A São
Paulo que não está no cartão postal.
Por Cibele Quirino*
A desigualdade é o maior problema da capital
paulista, segundo o coordenador geral da Rede Nossa São Paulo, Oded
Grajew. A diferença entre os distritos chega aos quatro dígitos. O que não
significa que o contraste na casa das dezenas ou ainda das unidades revele uma
realidade mais igualitária.
Salão nobre 17:50, dezembro (dia 07), garoa 10
minutos antes do início do evento Desafios e Prioridades para São Paulo:
propostas para a Nova Gestão, na Câmara Municipal, no centro da cidade. A
iniciativa reúne a sociedade civil e membros do governo que assumirá a
prefeitura daqui a poucos dias.
O auditório tem ainda muitos lugares vazios, duas
amigas da terceira idade se encontram com certa facilidade. “Chegamos cedo, mas
é bom porque é capaz de lotar”, afirma entusiasmada uma delas.
As duas
sentam. “Pensei que estaria lotado”, é a frase que vem na sequência. 5 minutos
se passam, uma terceira amiga se aproxima e comemora o encontro. Ela fala
baixinho e apesar da proximidade apenas ouço duas palavras: “guardar lugar”.
18:15 e o auditório já não parece o mesmo, as três parecem ansiosas.
O coordenador geral da Rede Nossa São
Paulo, Oded Grajew, abre o evento e destaca a desigualdade como o maior
problema de São Paulo. “Há territórios com índices de primeiro mundo e outros
em situação bastante precária. Para se ter uma ideia, a diferença da
expectativa de vida na cidade chega a 25 anos”.
Estão presentes o futuro secretário de Planejamento
e Gestão, Paulo Uebel, que será o coordenador do Programa de Metas 2017-2020, e
Marcos Campagnone, que coordenou a elaboração do plano de governo. Após a posse
em 1° de janeiro, o governo tem 90 dias para apresentar o Programa de Metas,
com base na Lei Orgânica do Município. “Das 10 cidades com as melhores taxas de
qualidade de vida, 9 possuem programas de metas. Os planos têm em comum a visão
de longo prazo e a territorialização, com a criação de indicadores regionais,
além do envolvimento da sociedade civil, da imprensa e do poder público”,
pontuou Uebel.
O abismo de todo dia
A apresentação do mapa da desigualdade na abertura
do evento funciona como um alerta sobre o panorama real da cidade e seus
desafios. “O mapa é de fundamental importância para a elaboração do Programa de
Metas”, destaca Oded Grajew.
Para o gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo,
Américo Sampaio, o mapa permite visualizar com facilidade o quão desigual é a
cidade. “34 distritos aparecem de maneira recorrente com os piores indicadores.
Esses deveriam ser os distritos onde de fato a prefeitura se empenhasse em
ampliar o investimento público, promovendo melhoria na qualidade de vida,
direitos e cidadania”.
Distritos com os piores indicadores
A desigualdade entre os distritos supera as 6.000
vezes, por exemplo, no índice que trata da disponibilidade de acervo de livros
para adultos, pela rede municipal. O distrito da Sé tem quase 8 exemplares por
habitante do distrito, enquanto no Jardim São Luís a oferta é de 0,01. A
recomendação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) é de dois livros, per capita. 36 distritos revelaram indicador 0, ou
seja, não possuem livros à disposição via prefeitura. No levantamento não estão
contabilizadas as bibliotecas dos CEUs.
Número de vezes em que o distrito aparece entre os
30 piores distritos nos 40 indicadores avaliados. Fonte: Rede Nossa São Paulo.
No indicador Favelas, a variação chega a 604,43
vezes. Pinheiros conta com 0,081% de domicílios em favelas sobre o total
de domicílios da região. Enquanto Vila Andrade, a menos de 15 quilômetros,
revela 49,10% de seu território constituído por favelas, quase a metade.
11 distritos possuem o indicador zero.
