Carta Aberta da SBEnBio e ABRAPEC
contra proposta de obrigatoriedade do ensino do criacionismo na educação básica.
Carta Aberta da SBEnBio e ABRAPEC Contra
a PL do Pastor Feliciano
A Associação Brasileira de Ensino de Biologia
(SBEnBio) e a Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências
(ABRAPEC) levam ao conhecimento de seu posicionamento contrário ao Projeto de
Lei 8099/2014 encaminhado em 13 de novembro de 2014 ao Congresso Nacional pelo
deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP).
A Associação Brasileira de Ensino de Biologia
(SBENBIO) e a Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências
(ABRAPEC) levam ao conhecimento de seu posicionamento contrário ao projeto de
lei 8099/2014 encaminhado em 13 de novembro de 2014 ao Congresso Nacional pelo
deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP).
Diante do Projeto de Lei 8099/2014 encaminhado no
último dia 13 de novembro ao Congresso Nacional pelo deputado federal Marco
Feliciano (PSC-SP), que torna obrigatório o ensino do criacionismo na educação
básica pública e privada do país, a SBEnBio e a ABRAPEC vêm publicamente
expressar sua posição contrária a este Projeto de Lei, pelas razões enumeradas
a seguir:
1) O primeiro ponto a se destacar diz respeito ao
conflito do Projeto de Lei 8099/2014 com a natureza jurídica da República
Federativa do Brasil. O Brasil é um país laico, ou seja, não adota religião
oficial, conforme a previsão do art. 5º , VI, da CF: “ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”.
O tema da laicidade do Estado brasileiro também se relaciona na Constituição
Federal com as normas contidas no art. 210, par. 1º e no art.19, inc. I: “é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (…)
estabelecer cultos religiosos ou igrejas”.
2) Então o que temos, antes de mais nada, é um
direito fundamental (e, portanto, uma cláusula pétrea que, enquanto tal, impede
até mesmo a deliberação pelo Congresso de uma proposta de emenda constitucional
tendente a aboli-lo), que consagra a inviolabilidade da liberdade de
consciência e de crença. Em nome desse direito é que a Constituição Federal
(art. 19) instituiu a vedação aos entes federados (União, estados, municípios e
DF) de estabelecer cultos religiosos ou igrejas e, também, de subvenciona-los.
É uma obviedade: para assegurar o direito fundamental à liberdade de crença e
de religião, é necessário tratar todas elas da mesma forma.
3)Da mesma forma, o Estado não determina ao aluno
da rede pública o aprendizado da religião católica ou evangélica, ou outras.
Quando o art. 210, par. 1º , prevê que o ensino religioso é de matrícula
facultativa na rede pública, ele quer, antes de tudo, assegurar o direito
fundamental à liberdade de crença/religião. Ele quer reafirmar sua postura
neutra diante da possibilidade do ensino religioso nas escolas. O dispositivo
em questão não veda o ensino religioso na escola, mas, caso se decida instituir
o ensino religioso nas escolas, tal opção não pode em hipótese alguma
prestigiar essa ou aquela religião. Vale dizer, ou se ensina todas as
religiões, ou não se ensina nenhuma. O projeto de lei do deputado assume
tacitamente o ensino do criacionismo na educação básica restringindo-o apenas à
sua interpretação cristã, o que viola flagrantemente essa condição.
4) Deste modo, um projeto de lei que determina a
instituição de UMA determinada crença religiosa em todo o sistema público de
ensino é flagrantemente inconstitucional, por violar frontalmente o conteúdo do
art. 5º , inc. VI, da Constituição da República. Sua instituição não poderia se
dar nem mesmo por emenda constitucional, já que o direito em questão é
assegurado por cláusula pétrea e, com isso, é vedada até mesmo a hipótese de
deliberação de proposta de emenda que tivesse conteúdo tendente a abolir a inviolabilidade
da liberdade de crença/religião.
5) ) Ao lado dos argumentos de ordem jurídica, o
texto do Projeto de Lei 8099/2014 demonstra seu profundo desconhecimento sobre
o tema, pois o deputado, pastor do Ministério Catedral do Avivamento, afirma
que hoje vigora nos currículos escolares o “evolucionismo”, propagando que “a
vida originou-se de uma célula primitiva que se pôs em movimento pelo BigBang”.
