A mineração em unidades de
conservação: como não comprometer oportunidades futuras?
por
Redação do IHU On-Line
“20% de toda a área das
unidades de proteção (integral e terra indígena) no Brasil tem algum registro
de interesse minerário”, informa a pesquisadora Joice Ferreira.
O Projeto de Lei – PL 3682 proposto em 2012, de
autoria do deputado Vinicius Gurgel (PR-AP), que dispõe sobre mineração em
unidades de conservação, visa alterar o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação – SNUC para permitir a exploração mineral em 10% das unidades de
proteção integral. “Esta legislação proposta contraria totalmente o princípio
que justifica a criação destas unidades, além de sobrepor interesses
particulares em detrimento dos interesses coletivos de ter um meio ambiente
equilibrado”, adverte Joice Ferreira em entrevista à IHU On-Line, concedida por
e-mail.
A pesquisadora lembra que a lei 9.985, conhecida
como SNUC ou Sistema Nacional de Unidades de Conservação, “contempla todos os
critérios e normas para a gestão de unidades de conservação”, com o objetivo
principal de “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos
seus recursos naturais. Portanto, uma área de proteção integral não pode por
lei ser objeto de exploração direta dos recursos naturais”.
Recentemente, a pesquisadora, juntamente com Toby
Gardner, realizou um estudo avaliando 500 unidades de conservação integral e
580 reservas indígenas. Dessas, “47% e 43%, respectivamente, possuem registro
de interesse minerário em seu interior”, informa.
Joice aponta a Estação Ecológica do Grão-Pará,
“maior reserva de floresta tropical no mundo, com 42.458 Km2”, e a Estação
Ecológica do Jarí, na divisa entre Pará e Amapá, como as áreas de maior
interesse das mineradoras. Somente a Estação Ecológica do Jarí “possui mais de
70% dos seus quase 2.300 Km2 de área com registro de interesse documentado
junto ao DNPM”. Entre as terras indígenas que são alvo de interesse das
mineradoras, a pesquisa menciona a reserva Yanomami, entre Amazonas e Roraima,
que “possui interesse registrado em 27.600 km2, que corresponde a quase 30% de sua
área. O mesmo ocorre para várias aldeias dos Kayapós no Pará”.
Joice Ferreira é bióloga, pesquisadora da Embrapa
Amazônia Oriental, em Belém, Pará. Também é professora do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal do Pará – PPGCA.
IHU On-Line – Quais reservas e
unidades de conservação estão ameaçadas por conta do avanço da mineração e da
construção de hidrelétricas no país?
Joice Ferreira - O nosso estudo avaliou mais de 500 unidades de
conservação integral e cerca de 580 reservas indígenas no país. Destas, 47% e
43%, respectivamente, possuem registro de interesse minerário em seu interior.
Posso listar algumas dessas reservas onde as maiores áreas de sobreposição
foram observadas. No caso das unidades de proteção integral, a Estação
Ecológica do Jarí, por exemplo, na divisa entre Pará e Amapá, possui mais de
70% dos seus quase 2.300 Km2 de área com registro de interesse documentado
junto ao DNPM. Nesta reserva foi encontrado interesse em 30% de sua área total.
Outro caso importante é a Estação Ecológica do Grão-Pará, maior reserva de
floresta tropical no mundo, com 42.458 Km2. Entre as terras indígenas, a
reserva Yanomami, por exemplo, entre Amazonas e Roraima, possui interesse
registrado em 27.600 km2, que corresponde a quase 30% de sua área. O mesmo ocorre
para várias aldeias dos Kayapós no Pará. Mesmo que apenas uma pequena parte da
área com interesse registrado seja convertida, a magnitude do impacto é motivo
para preocupação. As usinas hidrelétricas atingem rios ligados a muitas áreas
protegidas, por exemplo, na região do Tapajós.
IHU On-Line – Você chama a atenção para o fato de
que 20% das zonas de conservação integral e terras indígenas — somente na
Amazônia — poderão ser degradadas por conta da exploração de minério e da
construção de hidrelétricas. Quais comunidades seriam afetadas?
Joice Ferreira - A nossa pesquisa mostrou que 20% de toda a área
das unidades de proteção (integral e terra indígena) no Brasil tem algum
registro de interesse minerário. Somente na Amazônia a sobreposição corresponde
a mais de 8% da área de proteção integral e 28% das terras indígenas; isso
significa, caso os projetos de lei em tramitação no congresso avancem e sejam
aprovados, na Amazônia, uma área de mais de 34.000 Km2 de proteção integral
(aproximadamente o tamanho da Suíça) e de mais de 280.000 km2 de terras
indígenas — uma área maior do que o Reino Unido ou o estado de São Paulo.
As áreas de proteção integral (Parques, Estações
ecológicas), ao contrário das Terras Indígenas, não possuem pessoas morando em
seu interior, mas ainda assim nossa preocupação é que esse impacto atinja
amplas áreas fora das unidades de conservação, incluindo comunidades mais
pobres e, portanto, vulneráveis. Os pedidos de prospecção (exploração mineral
propriamente dita) certamente podem não se concretizar em toda essa área onde
foi manifestado interesse em pesquisas minerais.
Mas o principal ponto que o artigo chama a atenção
é para o potencial dos efeitos indiretos a partir de grandes empreendimentos
nestes biomas. Assim, considerando que grandes obras, sejam de mineração ou
energia, vêm acompanhadas da migração de trabalhadores, construção de estradas,
portos etc., o potencial de dano pode ser muito grande, particularmente se não
houver um rigor nas práticas de operação das empresas e uma ação governamental
forte adequada para garantir um desenvolvimento sustentável.
