terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Produção de biocombustíveis prejudica culturas alimentares no Mato Grosso.
Publicação elaborada pela Action Aid e pela FASE questiona a sustentabilidade ambiental e social desse tipo de energia.
A publicação “Biocombustíveis: energia que não mata a fome”, produzida pela ActionAid e pelo programa da FASE em Mato Grosso, aborda a produção de biocombustíveis a partir da soja e da cana-de-açúcar, cultivadas em monoculturas do agronegócio. Com foco no Mato Grosso, a publicação demonstra como estas produções afetam o espaço ecológico e social que as cerca. O estado é o principal produtor de grãos, detentor de um quarto da área total plantada no país. 

Também é o oitavo maior produtor de cana de açúcar, com 80% da produção localizada nos municípios da Bacia do Alto Paraguai.

A pesquisa observa que, enquanto a soja, o milho e a cana-de-açúcar, matérias-primas para os biocombustíveis, crescem no Mato Grosso, a produção de alimentos, como o arroz, feijão e a mandioca, caem. “A produção diversificada de outros alimentos, como frutas, legumes e verduras, também é extremamente reduzida em relação às necessidades de consumo da população do estado”, destaca um trecho do estudo, assinado por Sergio Schlesinger.

Ainda que o foco do estudo seja o Mato Grosso, com trabalhos de campo em Mirassol D’Oeste e região, o relatório contextualiza a realidade do setor no Brasil, que desponta como o segundo maior e o maior produtor e exportador de soja e cana-de-açúcar, respectivamente. E que essas produções vêm crescendo, sobretudo da soja. Na safra 2012/13, a soja chegou a ocupar mais de 52% da área total plantada com grãos do país. A soja também representa, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), 73,1% do volume de matérias-primas utilizadas na produção brasileira de biodiesel.

Impactos à agricultura familiar
Plantação de cana-de-açúcar. (Foto Sergio Schlesinger).

De acordo com o estudo, é frequente a contaminação de lavouras de alimentos através do lançamento de agrotóxicos por aviões. A prática também contamina rios, reduzindo as colônias de peixes, causando chuvas ácidas, dentre outros problemas. “Esse ano, eu não sei se foi o veneno, o que aconteceu: o quiabo, a abóbora, a laranjeira não está dando nada. O vento traz o veneno que eles jogam de avião pra madurar a cana. Eu tenho vontade de plantar, mas desse jeito fica difícil. 

Feijão não pode plantar, porque o veneno prejudica, não dá”, conta Ailton Basílio da Costa morador do Assentamento Roseli Nunes, localizado em Mirassol D’Oeste.

O relatório indica a relação direta entre o aumento da produção das monoculturas de cana e soja e o declínio da produção de alimentos: quanto mais cresce o agronegócio na região, mais se enfraquece a agricultura familiar. Como exemplo, destaca que em Lucas do Rio Verde, outro município mato-grossense, 90% de todos os alimentos consumidos por seus habitantes vêm de centros de abastecimento distantes, como de São Paulo e Curitiba.

Sergio Schlesinger questiona o discurso de conciliação entre a convivência entre a agricultura familiar e o agronegócio. Para ele, é preciso tomar lado: “A realidade nos mostra um panorama que torna evidente a necessidade de fazer escolhas, estimulando algumas atividades, inibindo ou regulamentando outras”.
Desmatamento e pesticidas nas monoculturas ameaçam os rios. (Foto: Segio Schlesinger).

Além dos agrotóxicos, a pesquisa também cita a contaminação das águas pela vinhaça, utilizada como fertilizante na produção de cana, e constata que, para cada litro de etanol produzido, são gerados dez a 15 litros de vinhaça. Cita também a queima da palha de cana, que causa sérios problemas respiratórios, além de gerar alta concentração de ozônio na atmosfera.

Energias limpas?

A pesquisa questiona os biocombustíveis como energias limpas, já que os impactos sociais e ambientais da prática da monocultura com uso de agrotóxicos não costumam entrar nessa conta. Para Vilmon Alves Ferreira, da FASE em Mato Grosso, é urgente a revisão do modelo de produção de monocultivos para produção de biocombustíveis.

“Da forma como são produzidos, não podem ser chamadas de energias limpas, renováveis, verdes ou alternativas. Está claro que elas também destroem o meio ambiente e a produção de alimentos, com enormes prejuízos sociais. Nessa questão, acreditamos ser central o debate sobre como são produzidos, com quais objetivos e a que modelo de desenvolvimento os agrocombustíveis têm atendido”, destaca.

Em diálogo com a publicação “Biocombustíveis: energia que não mata a fome”, a ActionAid produziu uma animação sobre o tema. Segundo Maíra Martins, coordenadora da equipe de Políticas da organização no Brasil, o objetivo do trabalho é tentar comunicar, de forma criativa, as contradições dos biocombustíveis e os impactos sobre a produção de alimentos. “Dizem que eles são combustíveis limpos e uma alternativa, por emitirem menos CO2, mas, na verdade, seu processo de produção tem uma série de impactos”, reforça.

Fonte: Fase Nacional

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