Cúpula da
biodiversidade debate novas tecnologias.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Cancún, México, 13/12/2016 – A biologia sintética,
a geoengenharia e o reconhecimento dos saberes ancestrais são os temas mais
debatidos na 13ª Conferência das Partes (COP 13) do Convênio sobre Diversidade
Biológica (CDB), que terminará no dia 17, neste balneário. O desenlace desses
assuntos ocorrerá esta semana, na reta final da reuniõ que desde o dia 2 recebe
a COP 13, e outros encontros e fóruns internacionais vinculados à riqueza
natural do planeta.
Para os países do sul em desenvolvimento, esses
temas são vitais, devido aos capitais biológico e cultural que concentram em seus
territórios e que podem ser desprezados se forem permitidos dentro da estrutura
do CDB. “Em uma escala de um a dez, diríamos que estamos em quatro. As
negociações estão lentas. Necessitamos que sejam agilizadas e sigam em favor da
população”, apontou à IPS o venezuelano Santiago Obispo, dirigente da não
governamental Rede de Cooperação Amazônica.
Quanto à biologia sintética (synbio, em
inglês), governos, representantes acadêmicos, da sociedade civil e de indígenas
temem seu impacto devastador em ecossistemas e meios de vida das comunidades
locais. Essa disciplina consiste em engenharia biológica assistida por
computadores para desenhar e construir formas sintéticas de vida, partes vivas,
artefatos e sistemas que não existem na natureza.
Da Conferência das Nações Unidas sobre
Biodiversidade, em Cancún, no México, participaram delegados governamentais,
representantes de organismos internacionais e da sociedade civil de todos os
continentes, para apresentarem suas novas propostas para cuidar da riqueza
biológica. Foto: Emilio Godoy/IPS
Atualmente, há pesquisa sobre a criação de sabor
sintético de baunilha, cuja produção industrial ameaça o bem-estar de
camponeses de países como Comores, China, Madagascar, México, Reunión e Uganda.
Também há pesquisas semelhantes sobre o vetiver, um fragrância utilizada em
produtos cosméticos e cuja versão biossintética golpeará produtores no Brasil,
China, Haiti, Indonésia, Japão, Índia e Reunión.
Além disso, aparecem, dentro dessa tecnologia de
laboratório, os chamados impulsionadores genéticos, aqueles capazes de alterar
permanentemente espécies mediante o impulso de um “caráter” específico dentro
do processo reprodutivo dos organismos. Isso possibilita que sejam esses genes
alterados os herdados por toda a descendência. O temor de seus críticos é que
sejam eliminadas espécies ou ecossistemas com sequelas imprevisíveis.
Em Cancún, onde se reúnem mais de 6.500 delegados
oficiais e representantes sociais de mais de 160 organizações não
governamentais, acadêmicas e de povos indígenas, foi pedida uma moratória sobre
experimentos que envolvam biologia sintética, como a desses impulsionadores
genéticos. Nos debates da COP 13, os blocos africano e caribenho, secundados
por El Salvador, Bolívia e Venezuela, se pronunciaram a favor dessa moratória,
mas Austrália, Brasil e Canadá lideram a pressão pela aceitação da synbio
dentro do CDB.
Um tema que obteve unanimidade entre os Estados
parte é a rejeição às sequências genéticas digitais, estruturas moleculares
criadas com programas de computador. Na Declaração de Cancún que é negociada
não se inclui a palavra “moratória” à bioengenharia e aos impulsionadores
genéticos, mas se faz um convite aos Estados para adiarem esse tipo de
pesquisa.
Os delegados dos 196 Estados parte do Convênio
sobre a Diversidade Biológica apertam o passo para alcançar acordos sobre a
preservação e o aproveitamento da biodiversidade do planeta, na reunião de
cúpula que terminará no dia 17, em Cancún, no México. Foto: Emilio Godoy/IPS
Em COPs anteriores, que acontecem a cada dois anos,
o CDB adotou uma aproximação cautelosa sobre os efeitos positivos e negativos
da synbio e pediu às partes avaliações científicas em torno dela. Para
Barbara Unmüssig, uma das presidentes da Fundação Heinrich Böll, vinculada ao
Partido Verde alemão, a cúpula de Cancún será um sucesso se o CDB adotar
enfoques cautelosos sobre a engenharia biológica e a geoengenharia.