Quando a desigualdade cai para os dois dígitos, a
realidade não deixa de ser cruel. O abismo na mortalidade infantil chega a
14,85 vezes. Pinheiros registra 1,59 óbitos de crianças com menos de um ano em
cada 1.000 crianças nascidas vivas de mães residentes. No outro extremo está o
Pari com 23,65 óbitos.
A expectativa de vida mencionada por Oded se refere
à variação entre o Alto de Pinheiros, onde o tempo médio de vida é de 79,67
anos, e a Cidades Tiradentes, lugar em que as pessoas vêm a òbito em média aos
53,85 anos. A variação aqui é de 1,48 vezes. A média da expectativa nacional
chega aos 75 anos.
Novo estudo dos organizadores do evento analisou o
documento com as 280 propostas do plano de governo do prefeito eleito,
protocolado no Tribunal Regional Eleitoral, e trouxe uma síntese daquelas com
potencial de serem transformadas em metas. “O programa traz um conjunto de
intenções, de sinalizações e o que nós estamos tratando aqui é de meta. Fizemos
esse levantamento para entender quais propostas têm a característica de
quantificável, mensurável, que podem servir como base para o futuro Programa de
Metas”, reforçou Sampaio. 115 propostas foram relacionadas pela Rede Nossa São
Paulo com tal perfil, independente do conteúdo.
A direção da mudança
Um dos pontos altos do evento foi a apresentação
das Propostas da Sociedade Civil para a Gestão Municipal. O documento assinado
por 72 organizações traz as prioridades para a cidade em 37 tópicos, a partir
de três eixos: Planejamento, Transparência, Participação, Controle Social
e Combate à Desigualdade; Prioridade à Preservação da Qualidade de Vida;
Respeito e Promoção dos Direitos Humanos. Um dos itens se refere à utilização
do Mapa da Desigualdade de São Paulo para eleger prioridades e implementar o
conjunto básico de equipamentos e serviços públicos em cada um dos 96 distritos
do município.
10 propostas com perfil de meta
Durante a leitura do documento pela coordenadora
adjunta do Instituto Avisa Lá – voltado para a formação continuada de
professores da rede pública na educação infantil – Cisele Ortiz, a menção à
implementação do Plano Municipal de Educação mobilizou a plateia que respondeu
com aplausos. Outro destaque do primeiro grupo de medidas é a regulamentação do
Artigo 10 da Lei Orgânica do Município, que inclui colocar em prática a
utilização dos instrumentos de democracia direta, tais como o referendo e
plebiscito.
As medidas quanto à preservação da qualidade de
vida têm início com o tópico Implementar o Plano Municipal de Mudanças
Climáticas. A manutenção da política de diminuição da velocidade nas ruas,
avenidas e marginais do município em evidência desde o período eleitoral também
integra o grupo.
Na área de direitos humanos, a leitura sobre o
protagonismo da prefeitura na discussão relacionada à violência policial também
registrou aplausos. A promoção de políticas públicas de inclusão dos idosos que
garantam o envelhecimento ativo e saudável também foi comemorada pela plateia,
mas em especial pelas três amigas mencionadas no início deste texto.
Afinal elas estavam ali lutando por direitos… não apenas os próprios, mas de
todos que já envelhecem e de tantos outros que vão trilhar o mesmo caminho
nessa cidade. Afinal a médio e longo prazo, envelhecer em uma cidade que
ofereça mais qualidade de vida – para quem continuar ali vivendo – é o
melhor que pode acontecer.
* Cibele Quirino é
jornalista freelancer pós-graduada em Meio Ambiente e Sociedade pela Fundação
Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP/SP). Possui experiência
também como coordenadora de comunicação de eventos de grande porte. É autora de
biografias da série de livros “Me conte a sua história”, programa voluntário
com foco no bem-estar de idosos que vivem em instituições de longa permanência.
Fonte: ENVOLVERDE
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