sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Irrigação de cana com esgoto doméstico tratado economiza água, reduz consumo de adubo e emissão de gases do efeito estufa.

Esgoto doméstico tratado pode ser usado para irrigar plantações de cana-de-açúcar de modo a produzir benefícios ambientais e ganhos maiores para o produtor, mostram duas teses de doutorado defendidas na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp. Entre as vantagens para o meio ambiente do uso de esgoto, estão a economia de água, da redução do consumo de adubo, da poluição e da emissão de gases do efeito estufa.

“O sistema que usamos, gotejamento subsuperficial, também reduz o risco de contaminação” do agricultor ou das águas subterrâneas pelo esgoto, explicou ao Jornal da Unicamp o autor de uma das teses, Eduardo Augusto Agnellos Barbosa, que ao lado do autor do outro trabalho, Leonardo Nazário Silva dos Santos, acompanhou a reportagem numa visita ao local do experimento: uma área da Feagri onde foram montados uma pequena estação de tratamento de esgoto e os equipamentos necessários para levar o efluente ao campo plantado com cana. As pesquisas foram orientadas pelo professor Edson Eiji Matsura.

“O esgoto é transportado por tubulações, não havendo contato do trabalhador rural com o líquido”, disse Eduardo. “E o gotejamento subsuperficial entrega a água diretamente no sistema radicular. É como se estivéssemos pondo a comida bem na boca da planta”, acrescentou. “Controlando corretamente a lâmina de irrigação e a profundidade de instalação do gotejador, não há perda do efluente”, acrescentou Leonardo.

“O solo atua como um filtro natural desse efluente”, complementou. “E como a cana possui alta capacidade de absorção de nutrientes, acaba sendo um casamento perfeito”. Como todo o equipamento de irrigação, no campo plantado, é subterrâneo, o sistema também possibilita que os tratos culturais, inclusive a colheita, sejam mecanizados.

Mesmo após as etapas de tratamento a que é submetida, a água do esgoto chega à raiz da planta carregada de nutrientes, especialmente o nitrogênio, que, se lançados nos rios, poderiam causar proliferação de algas, bactérias e levar à poluição. Aplicando o efluente na irrigação, não só se evita isso, como se reduz a necessidade de adubo das plantas, já que os nutrientes presentes no esgoto cumprem esse papel. Além disso, o equipamento de irrigação montado na Feagri permite complementar a necessidade nutricional da planta, caso o efluente não aporte a quantidade necessária.

Aplicação no solo
Com a irrigação, o solo pode vir a representar “uma alternativa para a disposição do esgoto”, escreve Leonardo em sua tese. “A maior extração de nutrientes pela planta e posterior exportação do campo para as indústrias minimizam as perdas de nutrientes para o ambiente e os possíveis danos ambientais”.

Na pesquisa de Leonardo, foram avaliadas duas profundidades de instalação do tubo gotejador, os atributos físicos e o desenvolvimento radicular da cana-de-açúcar submetida à aplicação de efluente. Observou-se que a instalação do tubo gotejador a 0,2 m de profundidade disponibilizou água na região de maior desenvolvimento radicular e reduziu as perdas do líquido.

Os pesquisadores não observaram alterações no índice de qualidade do solo, pois os parâmetros sódico-salinos do solo irrigado com esgoto estavam dentro dos limites adequados para o cultivo da cana-de-açúcar. Além disso, os trabalhos mostraram que não houve alterações nas propriedades físicas do solo e limitações no desenvolvimento do sistema radicular da cana-de-açúcar.

“No sistema convencional de plantio, há uma maior poluição das águas, por causa da disposição do adubo”, disse Eduardo. No plantio tradicional, os nutrientes são aplicados sobre o solo, e parte desse material pode acabar indo parar em rios e lagos, especialmente depois de chuvas. Ao evitar a adubação por cobertura, o sistema de gotejamento reduz a perda de nitrogênio por lixiviação – dissolução na água e erosão – do nitrato e volatilização do óxido nitroso, além de evitar a emissão de gases do efeito estufa.

“A aplicação de esgoto traz um leve incremento na emissão de dióxido de carbono”, reconhece Eduardo. “Mas há uma boa redução do óxido nitroso, que é um potente gás do efeito estufa. No sistema tradicional, o nitrogênio é aplicado sobre o solo, todo de uma vez. Utilizando o gotejamento subsuperficial para aplicar o esgoto, o nitrogênio entra aos poucos durante o ciclo de cultivo, o que aumenta a eficiência da aplicação. No balanço entre as entradas e saídas de gases do efeito estufa, o saldo nos cultivos irrigados é maior que no plantio convencional”.

Em sua tese, Eduardo mostra que, dos três métodos de cultivo testados – irrigação com esgoto, irrigação com água de reservatório e o tradicional, com adubação na superfície do solo – o que menos emite gases de efeito estufa é o de irrigação com água de reservatório e o maior emissor, o método com adubo aplicado em superfície.

