A seca
extrema avança no Nordeste.
Por Miguel Martins —
Nem sempre uma fogueira de São João serve de
metáfora aos castigos da seca sobre a terra ardente, como cantava Luiz Gonzaga
em Asa Branca. Em Sousa, município do Sertão da Paraíba, a tradicional festa
popular serviu em 2015 de alento para quem espera a volta de chuvas abundantes
na região.
Após cinco anos de estiagem no Nordeste, o
município lançou o programa São João das Águas. Em lugar de contratar atrações
musicais com cachês astronômicos, a prefeitura preferiu convocar trios de forró
com músicos locais a preços modestos. A economia serviu para bancar a
perfuração de 130 poços para captação de água, inaugurados sob o ritmo do
triângulo e da zambumba.
Com os açudes em colapso, o Semiárido sofre com a
estiagem prolongada. Foto: Manuel Porto/ Divulgação.
O programa foi capaz de suprir as necessidades da
população, enquanto o açude São Gonçalo, principal fonte de abastecimento de
água da cidade, encontrava-se praticamente seco. O nível do reservatório voltou
a subir neste ano e chegou a perto de um terço de sua capacidade.
Ao se considerar o volume dos reservatórios
próximos, muitos deles em situação de aridez completa, a realidade dos
moradores de Sousa é relativamente confortável, ao menos por enquanto.
Um dos idealizadores do São João das Águas,
Fernando Perisse, ex-diretor do Departamento de Água, Esgoto e Saneamento
Ambiental de Sousa, afirma que a carência de água em cidades próximas deve
incentivar migrações para regiões que ainda possuem recursos hídricos. “O
problema é o efeito dominó: com os açudes da Paraíba em colapso, a rede de
poços que criamos passa a interessar a outros moradores da região.”
Prestes a entrar em seu sexto ano consecutivo de
estiagem, o Nordeste convive com a seca mais prolongada dos últimos cem anos. Segundo
a atualização de outubro do Monitor de Secas, da Fundação Cearense de
Meteorologia e Recursos Hídricos, todos os estados nordestinos sofrem
atualmente com a chamada seca excepcional, classificação utilizada quando a
estiagem resulta em uma situação emergencial, que inclui perdas de cultura e
escassez de água em reservatórios, córregos e poços. Em Pernambuco, o estado
mais afetado, 90% do território apresenta o quadro mais grave de seca.
Diversos açudes na região estão em situação
crítica. Dos 107 açudes pernambucanos, 67 estão em estado de colapso: operam a
menos de 10% de sua capacidade. Na Paraíba, o panorama é semelhante.
Dos 126
reservatórios estaduais, apenas 30 têm capacidade armazenada superior a 20% de
seu volume total. Atualmente, 67 açudes operam com menos de 5% de suas
capacidades.
O impacto da estiagem sobre a produção agropecuária
no Nordeste impressiona. Um levantamento recente da Confederação Nacional dos
Municípios aponta que, entre 2013 e 2015, a estiagem causou um prejuízo de
103,5 bilhões de reais na região.
O prejuízo equivale à soma do Produto Interno Bruto
dos estados de Alagoas, Piauí e Sergipe. Setor mais atingido, a agricultura teve
prejuízos de 74,5 bilhões de reais. Na pecuária, foram perdidos 20,4 bilhões
com a morte e queda no valor dos animais.
Mesmo estados que historicamente não costumam
apresentar estiagens graves têm sofrido com a falta de chuvas. No Maranhão, 60%
do território encontrava-se, em agosto, em situação de seca extrema.
Segundo um
relatório do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos, em agosto de 2014
e 2015 não foi registrada no estado uma situação de estiagem que merecesse a
classificação emergencial.
O baixo índice de chuvas entre outubro de 2015 e a
primeira metade deste ano impactou fortemente a produção na região sul do
Maranhão: apenas 50% dos 700 hectares previstos para a safra de soja foram
plantados e as perdas no setor da pecuária foram estimadas em 50 milhões de
reais.
Marcio Honaiser, secretário de Agricultura,
Pecuária e Pesca do Maranhão, afirma que o retorno recente das chuvas na região
sul do estado, onde se encontram as principais atividades rurais, deu novo
fôlego para os produtores. “Buscamos o governo federal para garantir o
adiamento das dívidas agrícolas e pecuárias, mas ainda falta um gesto mais
concreto do Planalto para auxiliar a região.”
Embora o Ministério da Integração Nacional tenha
disponibilizado recentemente 30 bilhões de reais para mitigar os efeitos da
seca, a transposição do Rio São Francisco, principal obra federal para
abastecer o Nordeste, ainda não foi concluída.
A Agência Nacional de Águas prorrogou até março de
2018 o início da operação do projeto. Uma das principais bandeiras dos governos
de Lula e Dilma Rousseff, o empreendimento pode assegurar o abastecimento de
água para 12 milhões de moradores dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e
Rio Grande do Norte, justamente aqueles mais afetados pela estiagem dos últimos
anos.
A demora na transposição da água nos quatro estados
tem relação com a Lava Jato. Envolvida nas investigações, a construtora Mendes
Júnior informou ao Ministério da Integração Nacional não ter condições de dar
prosseguimento às obras e abriu mão dos contratos de captação de água em
Cabrobó, em Pernambuco, e Jati, no Ceará. Os trechos paralisados do
empreendimento serão relicitados.
Segundo Perisse, a transposição pouco influenciaria
atualmente na situação de desabastecimento.
Principal fonte prevista de
captação do São Francisco para suprir as necessidades de pernambucanos e
paraibanos, o reservatório de Sobradinho, na Bahia, tem capacidade armazenada
inferior a 5,5%.
“Se as obras estivessem prontas, ainda assim a água não
chegaria no Semiárido.”
Preocupado com o colapso em andamento, Perisse
alerta para o descaso em relação aos moradores da região. “Vivemos essa
situação em um momento no qual uma direita extremamente antinordestina ganha
força no Brasil. Da forma como está, o Semiárido vai virar um deserto.”
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário