados a notas de pé de página nos grandes meios, ou nem isso”, disse Natália a um público que também se preocupa com a partidarização ou a ideologização dos meios.  Para a editora da Pública esse viés ideológico não é um problema se houver transparência. “É preciso que o leitor saiba que este ou aquele meio carrega a bandeira de uma causa, ou de um partido”, disse.

A Pública tem se destacado não apenas pela produção de um jornalismo de qualidade, que já é reconhecido por grandes meios em parcerias editoriais, mas também por se propor a alavancar um debate mais profundo sobre o jornalismo, através de diálogos e workshops em sua “Casa Pública”, no Rio de Janeiro, que reúne com regularidade profissionais, estudantes e interessados no tema.

Outro modelo de jornalismo foi apresentado por Leandro Beguoci, da Fundação Lemann, organização que atua com pautas em educação, que estruturou uma parceria com a Fundação Victor Civita para manter atuantes as revistas Nova Escola e Gestão Escolar, publicações já clássicas no cenário brasileiro da educação. Um modelo que segundo Beguoci vem dando certo, com os jornalistas mantendo sua independência e liberdade e pautas e análises. Esse é um caso de financiamento direto de fundações empresariais a um meio, mesmo que temático, neste caso, dedicado a professores e à gestão escolar, um modelo importante a ser observado por outras organizações presentes ao Congresso GIFE.

Colocar o jornalismo no centro da pauta tem sido um grande desafio para as empresas e para os profissionais, agora também para uma miríade de empreendedores que acreditam na importância da informação independente para a construção de uma sociedade livre. A aproximação do tema junto a organizações que tradicionalmente financiam causas é fundamental para o avanço da democracia no Brasil. Segundo Ricardo Gandour, a participação dessas organizações no financiamento do jornalismo pode ser uma contribuição fundamental para o futuro da imprensa livre. 

* Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, revistas IstoÉ e Exame. Desde 1998 dedica-se à cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.


Fonte: ENVOLVERDE

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