segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Começamos a enfrentar o barulho.
Por Washington Novaes*

É hora de os candidatos às eleições municipais discutirem os mapas de ruídos nas cidades.

É uma boa notícia a de que a Prefeitura de São Paulo terá de desenvolver e implementar o Mapa de Ruído Urbano da cidade (atelie de textos, 26/7). É verdade que a Lei 16.499, sancionada há poucos dias, dá um prazo de sete anos para que se concretize o projeto. Mas é um começo, melhor que o vácuo de hoje, em que não há regulamento desse tipo. E a lei obriga as próximas gestões da cidade a estipular cronogramas, metas e prazos para a “realização de amplo estudo sobre o ambiente acústico da cidade”. O mapa será uma ferramenta de “apoio às decisões para o planejamento e ordenamento urbano com vistas à gestão de ruído na cidade”.

Cumprir essas tarefas exigirá “identificar a diversidade de fontes emissoras de ruído; fomentar o uso de novas tecnologias para mitigar as emissões de ruídos; orientar a adoção de ações e políticas públicas para a melhora da qualidade ambiental e urbanística da cidade”. Haverá prazos intermediários de quatro anos para a aprovação da “macro área de urbanização consolidada” e para os “eixos de estruturação da transformação urbana”; para as demais áreas da cidade o prazo será de sete anos.

A decisão sobre o Mapa de Ruído é consequência de a poluição sonora aparecer com destaque no ranking das queixas encaminhadas à Ouvidoria Geral da cidade. E não existem legislação e fiscalização para enfrentar as questões concretas. Além disso, as pesquisas que apontam em 60% da população da cidade o desejo de se mudar dizem que o nível de ruídos faz parte da insatisfação que leva a esse desejo. Mas como concretizar a mudança de 12 milhões de pessoas de uma região metropolitana de 20 milhões? Para onde? Trabalhar em que atividades? Resta-lhes dar força ao turismo rural, que, pelo menos por poucas horas, as leva de volta ao contato com ambientes tranquilos e sem ruídos (como os cemitérios buscados por pessoas que desejam ficar em silêncio, já comentados neste espaço).

São pessoas que não querem integrar-se à imensa lista nas cinco categorias profissionais estudadas numa tese na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (22/6). Todas essas pessoas usavam aparelhos de proteção auditiva (metalúrgicos, calçadistas, transportadores de cargas, trabalhadores em cerâmicas e na indústria cervejeira). O estudo avaliou o nível de perda auditiva significativa em cada uma e relacionada também com a idade e com o tempo de exposição ao ruído em quatro grupos, em todas as categorias profissionais.

A perda mais acentuada foi dos transportadores de cargas. E em todas as categorias essa perda pode interferir na qualidade de vida, na limitação de atividades e na socialização, ao dificultar a percepção da fala em ambientes ruidosos e até em momentos de lazer. Essa perda, diz o estudo, pode também limitar atividades e restringir a socialização, pela dificuldade de entender a fala do interlocutor. Com os surdos os problemas são maiores. A lei recomenda que haja audiometria na contratação, depois de seis meses na atividade e anualmente para os trabalhadores expostos a ruídos. Mas quem segue?

Jundiaí, no interior de São Paulo, é uma das raras cidades que já incluem a medição de ruídos na primeira etapa de estudos para um projeto de plano diretor que a transforme em “cidade caminhável”.

Vem à memória do autor destas linhas a figura de seu avô paterno, Anastácio, nascido na espanhola Galícia e que começou a perder a audição trabalhando como operário numa mina que utilizava dinamite como explosivo. Perdeu gradualmente a audição, foi despedido, não conseguia outro trabalho naquele início do século 20. Emigrou sozinho para o Brasil, recrutado por uma empresa que provia de “colonos” fazendas que se abriam no interior de São Paulo. Guardou dinheiro, depois de dois anos voltou à Espanha e trouxe, “num porão de navio”, a esposa e duas filhas pequenas. Depois de mais algum tempo na mesma fazenda, passou a ser mestre pedreiro em obras na cidade – abertura e revestimento de ruas com paralelepípedos, instalação de dutos para esgotos e água (usados até hoje), abertura de praças públicas. Ao fim do dia, exausto, praticamente sem audição, sem poder participar das conversas em família, sentava-se numa cadeira de balanço, de costas para uma janela de onde vinha luz, e lia o Correio Paulistano.

Este ano teremos eleições municipais. Seria hora de candidatos discutirem com eleitores a questão do planejamento urbano e, nela, os mapas de ruídos nas cidades e os formatos de enfrentá-los. Será hora propícia para trazer ao centro da discussão o fato de o eleitor morar na cidade, e não apenas no Estado e na Federação. Hora de caminhar para planos diretores urbanos, a possibilidade de transformá-los em lei, obrigar os governantes municipais a executá-los plenamente – e não dedicar os orçamentos a obras faraônicas que costumam propiciar comissões polpudas ou a contratação de cabos eleitorais; projetos que tragam ao centro da questão a obrigatoriedade inscrita na Constituição federal de aprovar um plano diretor como instrumento básico da política de expansão urbana nas cidades com mais de 20 mil habitantes. A discussão – e, posteriormente, a continuação do eleitor nas discussões – sobre as prioridades municipais mudará os rumos das cidades, afastará esse eleitor de políticos oportunistas ou empresários voltados apenas para novas “rendas”.

Isso é mais válido ainda para grandes cidades – sabendo que, “até 2030, o mundo deve chegar a 41 megacidades”, cada uma delas com mais de 10 milhões de habitantes, como informou este jornal (20/3). Não cabe mais governar apenas com medidas pontuais, que só favorecem minorias. É o caso, por exemplo – também focalizado em editorial na página 3 deste jornal –, da autorização para fechar ruas com dinheiro público, de modo a beneficiar apenas moradores do local modificado.

* Washington Novaes é jornalista.


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