quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Iniciativa pretende analisar o impacto das mudanças climáticas sobre os manguezais.
por Fundação Grupo Boticário
Manguezais brasileiros são foco de estudo que analisará impacto das mudanças climáticas em ecossistemas costeiros. Foto: Haroldo Palo Jr.

Estudo vai usar como indicador biológico o caranguejo-uçá, espécie bastante sensível às alterações do clima. Os manguezais são berçários de vida marinha e funcionam como barreira natural para ondas e ressacas.

Conhecer os efeitos exatos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas e sua biodiversidade ainda é algo complexo. Para mudar essa realidade, Marcelo Pinheiro, professor doutor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), será o responsável pelo estudo do impacto das alterações do clima em duas áreas de manguezal: Estação Ecológica Juréia-Itatins (SP) e Estação Ecológica de Guaraqueçaba (PR). Essas unidades de conservação estão localizadas no Lagamar, complexo estuarino que é um dos maiores berçários de vida marinha do planeta. O projeto será executado com o apoio de Setuko Masunari, professora doutora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, cuja equipe será responsável pela análise da área de manguezal paranaense.

O objetivo do estudo é analisar os efeitos das mudanças climáticas para o  caranguejo-uçá (Ucides cordatus), crustáceo muito sensível às alterações de habitat. “Iremos acompanhar essa espécie durante quatro anos nessas duas regiões para entender como ela vai se comportar”, explica Pinheiro. A pesquisa é apoiada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Pinheiro estuda a espécie desde 1998 e já foi responsável por outras quatro pesquisas com ela. “Nos estudos anteriores, analisamos diversos aspectos do caranguejo-uçá, como estrutura populacional (abundância de machos, fêmeas, jovens, adultos) e densidade (quantidade por metro quadrado), bem como avaliamos essas características em locais diferentes, com tipos variados de vegetação. A partir daí produzimos um protocolo para a espécie”.

O protocolo elaborado possui duas partes: um passo a passo de como fazer esse tipo de análise com caranguejos dessa e de outras espécies que constroem tocas no sedimento de manguezal, e um trecho teórico contendo o que é esperado acontecer com a espécie no futuro, considerando a influência das mudanças climáticas. Na atual pesquisa, essa parte teórica será colocada em prática. 

“Iremos testar a aplicação do protocolo em campo e verificar sua sensibilidade às diferentes condições de inundação já verificadas nos manguezais, esperando que ele seja suficiente para detectar alterações nas populações do caranguejo”, explica Pinheiro. Depois da pesquisa aplicada, o protocolo poderá ser ajustado e repassado para monitoramento em outros manguezais brasileiros. 

“Certamente com o aquecimento global os efeitos gerados poderão ser similares ou ainda mais preocupantes”, destaca o pesquisador.

De acordo com ele, apesar do caranguejo-uçá ocorrer em toda a costa do Atlântico ocidental, desde a Flórida, nos Estados Unidos, até Santa Catarina, tem sido verificado redução em sua abundância e densidade. Tal situação ocorre pela reduzida taxa de crescimento da espécie (tamanho comercial em 10 anos), que é um dos aspectos que justificou sua inclusão na categoria de Quase Ameaça, da União Internacional para Conversa da Natureza (IUCN). Outros fatos agravantes foram o aterro, desmatamento e poluição dos manguezais, sendo que, neste último caso, o despejo de esgoto não tratado nos rios e mares, bem como a concentração de lixo nos manguezais interferem muito no equilíbrio desse ecossistema. “O chorume produzido pelos lixões possui imensas concentrações de metais pesados. Além disso, a poluição orgânica por falta de saneamento básico diminuem drasticamente o oxigênio na água dos rios, lagos e mares. Isso prejudica tanto o próprio caranguejo, como também as algas microscópicas que servem de alimento à suas larvas em sua fase aquática”, destaca.

Mudanças climáticas devem piorar o cenário

Um dos efeitos esperados com as alterações do clima é o aquecimento global, que deverá aumentar o nível dos oceanos. Segundo o professor da Unesp, isso certamente promoverá maior inundação dos manguezais, fazendo com que ocorra redução das áreas desse ecossistema. “De forma bem simplificada, será mais mar e menos manguezal, o que pode gerar um grande desequilíbrio, não apenas para o caranguejo-uçá, mas a outras espécies animais, já que esse ambiente é fundamental à reprodução de diversas outras espécies”, comenta.

Ao ser questionado se em apenas quatro anos ele acredita que terá resultados das mudanças do clima, Marcelo Pinheiro é enfático. “Já estamos começando a senti-las no próprio clima nos últimos anos. Acredito que nesse período vamos ter material para trabalhar”. O pesquisador ainda completa: “esperamos que a modificação seja tênue para que possamos propor ações de conservação da espécie enquanto ainda há tempo”, conclui.

Manguezais e sua importância natural

Os manguezais são ecossistemas costeiros de transição entre o continente e o mar, presentes em regiões tropicais e subtropicais do planeta e considerados berçários da vida marinha. No Brasil, eles se espalham em áreas lamosas por quase 26 mil km2, do Amapá a Santa Catarina. Recebem esse nome por conta da espécie de flora predominante – o mangue – que é constituído de três a quatro espécies de árvores.

Por ter águas calmas e protegidas por raízes, o manguezal é utilizado como berçário por muitos peixes, crustáceos e outros animais, que ali se reproduzem e desovam. Além disso, o mangue é fundamental na absorção do impacto das ondas, evitando a erosão marinha. Esse ecossistema também funciona como barreira para os fenômenos climáticos extremos como enxurradas, ressacas e grandes tempestades.

O ecossistema marinho é muito rico em biodiversidade, porém é pouco conhecido. Segundo Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, essa realidade precisa ser alterada no Brasil. “Fomentar a pesquisa científica nesse ecossistema é indispensável para que o país conheça melhor sua fauna e flora, bem como tenha os subsídios adequados para protegê-los.”, destaca.


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