Meninas
trocam sexo por pescado e dinheiro.
Por Diana Wanyonyi, da IPS –
Kwale, Quênia, 30/11/2016 – Hafsa Juma é uma das
muitas adolescentes que vendem seus corpos por um pouco de pescado e algumas
moedas na praia de Gasi, às margens do Oceano Índico, no Quênia. Com 15 anos,
ela é a mais velha de três irmãos e quem sustenta a família. Vestida com o
tradicional dera, vestido na língua swahili, e um lenço no cabelo, está
sentada do lado de fora da casa onde vive no condado de Kwale, sobre um tapete
e debaixo de um sol abrasador.
Há mais de uma semana que tem febre e dor de cabeça
e espera que o sol alivie os arrepios, já que seus pais estão desempregados e
são muito pobres para poderem pagar um médico. Juma contou como eles,
especialmente sua mãe, a obrigam a conseguir alimentos oferecendo favores
sexuais aos pescadores.
“Meus pais não estão bem e por isso não tem comida
em casa, e eu tenho que buscar algo pequeno para levar. Por isso saio às oito
da noite e volto à meia-noite. Tenho um cliente por noite. Quando aceita minhas
condições, me paga com 200 chelines (cerca de US$ 2) e meio quilo de pescado”,
contou, evitando o contato visual, essa jovem que terminou apenas a escola
primária, em 2014.
“Em geral vou à praia de Gasi quase todos os dias”,
afirmou Juma, que contou ter começado com o trabalho sexual há dois anos “Em um
mês, se trabalho bem, consigo cinco mil chelines quenianos (aproximadamente US$
50), e não tenho problemas com isso”, afirmou. Sua conversa com a IPS foi
interrompida pela chegada de um barco verde, com os pescadores que trazem a
captura da noite, e mulheres, homens e crianças se aproximam com cestas para
comprar peixe fresco.
A maioria dos clientes de Juma é de pescadores da
vizinha Tanzânia, que chegam a Gasi uma vez por ano durante a temporada das
monções e ficam por três meses, de dezembro a março, para pescar e vender o que
capturam. Quando vão embora, seus clientes mudam e costumam ser motociclistas
que transportam passageiros, aqui conhecidos como bodaboda.
“Quando quero me afastar de casa e ir para qualquer
lugar, subo em uma motocicleta. Quando estou para chegar ao meu destino, o
motociclista concorda em trocar sexo por dinheiro. Me dá 100 chelines, e faço o
mesmo com diferentes bodaboda para regressar”, contou Juma.
A esse respeito, o vice-presidente da Unidade de
Administração da Praia Gasi, Iddi Abdulrahman Juma, disse que vê “cerca de dez
meninas que vêm à praia comprar pescado, o que também é perigoso. Algumas delas
já estão grávidas e outras infectadas com doenças mortais”. Ele também
responsabilizou os pais por encarregá-las dessa tarefa e colocar as meninas em
situações de vulnerabilidade.
“A idade das meninas envolvidas na exploração
sexual comercial é de 12 a 17 anos”, acrescentou o funcionário, que realiza uma
capacitação com a organização não governamental Scope (Fortalecendo o
Empoderamento e a Associação Comunitária), voltada à luta contra esse problema
social.
Na praia de Gasi, às margens do Oceano Índico, no
Quênia, as pessoas esperam a chegada dos pescadores para comprar peixe fresco.
Foto: Diana Wanyonyi/IPS
A 20 quilômetros dali, na zona de Karanja, também
no condado de Kwale, Asumpta Pendo, de 14 anos, varre uma choça, que é um mangwe,
segundo contou, um lugar onde se vende um tradicional vinho de palma conhecido
como mnazi. Ela também é trabalhadora sexual para levar comida à mesa da
família e deve suportar clientes que frequentemente estão bêbados. Sua mãe
também a obriga a vender mnazi.
“Parei de estudar no sétimo ano, porque minha mãe
não podia me mandar à escola e éramos pobres.
A vida é dura. A maioria dos meus
clientes é de tomadores de vinho de palma. Em um dia, costumo ter um ou dois.
Alguns preferem usar camisinha, mas outros se negam. Costumam me dar entre US$
1 e US$ 12 pela noite”, explicou a jovem. “Se não quero vender mnazi aos
clientes aqui em casa, minha mãe me bate e até se nega a me dar comida. Por
mais que não goste do que faço, tenho que fazer porque precisamos sobreviver”,
contou, resignada.
Um estudo realizado em 2009 pela rede End Child
Prostitution (Acabar com a Prostituição Infantil), que reúne várias
organizações da sociedade civil, concluiu que entre 10 mil e 15 mil meninas das
zonas costeiras do Quênia participavam do turismo sexual. Além disso, a Scope
se associou à organização holandesa Terre des Hommes (TDH) para implantar um
programa que acabe com a exploração sexual infantil em três áreas: Matunga,
Msambweni e Lunga Lunga. A iniciativa contempla conscientizar a comunidade e
chamar a população local para erguer suas vozes contra esse abuso.
O problema é grave nesse condado, popular por suas
praias limpas e arenosas, pontuou Emanuel Kahaso, coordenador do programa da
Scope para acabar com o comércio sexual. “Em 2006, segundo o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), havia 50 mil menores vítimas de exploração
sexual e 30 mil que vendiam seus corpos nas zonas costeiras”, detalhou.
“Nossa organização encontrou mais de 15 mil meninas
que participam do turismo sexual na faixa costeira do sul do Quênia”, observou
o coordenador. E explicou que, “devido às tradições e aos tabus, os pais não
falam abertamente com seus filhos sobre saúde reprodutiva e, por esses mesmos
tabus, os responsáveis não são presos”.
Alguns lugares especiais, onde são consumidas
drogas, clubes noturnos e discotecas, bem como os bodaboda, atraem as
menores para o trabalho sexual. Numerosas fontes coincidem em afirmar que os
pais iniciam suas filhas no turismo sexual e na prostituição, além de
obrigá-las a se casar precocemente.
“O problema se exacerba por questões culturais,
tradicionais e tribais impregnadas de preconceitos de gênero, que favorecem a
exploração sexual de menores. O analfabetismo é alto, são muitos os problemas
econômicos e raramente são cumpridas as leis que protegem a infância”, lamentou
Kahaso.
No hospital de referência de Msambweni, Saumu
Ramwendo, da Scope, ajuda e informar as meninas e as adolescentes sobre
questões de saúde sexual e exploração sexual. A organização trabalha com cerca
de 360 vítimas e com outras 500 que estão em risco.
Fonte: ENVOLVERDE
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