“A COP 13 deve sair com uma forte postura para
dizer às empresas globais em busca da biologia sintética e da geoengenharia que
devem adotar passos para avaliá-las e estabelecer moratórias. Se essas
moratórias forem confirmadas, mostrará que é uma convenção com determinação e
que não está a favor de certas tecnologias”, opinou à IPS a ativista alemã.
A geoengenharia representa a manipulação
intencional, em grande escala, dos sistemas do planeta para combater a mudança
climática, mediante técnicas de manejo da radiação solar, remoção de
gases-estufa e modificação climática. Durante a COP 9, realizada na cidade
alemã de Bonn, em 2008, o CDB adotou uma moratória para a fertilização
oceânica, uma técnica de geoengenharia, e outra dois anos depois, na reunião de
Nagoya, no Japão, uma posição que não mudará em Cancún.
No entanto, os representantes dos povos originários
realizam uma grande atividade nesse encontro, em defesa de seus direitos em
seus territórios e como guardiões de sua biodiversidade. A Bolívia propôs a
criação de um órgão ad hoc responsável pelos temas indígenas, depois que
os grupos ancestrais já conseguiram o reconhecimento do CDB do conceito “povos
indígenas e comunidades locais” como atores de direitos, em uma demanda que
conta com apoio de suas organizações em todo o mundo.
Porém, mesmo com esse reconhecimento, há problemas
para que os povos originários possam dar seu consentimento às políticas de
proteção e aproveitamento da biodiversidade em seus territórios. O termo
“livre”, dentro do proposto consentimento prévio, livre e informado, bloqueia
as negociações pela rejeição liderada pelos Estados asiáticos e africanos.
“Queremos que haja um equilíbrio de visões, que
haja um balanço sério e responsável para fortalecer a participação de povos
indígenas”, ressaltou à IPS o chefe da delegação da Bolívia na COP 13, Diego
Pacheco, vice-ministro de Planejamento e Desenvolvimento. A Conferência de
Cancún acontece quando é cumprida a primeira metade da Década das Nações Unidas
sobre Biodiversidade 2011-2020.
Vários estudos divulgados por ocasião da cúpula
evidenciam que o mundo continua destruindo os ecossistemas, apesar dos esforços
conservacionistas. A esse respeito, o mundo descumprirá 60% das Metas de Aichi,
como são conhecidos os 20 pontos do Plano Estratégico para a Diversidade
Biológica 2011-2020, adotado em 2010 pelos Estados partes do CDB e que se
referem ao cuidado da riqueza natural, à participação dos povos indígenas e ao
aproveitamento sustentável, entre outros.
“É uma negociação que afetará a biodiversidade na
Terra. Não podemos permitir que o CDB tente mercantilizar a biodiversidade, que
se coloque um preço”, insistiu Obispo. Umüssig recomendou enfrentar as causas
da perda da riqueza biológica. “Temos que deter os principais fatores de
destruição da biodiversidade. Se realmente estamos interessados em manter os
ecossistemas, temos que pensar em medidas adequadas contra a superexploração da
pesca e contra o cultivo de transgênicos”. E denunciou que isso ocorre porque
“a agroindústria procura se apoderar de terras para destiná-las à monocultura
em todo o mundo”.
Para Pacheco, o CDB não deve impor “um modelo
homogêneo, pois tem que ouvir as alternativas, mas há forte influência dos
países desenvolvidos”. Temas como o reconhecimento dos polinizadores naturais e
a designação de áreas marinhas avançam sem maiores contratempos. No primeiro
caso, valorizou-se a importância da agroecologia, da manutenção de seus habitat
e “evitar ou reduzir” o uso das substâncias tóxicas usadas na agricultura, os
agrotóxicos. No segundo caso, destacou-se a transcendência do planejamento
marinho. Em Cancún, decidiu-se que o Egito será a sede da COP 14, em 2018.
Fonte: ENVOLVERDE
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