Ou, segundo ele, “em termos mais simples, os seres vivos provieram da matéria
inorgânica, e das plantas se originaram os animais e, por fim, dos animais
teria provido o homem”. Em defesa do seu projeto, o parlamentar alega que as
“as crianças que frequentam as escolas pública (sic) tem se mostrado confusas,
pois aprendem nas suas respectivas escolas noções básicas de evolucionismo,
quando chegam a suas respectivas Igrejas aprendem sobre o criacionismo em rota
de colisão com conceitos de formação escolar e acadêmica”. Deste modo, segundo
o pastor Feliciano, ensinar apenas o “evolucionismo” nas escolas é atentar
contra a liberdade de crença de “nosso povo, uma vez que a doutrina
criacionista é a predominante em todo o nosso país”. Mais adiante, seu texto
defende que não é contra o ensino do “evolucionismo”, mas a favor da inclusão
do criacionismo em nome da defesa da liberdade de escolha em uma sociedade
democrática.
6) Ao contrário do que está exposto no PL
8099/2014, a “teoria do evolucionismo” NÃO é uma crença e, portanto, não tem
fundamento dizer que “ensinar apenas a teoria do evolucionismo nas escolas é
violar a liberdade de crença”.
7) A concepção de evolução apresentada no PL
8099/2014 é totalmente equivocada em relação aquela que é aceita pela
comunidade científica.
8) De igual modo, não tem fundamento dizer que o
ensino de evolução ameaça “o direito de escolher em que acreditar”.
9) É evidente que o espaço escolar deve estar
sempre aberto ao debate e ao contato com os mais variados pontos de vista
trazidos pelos alunos sobre os temas nele ensinados, inclusive os discordantes
e conflitivos. Todos que conhecem minimamente a realidade escolar sabem que
essa atitude há muito não representa qualquer novidade no conjunto de práticas
adotadas por muitos profissionais no seu cotidiano. Deste modo, em certo
sentido, os diferentes pontos de vista religiosos (e muitos de outra natureza)
já se fazem presentes na maioria das salas de aula de diversas maneiras,
fazendo parte das inquietações e visões de mundo de nossos alunos.
10)Entretanto, explorar uma falsa oposição
obrigatória entre o conhecimento científico e o pertencimento religioso e
alegar que o último não encontra condições de se expressar no ambiente escolar
é apelar de modo desleal para um falso argumento a fim de defender, em nome da
pluralidade, uma agenda política marcada pelo proselitismo religioso, que tem
como uma de suas principais marcas negar outros pontos de vista ou
desqualificá-los.
11)Do mesmo modo, apresentar o ensino da evolução
biológica na educação básica como necessariamente limitador das visões de mundo
dos alunos é ingênuo e incorreto, uma vez que para muitos deles a escola
representa um dos poucos espaços de acesso a visões de mundo diferentes
daquelas a que estão acostumados em outros espaços. Algo que os verdadeiros
defensores do debate deveriam acolher e defender.
12)Ao contrário do que proclama o texto da
PL8099/2014, seu objetivo não é o debate (que na verdade já existe na maioria
das escolas), mas sim a ocupação por movimentos religiosos institucionalizados
dos mais diversos espaços (a escola e seu currículo são apenas alguns deles), na
defesa política de um determinado modelo de sociedade. Não se enganem os
incautos. Isso não é um embate entre Religião e Ciência e muito menos um debate
sobre a defesa da pluralidade. Esse episódio exibe a marca de uma disputa entre
os arautos de uma agenda política que se apresentam como defensores da Religião
e da pluralidade a fim de angariar seguidores e aqueles que se opõem a ela.
Pelos motivos acima expostos, o projeto de lei
apresentado pelo deputado Marco Feliciano representa uma tentativa de ingerência
indevida do proselitismo religioso na educação básica pública e privada. Nós,
professores e pesquisadores que trabalhamos com o ensino de Ciências,
envolvidos verdadeiramente em todos os debates relacionados à sua construção e
diálogo com outras perspectivas, só podemos rejeitá-lo.
Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2014.
Sandra Escovedo Selles – Presidente da ABRAPEC
Marco Antonio Leandro Barzano – Presidente da
SBEnBio
Nota: Para ler a carta completa, no original,
clique aqui.
Fonte: EcoDebate
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