quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Mudanças climáticas, acordo EUA-China, COP-21 e o Paradoxo de Giddens, artigo de José Eustáquio Diniz Alves.
A Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Rio 1992, adotou o chamado “Princípio da Precaução” definido como: “Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental”.

Desta forma, naquela época, mesmo ainda não estando totalmente claro o processo de aquecimento global, a Conferência do Rio forneceu instrumentos para mitigar as mudanças climáticas. Foi criada a Conferência Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas visando a estabilização da concentração de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera. Ficou decidido que os 194 países-membros da Convenção do Clima se reuniriam anualmente nas reuniões chamadas Conferência das Partes (COP) para deliberar sobre as ações em defesa da atmosfera terrestre.

Na COP-3, ocorrida na cidade de Kyoto, em 1997, foi aprovado o Protocolo de Kyoto, que estabelecia metas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa até o ano de 2012. Com base na ideia das “Responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, foi estabelecido que os países desenvolvidos deveriam arcar com as maiores responsabilidades na redução de GEE e na transferência de recursos aos países em desenvolvimento.

Porém, os Estados Unidos não ratificaram o documento, com a alegação de que isto prejudicaria o crescimento econômico nacional. Já a China, como país em desenvolvimento, não tinha obrigações de corte de emissões. Portanto, os dois maiores poluidores do mundo ficaram livres para continuar poluindo o Planeta e as emissões globais de dióxido de carbono, pela queima de combustíveis fósseis, passaram de 23 bilhões de toneladas em 1992 para 36 bilhões de toneladas em 2013. Neste sentido, o Protocolo de Kyoto pode ser considerado um fracasso.

Além disto, houve um deslocamento geográfico da origem das emissões, com o “Norte Global” diminuindo participação relativa e o “Sul Global” aumentando suas emissões absolutas e relativas. Estados Unidos, União Europeia, Rússia e Japão reduziram a percentagem de emissões, enquanto China, Índia e o resto do Terceiro Mundo aumentaram suas cargas de poluição. O caso da China é impressionante, pois subiu de 11% das emissões globais para 26% (mais do que a soma de Estados Unidos e União Europeia). Estados Unidos e China respondem por 40% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2).
Neste contexto, um acordo climático, conforme anunciado em 11 de novembro de 2014, entre os dois gigantes da poluição mundial é uma notícia auspiciosa no sentido de tentar evitar uma a catástrofe climática.

No acerto sino-americano, assinado em Pequim pelos presidentes Barack Obama e Xi Jinping, os Estados Unidos se comprometem a diminuir suas emissões entre 26% e 27% até 2025, em relação aos níveis de 2005, ampliando a proposta de redução para além da meta de 17% até 2020 feita anteriormente. A China se comprometeu a começar a redução de emissões a partir de 2030 – podendo, inclusive, antecipar esta data – e ter 20% de energia limpa em sua matriz energética no mesmo ano. Xi Jiping, presidente chinês, afirmou que o país instalará até 1.000 GW (gigawatt) de energias limpas até 2030.

Se olharmos para a falta de resultados concretos das negociações anuais da Convenção do Clima (adotada na Rio/92), o acordo EUA-China apresenta um avanço e pode ajudar no processo de negociação da 20ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP20 que vai acontecer entre os dias 01 e 12 de dezembro de 2014, em Lima, Peru.

Não resta dúvidas que as duas superpotências da degradação ambiental dão sinais de preocupação com o possível colapso climático e começam a buscar saídas. Enquanto isso, o Brasil vai na direção contrária, pois destrói seus recursos hídricos, aumenta o desmatamento e piora sua matriz energética, fazendo do petróleo (do pré-sal) e das hidrelétricas na Amazônia a alternativa para a continuidade do modelo econômico classificado como “desenvolvimentismo ecocida e antropocêntrico”.

Em artigo reproduzido no jornal Folha de São Paulo, o economista keynesiano Paul Krugman disse sobre o acordo: “O princípio que acaba de ser estabelecido é muito importante. Até agora, aqueles de nós que argumentavam que era possível induzir a China a aderir a um acordo internacional sobre o clima estavam apenas especulando. Agora os chineses mesmos disseram que estão de fato dispostos a negociar – e os oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles não estão falando sério”.

Krugman continua o argumento favorável às negociações: “Eu sei, eu sei. A terminologia empregada pelos chineses foi um tanto vaga, e os níveis de emissões pretendidos são muito mais altos do que os especialistas em meio ambiente desejam. De fato, mesmo que o acordo funcionasse exatamente como pretendido, o planeta ainda sofreria uma alta extremamente prejudicial em sua temperatura. Mas considere a situação. Os Estados Unidos não são exatamente o parceiro mais confiável nesse tipo de negociação, já que grupos que negam a mudança no clima controlam o Congresso e a única perspectiva de ação no futuro próximo, e talvez por muitos anos, dependeria de decretos do Executivo. (Para não mencionar a possibilidade de que o próximo presidente bem pode ser um inimigo do meio ambiente que reverteria tudo que o presidente Barack Obama venha a fazer). Enquanto isso, a liderança chinesa precisa lidar com os nacionalistas do país, que odeiam qualquer sugestão de que o Ocidente dite políticas a uma nação recentemente transformada em superpotência. Assim, o que temos aqui é mais uma declaração de princípios do que uma formulação de futuras políticas. Mas o princípio que acaba de ser estabelecido é muito importante. Até agora, aqueles de nós que argumentavam que era possível induzir a China a aderir a um acordo internacional sobre o clima estavam apenas especulando. Agora os chineses mesmos disseram que estão de fato dispostos a negociar – e os oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles não estão falando sério. Seria desnecessário dizer que não espero que os suspeitos habituais reconheçam que uma grande porção do argumento dos antiambientalistas acaba de desabar. Mas desabou. Esta foi uma boa semana para o planeta”.