Outro aspecto muito importante é o respeito aos
direitos das comunidades indígenas. O número de casos de conflitos de terras
com essas comunidades é imenso e vemos uma mobilização grande nos últimos anos
por parte dos povos indígenas, que temem perder mais os seus direitos, com a
proposta de mudança na constituição. Enfim, as perspectivas de crescimento do
setor mineral e o nível de interesse mostrado em nosso trabalho nas terras
indígenas indicam as chances de intensificação dos conflitos no futuro.
IHU On-Line – Qual é a legislação específica acerca
da proteção das reservas e unidades de conservação?
Joice Ferreira - É a lei 9.985, de 2000, conhecida como SNUC ou
Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Esta legislação contempla todos os
critérios e normas para a gestão de unidades de conservação. É essa lei que
institui que as unidades de proteção integral têm o objetivo principal de
preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos
naturais. Portanto, uma área de proteção integral não pode por lei ser objeto
de exploração direta dos recursos naturais.
O nosso artigo discute especificamente um projeto
de lei (PL3682) proposto em 2012 que visa alterar o SNUC para permitir a
exploração mineral em 10% das unidades de proteção integral. Esta legislação
proposta contraria totalmente o princípio que justifica a criação destas
unidades, além de sobrepor interesses particulares em detrimento dos interesses
coletivos de ter um meio ambiente equilibrado.
IHU On-Line – De que maneira o novo Código da
Mineração pode causar mais impacto nas reservas brasileiras?
Joice Ferreira - Em relação ao Código da Mineração, o mesmo é
contido no Projeto de Lei n° 5.807, de 2013, que vem substituir o Código
Mineral antigo datado de 1967. A criação deste novo instrumento é justamente
para garantir o crescimento da mineração, criando um marco legal favorável ao
setor. O Código da Mineração em si (PL 5807) trata mais especificamente do
contexto institucional e econômico do setor. Em termos de legislação, o nosso
artigo enfoca mais especificamente outro projeto de lei – PL 3682, de 2012 —
esse sim propõe permitir a exploração mineral em 10% de cada unidade de
proteção integral. De qualquer forma, o mais importante a se considerar é que,
tomando todas essas medidas juntas, uma conjuntura vem sendo fortemente criada
em favor do setor mineral. E a proposta do PL 3682 modificando o SNUC impacta
diretamente as áreas protegidas brasileiras.
IHU On-Line – O PL 3682 contempla alguma questão
sobre os impactos ambientais e, especificamente, os impactos às reservas?
Joice Ferreira - Este PL traz uma proposta de compensação na qual
os empreendedores da mineração entregariam para a União uma área com dobro do
tamanho da área utilizada nas reservas. No artigo, discutimos como essa
proposta está longe de ser efetiva. Primeiro, porque a maior preocupação que
temos é com os efeitos indiretos difíceis de estimar a extensão e que podem
expor áreas preservadas a uma degradação acelerada em curto tempo. Segundo,
explorar recursos de uma área protegida para conservar em outra área foge de
qualquer princípio da conservação ambiental. As áreas protegidas normalmente
são escolhidas por apresentarem características próprias e especiais em termos
de conservação, seja em termos de conservar uma biodiversidade alta, espécies
ameaçadas de extinção, espécies raras ou conservar recursos naturais
importantes para a sociedade de forma geral.
IHU On-Line – Dados divulgados na imprensa informam
que de 500 unidades de conservação existentes no país, 236 já receberam algum
tipo de pedido de sondagem de empresas de mineração. Como você interpreta esses
pedidos?
Joice Ferreira - Vejo esses pedidos como um sinal preocupante de uma
possível estratégia preparatória para agir a partir de uma conjuntura favorável
a grandes empreendimentos minerários e de energia em um futuro próximo.
IHU On-Line – Além dos danos diretos às reservas
por conta da exploração de minério ou construção de hidrelétricas, é possível
mensurar os danos indiretos? Quais são eles?
Joice Ferreira - Infelizmente, não há muitos estudos neste campo e
é algo realmente difícil de estimar. Mas podemos antecipar que grandes
empreendimentos ou empreendimentos que abranjam amplas áreas são normalmente
acompanhados por muitas mudanças, a começar pelo fluxo migratório de pessoas
para o local. Já temos uma boa noção do que ocorre como resultado do
crescimento populacional humano e as obras de infraestrutura que se seguem. Há vários
estudos científicos mostrando o papel das estradas nas mudanças ambientais e a
relação destas pressões com o desmatamento e a degradação florestal (queimadas,
exploração madeireira). Se considerarmos a possível interação dessas mudanças
com as mudanças climáticas previstas, o resultado pode ser muito preocupante.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Joice Ferreira - É importante ressaltar que a pressão para o
desenvolvimento “tradicional” com lucros mais imediatos vê apenas os benefícios
econômicos de curto prazo, a partir de uma visão mais estreita. Fazer a opção
por manter a integridade completa de áreas protegidas é optar pelos ganhos de
longo prazo, onde muitos dos benefícios não são sentidos no presente. Todos
sabem do potencial que as florestas apresentam em termos de gerar renda, mas
estes ainda não se concretizam facilmente no presente. Por isso há normalmente
uma interpretação equivocada ou um “falso dilema” de que as unidades de
conservação representariam entraves ao desenvolvimento. E quando nos damos
conta de que as próprias atividades produtivas requerem insumos naturais (p.
ex., água, insetos benéficos) que estão justamente nestas áreas naturais
protegidas? Enfim, é muito importante que sejam feitas escolhas acertadas para
não comprometer as oportunidades futuras. Para tanto é muito importante que o
governo realize análises de custo-benefício de forma participativa das
diferentes obras, sejam usinas ou minas, sempre considerando o benefício
trazido pelos ambientes naturais.
Fonte: IHU On-Line
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