De acordo com a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos, o óxido nitroso tem um potencial de aquecimento global 310 vezes maior que o do dióxido de carbono. Ainda segundo a EPA, 8% das emissões mundiais de gases causadores do efeito estufa são de óxido nitroso, ante quase 80% de dióxido de carbono. A tese de Eduardo também avaliou a chamada “pegada hídrica”, o consumo de água no cultivo da cana, e concluiu que a irrigação com esgoto apresenta a menor pegada.

A questão do consumo de água também foi uma preocupação central na tese de Leonardo. Como ele escreve em seu trabalho, “a reutilização de água proveniente de estações de tratamento de esgoto apresenta-se como opção para reverter o quadro de escassez e, ainda, proporcionar benefícios sociais e ambientais, pois constitui num método que minimiza a poluição nos mananciais e possibilita a liberação de recursos hídricos de melhor qualidade para atividades mais nobres”, como o abastecimento de água potável.

Produtividade

Os pesquisadores lembram que estudos anteriores já haviam mostrado que a irrigação pode aumentar a produtividade da cana-de-açúcar. “O rendimento médio da produção de cana-de-açúcar no Brasil é baixo quando comparado aos resultados obtidos em pesquisas de cana-de-açúcar irrigada”, escreve Eduardo, em sua tese. Leonardo, por sua vez, cita autores para quem “a irrigação se torna uma prática essencial para manutenção e aumento da produtividade dos cultivos, principalmente de espécies com grande importância econômica como a cana-de-açúcar”.

No experimento de irrigação com água de esgoto, foi constatada uma maior produtividade na comparação com o método tradicional de plantio. “Com a irrigação, consegue-se mais de 200 toneladas de cana por hectare”, disse Eduardo, citando que a produtividade média no Estado de São Paulo fica em torno de 80 toneladas por hectare. Em sua tese, ele cita um estudo realizado em Lins, no interior paulista, que encontrou “baixa contaminação com metais pesados no esgoto doméstico tratado e acréscimo de produtividade de aproximadamente 50% em relação ao cultivo tradicional”.

Na área plantada na Unicamp para o experimento dos pesquisadores, é possível ver como as plantas de cana-de-açúcar irrigadas com esgoto são maiores – mais altas e mais grossas – do que as cultivadas pelo método tradicional. Na Feagri, a plantação não irrigada produziu 160 toneladas de cana por hectare, ante mais de 200 toneladas do cultivo irrigado.

Sistema

O esgoto usado no experimento realizado na Feagri foi o produzido na Unicamp, pela Faculdade de Engenharia Agrícola e algumas unidades próximas. “Incluindo banheiros, água da limpeza e resíduos dos diversos laboratórios existentes”, disse Eduardo. O tratamento do líquido passou por três etapas: decantação, reatores anaeróbicos – onde bactérias atacam o efluente – e um tanque de macrófitas, plantas que absorvem grandes quantidades de nutrientes da água.

“É um sistema simples de tratamento, que pode ser utilizado em qualquer propriedade”, disse Leonardo. Também há um estágio de filtragem, mais adiante, antes que a água chegue às plantas, além de uma etapa na qual o efluente pode ser enriquecido com outros nutrientes, caso necessário.

Com os resultados das duas teses, “a gente já consegue dizer que é um sistema viável, que pode e deve ser implementado” no Brasil, disse Eduardo. Mas adoção da tecnologia requer, além da avaliação da situação particular de cada produtor – se o esgoto gerado em sua propriedade é suficiente, se tem as características nutricionais adequadas – uma regulamentação para aplicação de esgoto na agricultura, destacam os autores.

“Não temos uma lei específica para o uso do esgoto na agricultura”, explicou Eduardo. “Um dos nossos objetivos é estabelecer padrões para o uso desse efluente” que possam servir de subsídio para a legislação nacional, disse ele, lembrando que países como Estados Unidos, México e Israel já têm regras para o aproveitamento do esgoto na produção rural.

Quanto ao futuro do pequeno canavial experimental da Feagri, o pesquisador disse que seria interessante instalar uma destilaria no local. “Não para fazer cachaça”, brinca, “mas etanol. Além de servir como laboratório para os estudantes interessados em agroindústria, não seria interessante abastecer os carros da universidade com álcool feito aqui, a partir de cana irrigada com esgoto?”

Publicações:

Tese: “Sustentabilidade ambiental da produção de cana-de-açúcar irrigada com esgoto doméstico tratado via gotejamento subsuperficial”;

Autor: Eduardo Augusto Agnellos Barbosa;

Tese: “Irrigação da cana-de-açúcar com esgoto tratado por gotejamento subsuperficial”;

Autor: Leonardo Nazário Silva dos Santos;

Orientador: Edson Eiji Matsura;

Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri).

  • Texto:
  • Fotos:
  • Edição de Imagens:
Diana Melo


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