Esta longa citação do artigo de Krugman serve para mostrar como é difícil encontrar um ponto de negociação entre os Estados Unidos e a China e como é trabalhoso lidar com as oposições políticas internas, mesmo para um acordo que é limitado em termos de deter o aquecimento global no longo prazo. O caminho é cheio de sobressaltos.

De modo geral, o acordo foi comemorado pelos ambientalistas. Segundo Joe Romm, do site Think Progress, o novo acordo climático histórico entre EUA-China muda a trajetória das emissões globais de poluição de carbono, aumentando muito as chances de um acordo global na COP-21, em Paris, em 2015. 

O acordo poderá diminuir, cumulativamente, cerca de 640 bilhões de toneladas de emissões de CO2 do ar neste século. Quando se adiciona a recente decisão da União Europeia (EU em inglês) de reduzir até 2030 as emissões totais em 40% abaixo dos níveis de 1990, tem-se o compromisso dos países que representam mais da metade de todas as emissões globais, o que, por sua vez, coloca pressão sobre todos os demais países.

O compromisso chinês de investir na geração de eletricidade livre de emissões de carbono também é uma virada de jogo. Isto permitirá o crescimento exponencial das energias renováveis (como solar e eólica) nas próximas décadas e o avanço do processo de descarbonização. Mas este processo de mudança da matriz energética não está livre de armadilhas como mostra Gail Tverberg (2014).
O acordo EUA-China aumenta muito a chance de haver uma boa negociação para substituir o Protocolo de Kyoto, viabilizando um caminho de menor emissões que podem estabilizar os níveis de CO2 e manter o aquecimento global perto de 2° C. Ele garante que a energia de menor carbono será a nova fonte de energia dominante nas próximas décadas. Ainda segundo Romm, os ativistas do clima certamente compartilham essa conquista, mas vão continuar em vigilância contínua, pois as forças anticiência e os interesses da indústria dos combustíveis fósseis já se alinharam contra ele e o caminho para a estabilização real dos níveis de concentração de CO2 na atmosfera é muito longo.

De fato, nada está garantido no sentido de mitigar o aquecimento global, pois o lobby dos interesses da acumulação de lucros querem continuar com o processo de dominação e exploração da natureza. Além disto, a maior parte da população mundial está mais interessada em garantir acesso ao paraíso consumista do que em mudar o modelo “desenvolvimentista ecocida e antropocêntrico”.

Historicamente as pessoas só se mobilizam quando a “água bate no pescoço”, como diz o ditado popular. 

Esta frase é uma maneira simples de se entender o “Paradoxo de Giddens”, que pode ser resumido da seguinte maneira: como os perigos mais graves do aquecimento global não são visíveis no dia a dia, embora possam levar a civilização ao colapso, as pessoas não apoiam as ações necessárias para revertê-lo; mas, esperar seus efeitos mais visíveis e sérios para então tomar uma atitude será tarde demais.

As negociações entre EUA e China e as declarações do G20 sobre a necessidade de mitigar o aquecimento global são bem-vindas. Mas podem ser apenas uma forma que os governantes encontram para procrastinar e adiar as ações verdadeiramente necessárias. Nada garante, por exemplo, a efetividade da promessa da China de cortar as emissões depois de 2030.

O Brasil prometeu reduzir a poluição, mas as emissões brasileiras de gases de efeito estufa aumentaram 7,8% em 2013 na comparação com o ano anterior, de acordo os dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa), na contramão dos números do Ministério da Ciência, que atualizou recentemente o Inventário Nacional. Até agora, as promessas nacionais e internacionais são apenas intenções incapazes de mudar o rumo que pode nos jogar na catástrofe climática.

Todavia, vamos torcer para que as negociações internacionais sejam bem-sucedidas, que o Brasil reverta seu processo de desmatamento e de dependência dos hidrocarbonetos e que as pessoas não morram afogadas pelos efeitos das tempestades, furacões e elevação do nível do mar e nem morram de sede e fome devido à crise hídrica, às queimadas, à erosão dos solos e ao processo de desertificação. As catástrofes climáticas podem ser potencializadas pelos eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, causadas pelo aumento das atividades antrópicas danosas ao meio ambiente, decorrentes do desenvolvimentismo demoeconômico que tem provocado um holocausto biológico.

Referências:

Paul Krugman. China, carvão, clima. FSP, 14/11/2014

Joe Romm. Why The U.S.-China CO2 Deal Is An Energy, Climate, And Political Gamechanger, site Think Progress, 12/11/2014

Gail Tverberg. Eight Pitfalls in Evaluating Green Energy Solutions, blog, 18/11/2014

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br


Fonte: EcoDebate

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