sábado, 13 de agosto de 2016

Desertificação engole a África.
“Ninguém pode negar a terrível semelhança entre os que fogem da violência armada e os que escapam da desertificação, da escassez de água, das inundações e dos furacões” – Konrad Osterwalder, da Universidade das Nações Unidas. Foto: UNCCD.

Dois terços do continente africano já são deserto ou estão secos.

Por Baher Kamal, da IPS – 

Roma, Itália, 12/8/2016 –  Esse vasto território, o segundo maior do mundo depois da Ásia, é “vital” para a agricultura e a produção de alimentos, mas quase três quartas partes de sua área sofrem diversos graus de degradação. O impactante diagnóstico de um continente com mais de 30 milhões de quilômetros quadrados, onde vivem 1,2 bilhão de pessoas dispersas em 54 países, foi dado pelo maior fórum dedicado a esse problema, a Convenção das Nações Unidas para a Luta Contra a Desertificação (UNCCD).

De fato, em seu informe Atendendo a Desertificação, a Degradação de Terras e a Seca na África, a UNCCD, com sede em Bonn, na Alemanha, explica que esse continente sofre frequentes secas severas, que foram particularmente graves nos últimos anos no Chifre da África e na região do Sahel. “A pobreza e a difícil situação socioeconômica estão generalizadas, e como resultado muitas pessoas sobrevivem recorrendo aos recursos naturais”, aponta o documento.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) alertou, no dia 28 de julho, que, “na África austral, afetada pela seca, existe uma corrida contra o tempo para garantir que 23 milhões de pessoas recebam assistência agrícola”. Para evitar que em 2018 dependam da assistência humanitária, são necessários, com urgência, US$ 109 milhões para distribuir sementes e outros insumos e serviços para plantar.

A FAO informou que seu plano de resposta procura garantir que sejam entregues sementes, fertilizantes, ferramentas e outros insumos e serviços para que os pequenos agricultores e pastores possam enfrentar as devastadoras consequências da seca derivada do fenômeno El Niño.“Os agricultores precisam poder plantar em outubro, do contrário, em março de 2017 a colheita voltará a ser deficiente, o que terá grave impacto na segurança nutricional e alimentar e na subsistência da região”, destacou a FAO.

O futuro próximo e de médio prazo não é nada promissor para a África: até 2020, entre 75 milhões  e 250 milhões  de pessoas poderão ficar expostas a estresse hídrico devido à mudança climática. Além disso, em alguns países, a produção que depende das chuvas poderá cair 50%. A situação é tão grave que a União Africana (UA), junto com a UNCCD e outros sócios,organizou a Conferência para a Seca na África, que acontecerá entre os dias 15 e 19 deste mês, em Windhoek, na Namíbia.

Do encontro participarão cerca de 700 pessoas, que debaterão sobre como frear e evitar o rápido avanço do deserto nesse continente, e, em particular, se concentrarão na mitigação do impacto das secas e no desenvolvimento de políticas nacionais para enfrentá-lo. A conferência acontecerá em um momento em que a África oriental e austral sofrem uma das piores secas dos últimos 50 anos.

A Namíbia parece ser uma sede adequada para esse encontro, porque, entre outras razões, figurou em 51º lugar entre os 120 países listados no Índice Global da Fome, de 2014.A situação nesse país melhorou, mas ainda sofre um “grave problema de alimentação”, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Na África há dois bilhões de hectares muito degradados pela desertificação. Foto: Bigstock/IPS

“Os contínuos episódios de seca ameaçam os êxitos obtidos no alívio da pobreza, e é necessário que a resposta seja coletiva”, ressaltaessa agência da ONU.No ano passado a seca reduziu a produção agrícola nacional em 46% abaixo da média de 16 anos, por isso estima-se que cerca de 370.300 pessoas correm o risco de passar fome, afirma o documento do Pnud.

As três agências que atendem questões de alimentação – FAO, Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e Programa Mundial de Alimentos (PMA) – indicam em seu informe conjunto O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo, de 2015, que 42,7% da população da Namíbia está subalimentada. Além disso, diversas organizações de desenvolvimento estimam que mais de 52 milhões de pessoas sofrem insegurança alimentar na África oriental e austral, e que o número pode ser maior.

Quatro dos 15 Estados membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) já declararam uma situação de desastre nacional por causa da seca, e outros dois denunciaram uma emergência parcial.A propósito, o primeiro-ministro da Namíbia, Saara Kuugongelwa-Amadhila, afirmou que “os recursos hídricos têm um papel decisivo no desenvolvimento econômico de todos os setores. Investir em garantir a disponibilidade de água não protege só a sociedade de riscos concretos, como também permite o crescimento econômico”.

As últimas temporadas seguidas de seca, com o fato de a de 2016 ser a pior dos últimos 35 anos, atingiram particularmente as famílias mais vulneráveis das zonas rurais devido ao aumento do preço do milho e de outros cultivos básicos, pontuou a FAO.“O resultado é que quase 40 milhões de pessoas na região poderão sofrer insegurança alimentar no pico de escassez que se registrará no começo de 2017. Todos os países da África austral serão afetados”, prosseguiu a FAO.

“O elevado desemprego e as economias paralisadas fazem com que a principal forma de conseguir alimentos seja a produção própria. Ajudá-las a conseguir isso representa um apoio vital na região, onde pelo menos 70% da população depende da agricultura para sobreviver”, observou David Phiri, coordenador da FAO para a África austral.Além disso, a generalizada perda de cultivos exacerbou a má nutrição crônica. Há denúncias de mais de 640 mil animais mortos pela seca em Botsuana, Suazilândia, África do Sul, Namíbia e Zimbábue em razão da falta de pastagem, água e pelo foco de enfermidades.

A FAO pede investimentos que ofereçam às comunidades a capacidade de produzir sementes tolerantes à seca e forragem, além de tecnologias para praticar uma agricultura climaticamente inteligente, como a agricultura de conservação. O objetivo é permitir que as famílias rurais construam resiliência e se preparem para futuros golpes, especialmente porque aparecerão novos desafios.

“La Niña, fenômeno oposto ao El Niño-Oscilação do Sul, provavelmente ocorrerá mais adiante este ano e, embora possa trazer boas chuvas, o que é bom para a agricultura, é preciso adotar medidas para mitigar o risco de inundações, que podem destruir os cultivos e colocar em risco o gado, deixando-o mais vulnerável às doenças”, alertou Phiri.

*Este é o primeiro de dois artigos sobre a chamada guerra contra o terror climático.


Fonte: ENVOLVERDE

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