sábado, 14 de fevereiro de 2015

Tribunal popular culpa mineradoras canadenses na América Latina.
por Leila Lemghalef, da IPS
Crianças expostas à contaminação da indústria mineradora no Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS.

Nações Unidas, 3/2/2015 – Em uma primeira sentença de uma investigação que terminará em 2016, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) concluiu que cinco mineradoras do Canadá e o governo desse país são responsáveis por violar os direitos humanos na América Latina.

O TPP, uma organização independente fundada na Itália, concluiu que Ottawa e as companhias Barrick Gold, Goldcorp, Excellon Resources, Blackfire Exploration e Tahoe Resources são culpados de violar os direitos trabalhistas, destruir o ambiente, privar a população indígena do direito à autodeterminação, penalizar a dissidência e realizar assassinatos seletivos.

Gianni Tognoni, secretário-geral do TPP desde sua criação em 1979, foi um dos oito juízes que tomaram essa decisão no dia 10 de dezembro. Em entrevista à IPS, falou sobre a maneira como as decisões do TPP repercutiram no debate internacional no passado. Dos muitos exemplos, citou o caso do trabalho infantil na indústria do vestuário, que foi denunciado pelo tribunal “com a finalidade de reforçar os controles e a vigilância das organizações não governamentais”. E acrescentou que “o que se pode fazer está sendo feito a fim de integrar o tribunal a outras forças para formular as denúncias em termos de solidez jurídica”.

Os processos internacionais raramente são rápidos, explicou Tognoni, destacando que a sentença da antiga Iugoslávia “parece ser mais uma espécie de julgamento sobre a memória, e o mesmo acontece em relação a Ruanda”. Também comparou essa situação com a eficácia imediata dos tratados econômicos e citou o conhecido choque entre os direitos humanos e as empresas transnacionais, bem como a atitude impune dessas últimas. “Não é possível ter uma sociedade mundial que responda progressiva e unicamente aos critérios e indicadores econômicos”, ressaltou.

Formalmente, o Canadá deveria defender os mesmos direitos no estrangeiro como em seu próprio território, segundo o princípio de Maastricht sobre as obrigações extraterritoriais dos Estados, pelo qual os poderes públicos devem supervisionar os atores não estatais. “Mas simplesmente não o fazem”, apontou Tognoni.

A sentença de 86 páginas informa que 75% das mineradoras de todo o mundo têm sua sede no Canadá, e que as empresas canadenses com investimentos estimados em mais de US$ 50 bilhões no setor da extração na América Latina representam entre 50% e 70% do total na região. “E o veredito mostra claramente que o Canadá no exterior favorece a violação dos direitos humanos fundamentais”, destacou o secretário-geral do TPP.

A sessão do tribunal sobre a mineração canadense chegou a um veredito de culpa em Montreal, no dia 10 de dezembro, dia internacional dos direitos humanos, em uma investigação que só vai se encerrar no ano que vem. O TPP fez recomendações ao governo canadense, às mineradoras em questão, bem como a agências e organismos internacionais, entre elas 22 divisões do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Está claro que é importante organizar o movimento de oposição para dar um apoio sólido e também jurídico aos argumentos políticos e sociais, para que fique claro que a batalha pela justiça internacional é absolutamente idêntica à batalha pela democracia interna”, pontuou Tognoni. A seu ver, “devido às duas coisas estarem cada vez mais vinculadas, já não há países que sejam independentes do cenário internacional”.

As sessões do TPP se “somam e esse corpo de trabalho para demonstrar que há uma necessidade urgente de instrumentos que permitam o acesso à justiça”, afirmou o organizador da sessão sobre a mineração canadense na América Latina, Daniel Cayley-Daoust.

O TPP “não é um tipo de iniciativa que possa ser aplicada, já que não tem capacidade legal de uma maneira concreta”, explicou Cayley-Daoust. Serve de apoio às comunidades afetadas e para documentar os abusos cometidos “no sentido de ampliar esse debate para aumentar a pressão”, completou. Uma das prioridades do tribunal é acrescentar “mais voz e credibilidade a algo que foi em grande parte ignorado pelas pessoas que têm o poder de fazer as mudanças”, ressaltou.

Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos da ONU criou um Grupo de Trabalho sobre a questão dos direitos humanos, as empresas transnacionais e outras companhias comerciais. Cayley-Daoust expressou sua preocupação porque a ONU teve influência empresarial nas últimas três ou quatro décadas, especialmente devido às suas relações mais estreitas com as empresas.

Rolando Gómez, porta-voz do Conselho de Direitos Humanos da ONU, opinou à IPS que as companhias estão imunizadas. “Não há uma só questão de direitos humanos em qualquer entorno, seja uma empresa, uma cidade, um país ou uma comunidade, que escape da atenção do Conselho”, assegurou. “Vimos tendências positivas de empresas, grandes e pequenas, que levaram essas questões muito a sério”, acrescentou.

Gómez também se referiu às consequências políticas. “Cada vez mais os Estados reconhecem que precisamos despolitizar o debate”, afirmou à IPS. “O Conselho de Direitos Humanos não tem a ver apenas com acordos adotados, mas com o acompanhamento, a ação, o fato de existir um cenário aqui em Genebra onde se ouve problemas que frequentemente não são ouvidos”, insistiu.

Segundo Gómez, “o grau em que as ONGs estão ativas aqui é excepcional”. Falou de como participam em Genebra as vítimas de violações de direitos humanos e a sociedade civil na entrega de declarações, com sua presença nas negociações e ao informar sobre os debates formais. Quanto à conversa se traduzir em ação, “isso depende da questão, bem como da vontade dos Estados e dos responsáveis pelas decisões”, enfatizou.


Fonte: ENVOLVERDE

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