quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Boas ações não aliviam a fome crescente no Zimbábue.
por Busani Bafana, da IPS
Os mercados são fundamentais para os pequenos agricultores do Zimbábue. Foto: Busani Bafana/IPS.

Bulawayo, Zimbábue, 3/2/2015 – Com a agricultura como um dos motores de seu crescimento econômico, o Zimbábue precisa investir nos pequenos agricultores que alimentam o país, afirmam especialistas. A agricultura representa quase 20% do produto interno bruto (PIB) desse país, pelas divisas das exportações de tabaco. Mais de 80 mil agricultores se registraram para cultivá-lo na nova colheita.

Apesar da expansão do cultivo de tabaco, a escassez de alimentos continua afetando o país, especialmente desde 2000, quando a produção agrícola não atingiu sua meta após a controvertida reforma agrícola que implicou a passagem de terras de proprietários brancos para agricultores negros. A redução da produção foi atribuída às secas, mas a falta de apoio aos produtores contribuiu para o déficit alimentar e a necessidade de importação de milho todos os anos.

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) informou, em 2014, que “a fome chegou ao seu máximo em cinco anos, com um quarto da população rural, cerca de 2,2 milhões de pessoas, estimadas, sofrendo escassez de alimentos”. Mas o vice-ministro da Agricultura, Paddington Zhanda, questionou os dados. “Os números (das pessoas necessitadas) são exagerados. Não há crise. Se houvesse, teríamos pedido ajuda como fizemos antes. Teremos uma das melhores colheitas em anos”, declarou.

O PMA projetou ajudar 1,8 milhão de pessoas, dos 2,2 milhões com fome, mas a escassez de fundos só permitiu chegar a 1,2 milhão. Em 2014, o governo interveio comprando milho nos países vizinhos. O Zimbábue esteve entre os principais importadores desse grão, comprando da África do Sul 482 toneladas entre julho e setembro, sendo superado somente pela República Democrática do Congo.

O economista especialista em agricultura Peter Gambara explicou que “custa US$ 800 produzir um hectare de milho, assim, dois milhões de hectares custariam US$ 1,6 bilhão”. E pontuou que “o governo só subsidia parte dos insumos necessários, mediante o Programa Presidencial de Insumo. O restante fica por conta de empresas privadas, dos próprios agricultores, bem como por remessas de filhos e familiares no exterior”. Os insumos são os fertilizantes e as sementes de milho.

Para o presidente do Sindicato de Agricultores Comerciais do Zimbábue, Wonder Chabikwa, a preocupação é que muitos dos afiliados não podem comprar no mercado o necessário por problemas de liquidez. Os insumos totalmente gratuitos terminaram em 2013.

Vincular a agricultura à redução da pobreza é um dos primeiros Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), com a meta de reduzir pela metade o número de pessoas que sofrem fome entre 1990 e 2015. De fato, todos os objetivos estão relacionados direta ou indiretamente com a agricultura. Esta atividade contribui para o êxito do primeiro ODM por meio do crescimento econômico e de uma alimentação melhor.

“O governo deve investir em irrigação e infraestrutura, como estradas e armazéns”, afirmou Gambara. “Com a provisão de insumos, o governo fez mais do que devia pelos pequenos agricultores. O Programa Presidencial de Insumos permitiu ao país conseguir excedente de 1,4 milhão de toneladas de milho no ano passado”, destacou. Isto, segundo o ministro da Agricultura, Joseph Made, devido às boas chuvas.

A venda da produção é o maior desafio para os agricultores, apontou Gambara, que recomendou regular os mercados públicos como Mbare Musika, em Harare, por intermédio da Autoridade de Comercialização Agrícola (AMA). O economista afirmou que o governo deve manter os insumos gratuitos para as pessoas mais velhas, os órfãos e outros setores vulneráveis, e também deve considerar empréstimo para os demais pequenos produtores, que poderão devolver o dinheiro após a venda de sua colheita.

“Isso ajudará o país a reconstruir a Reserva Estratégica de Grãos, administrada pela Junta de Comercialização de Grãos”, disse Gambara. “Mas o governo não pôde pagar aos agricultores a tempo de entregarem a produção. Essa é uma área que deve ser melhorada. Não tem sentido fazer os agricultores produzirem milho se não poderão vendê-lo”, acrescentou.

Na Declaração de Maputo sobre Agricultura e Segurança Alimentar na África, de 2003, os governantes africanos se comprometeram a melhorar o desenvolvimento agrícola e rural com investimentos. Esse documento contém várias decisões importantes, entre as quais se destaca o “compromisso de destinar pelo menos 10% do orçamento nacional à implantação de políticas de desenvolvimento rural e à agricultura nos próximos cinco anos”.

Mas apenas uns poucos dos 54 Estados membros da União Africana (UA) cumpriram esse compromisso nos últimos dez anos. Entre eles Burkina Faso, Gana, Guiné, Mali, Níger, Etiópia, Malawi e Senegal. Segundo Gambara, como signatário desse instrumento, o Zimbábue devia ter feito mais para canalizar recursos para a agricultura desde 2000, quando empreendeu a segunda etapa da reforma agrícola.

“A maioria dos (novos) agricultores negros não tinha os recursos nem o conhecimento para cultivar como faziam os brancos e, nesse cenário, o governo precisou investir em pesquisa e extensão para capacitar os novos produtores, além de oferecer programas para os empoderar, por exemplo, mediante mecanização e fornecimento de insumos”, afirmou o economista.

Everson Ndlovu, pesquisador do Instituto de Estudos de Desenvolvimento na Universidade Nacional do Zimbábue de Ciência e Tecnologia, disse à IPS que o governo deveria investir em represas, pesquisa em tecnologias para coletar água, desenvolvimento de gado, educação e capacitação, auditorias de terras e restauração de infraestrutura.

Também disse que houve sinais de que instituições europeias e outras internacionais estavam dispostas a ajudar o Zimbábue, mas o frágil ambiente político e econômico os fez manter distância. 

“O contexto deve mudar para facilitar transações adequadas. Precisamos criar um ambiente propício para que o negócio desempenhe seu papel”, afirmou Ndlovu. “O governo deve entregar títulos de propriedade para que os agricultores possam destravar recursos e fundos dos bancos locais”, acrescentou.

O analista econômico John Robertson contou à IPS que, “desde a reforma agrária, temos que importar a maioria dos alimentos. O governo precisa destinar fundos para desenvolver infraestrutura a fim de ajudar a agricultura e outros setores”. Antes da reforma, o Zimbábue tinha quase um milhão de agricultores locais, número ao qual se somaram cerca de outros 150 mil com a entrega de parcelas A1 e A2 da Reforma Agrária.

As A1 foram divididas em 150 mil propriedades de seis hectares para pequenos agricultores, e com as A2 se buscou criar fazendas comerciais com a entrega de maiores extensões de terra a cerca de 23 mil produtores negros. “São necessários empréstimos para pagar empregados que façam todo o trabalho, mas a fazenda não tem renda, então a maioria dos pequenos agricultores trabalha dentro dos limites de suas famílias. Isso faz com que mantenham sua pequena escala e continuem sendo relativamente pobres”, ressaltou Robertson.


Fonte: ENVOLVERDE

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