quinta-feira, 28 de julho de 2016

El Niño abranda e La Niña chegará logo.
A região de Hararghe ocidental, na Etiópia, em dezembro de 2015. Cerca de 10,2 milhões de pessoas sofrem insegurança alimentar no contexto de uma das piores secas registradas nesse país africano em décadas. Foto: Stephanie Savariaud/WFP

Por BaherKamal, da IPS – 

Roma, Itália, 19/7/2016 – O fenômeno El Niño de 2015-2016 é um dos mais fortes até agora e o La Niña, que poderá golpear em breve, agravaria a severa crise humanitária que afeta milhões de pessoas nas comunidades mais vulneráveis de dezenas de países, especialmente na África e Ásia Pacífico. El Niño é como se conhece o aquecimento do Oceano Pacífico oriental equatorial que ocorre de forma cíclica a cada três a sete anos.

Este fenômeno, conhecido como El Niño-Oscilação do Sul, eleva a temperatura da superfície do mar e altera os sistemas climáticos do mundo, gerando chuvas copiosas em algumas regiões e seca total em outras, ao contrário do que ocorre habitualmente.A fase de esfriamento, conhecida como La Niña, gera chuvas intensas nas zonas afetadas pela seca durante o El Niño e inundações onde já havia caído chuvas em abundância.

O El Niño destrói colheitas, mata o gado e afeta o sustento de milhares de pessoas. Mas um dos maiores impactos é contra meninos e meninas, porque “a fome, a má nutrição e as doenças seguem aumentando em razão das secas e das inundações”, segundo o último informe do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A seca associada ao fenômeno El Niño afetou severamente a comunidade Arsi, na Etiópia. Foto: Charlotte Cans/Ocha

Essa situação poderia piorar com o La Niña este ano, alerta o estudo Ainda Não Terminou. As Consequências do El Niño Sobre as Crianças. El Niño e La Niña são fenômenos cíclicos que nos últimos anos ocorreram principalmente pelos efeitos da mudança climática, e os eventos extremos associados, como secas e inundações, aumentaram em frequência e gravidade.

“Milhões de meninos e meninas e suas comunidades precisam de apoio para sobreviver e ajuda para se prepararem caso o La Niñaaprofunde a crise humanitária. Também deverão redobrar a redução do risco de desastre e se adaptar à mudança climática, que provoca eventos extremos mais frequentes e intensos”, destacou o diretor de programas de emergência do Unicef, Afshan Jan.

O informe do Unicef diz que, nas zonas mais afetadas pelo fenômeno, as crianças passarão fome. Na África austral e oriental, as regiões mais golpeadas, cerca de 26,5 milhões de crianças necessitam de assistência, e um milhão delasprecisa de atenção médica por desnutrição aguda e grave. “As mesmas crianças afetadas pelo El Niño e em risco pelo La Niña estão na linha de frente diante da mudança climática”, advertiu Jan.

O informe também destaca como os eventos climáticos extremos perturbam o ano escolar, aumentam a ocorrência de enfermidades e a má nutrição, além de prejudicarem o sustento das famílias. Nas áreas afetadas pela seca, as crianças não vão à escola porque são as responsáveis por buscar água potável e devem percorrer grandes distâncias, ou porque se mudaram com as famílias por causa da perda de cultivos e gado.

As crianças não escolarizadas correm o risco adicional de sofrer abusos, exploração e, em algumas áreas, serem vitimas do casamento infantil, afirma o Unicef. Além disso, a má nutrição em menores de cinco anos aumentou de forma alarmante nas áreas afetadas pelo fenômeno climático, onde as famílias já viviam o dia a dia. Em muitos países, o El Niño afeta o acesso a água potável e se relaciona com doenças como dengue, diarreia e cólera, “grandes assassinas de crianças”.

A seca pode empurrar as adolescentes e mulheres à prática do comércio sexual para sobreviverem. 

Além disso, alerta o Unicef, a mortalidade das crianças com HIV (vírus causador da aids) é de duas a seis vezes maior para os que sofrem má nutrição severa.O Unicef não é a única agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que destaca as devastadoras consequências de El Niño e La Niña. De fato, a falta de preparação e adaptação à nova norma de crescentes emergências climáticas coloca em risco o cumprimento dos objetivos de desenvolvimento e aprofunda o sofrimento humano em áreas já golpeadas por inundações e secas, alertaram funcionários da ONU.
Agricultores da Etiópia. O Chifre da África é uma das regiões mais prejudicadas pelo El Niño. Foto: TamiruLegesse/FAO

Os diretores das três agências da ONU com sede em Roma – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e Programa Mundial de Alimentos (PMA) –, além do enviado especial para El Niño e o Clima, alertaram que a projeção é de que mais de 60 milhões de pessoas no mundo, 40 milhões delas na África austral e oriental, não terão segurança alimentar devido a esse fenômeno climático.

Para atender a esses desafios, essas agências e alguns colaboradores se reuniram no dia 6 de julho, na sede da FAO em Roma. O diretor-geral da organização, José Graziano da Silva, destacou que as consequências do El Niño na agricultura foram enormes e que, com o risco do La Niña, a situação poderá piorar.“O El Niño causou principalmente uma crise alimentar e agrícola”, afirmou o diretor, anunciando que a FAO mobilizará fundos adicionais “para se concentrar em ações prévias, em particular na agricultura, alimentação e nutrição, para mitigar as consequências dos eventos e para fortalecer as capacidades de resposta de emergência, mediante investimentos focados e destinados a ações de preparação”.

Por sua vez, a Oxfam Internacional informou que cerca de 60 milhões  de pessoas na África austral, no Chifre da África, na América Central e zona do Pacífico veem como piora a fome e a pobreza devido à seca e à perda de cultivos em 2014 e 2015, as quais se exacerbaram devido ao El Niño. “Esse número provavelmente aumentará”, alertou a confederação de 17 organizações não governamentais.

A Oxfam divulgou uma pesquisa onde apresenta depoimentos impactantes de algumas das pessoas com as quais trabalha na Etiópia, Malawi, Zimbábue, El Salvador e Papua-Nova Guiné. “Nos disseram que viveram tempos difíceis mas que esta seca é muito pior do que as anteriores”, diz o informe O Que Será de Nós. Vozes de Diferentes Partes do Mundo Comentam a Seca e o El Niño,elaborado por Debbie Hillier.

“Pessoas vão dormir de estômago vazio, trabalham em seus campos ou vão à escola com a persistente dor da fome, e caminham ou pedalam quilômetros tentando encontrar comida. Muitas pessoas reduziram as refeições diárias para duas ou mesmo uma”, destaca o documento.A fome dói. Para os pais, o esforço de colocar comida na mesa é especialmente doloroso, as crianças choram de fome e os bebês mamam em peitos vazios, enfatiza o informe.A Oxfam publicou uma resenha, El Niño e a Mudança Climática: Tudo o Que se Deve Saber, que detalha a relação entre os dois fenômenos.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário