sábado, 14 de março de 2015

O mundo perde muito ao excluir metade da população.
por Thalif Deen, da IPS
A 57ª sessão da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher. Foto: Rick Bajornas/ONU.

Nações Unidas, 9/3/2015 – A ocasião é considerada uma das maiores reuniões de mulheres ativistas em um mesmo espaço. Mais de 1.100 organizações não governamentais e mais de 8.600 representantes se inscreveram para participar da sessão da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher, que começa hoje na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York.

O principal órgão internacional intergovernamental dedicado exclusivamente à promoção da igualdade de gênero e ao empoderamento da mulher, também conhecido como CSW, por sua sigla em inglês, realizará sua 59ª sessão até o dia 20. Cerca de 200 atividades paralelas, organizadas pelos governos e pelas agências da ONU, estão planejadas junto às reuniões oficiais da CSW, além de 450 eventos das organizações da sociedade civil, tanto dentro quanto fora da sede das Nações Unidas.

A missão principal é fazer um balanço dos êxitos e fracassos da Plataforma de Ação aprovada em setembro de 1995 na histórica Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim. Os êxitos são limitados, segundo representantes da sociedade civil e funcionários da ONU, mas as promessas não cumpridas são incontáveis.

O motivo é simples, segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. “Não podemos cumprir com 100% do potencial do mundo quando excluímos 50% da população mundial”, afirmou referindo-se às mulheres.

O alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o jordaniano Zeid Ra’ad Al Hussein, afirma que os 193 Estados membros do fórum mundial devem fazer mais do que “defender apenas de boca” a igualdade de gênero. “Devem desafiar e desmantelar seriamente as estruturas e as dinâmicas de poder que perpetuam a discriminação contra as mulheres”, afirmou.
Mas vão fazer?

Na Plataforma de Ação de Pequim, 189 governos se comprometeram a “revogar quaisquer leis restantes que discriminem por motivos de gênero”, recordou à IPS Yasmeen Hassan, diretora da organização Igualdade Já. “Vinte anos depois, pouco mais da metade desse tipo de leis, apontadas em três sucessivos informes da Igualdade Já, foi revisada, apelada ou modificada”, ressaltou. “Embora aplaudamos os governos que tomaram medidas positivas, nos preocupa que restem tantas leis discriminatórias em todo o mundo”, acrescentou.

Mavic Cabrera-Balleza, coordenadora internacional da Rede Mundial de Mulheres Construtoras da Paz, alegra-se pelo fato de o último rascunho da Declaração Política de Pequim +20, apresentado pela secretaria da CSW, expressar “preocupação pelo fato de o progresso ser lento e desigual e restarem brechas e obstáculos importantes na aplicação das 12 esferas de especial preocupação da Plataforma de Ação de Pequim”.

“O rascunho reconhece que, vinte anos depois da conferência de Pequim, nenhum país conseguiu a igualdade para mulheres e meninas, persistem níveis importantes de desigualdade entre as mulheres e os homens, e algumas mulheres e meninas experimentam maior vulnerabilidade e marginalização devido a formas múltiplas e inter-relacionadas de discriminação”, detalhou Cabrera-Balleza.

Segundo a ativista, “trata-se de um banho de realidade por parte dos Estados membros, que é bem recebido pela Rede Mundial de Mulheres Construtoras da Paz e pelo restante da sociedade civil”.

Sobre saúde reprodutiva, Joseph Chamie, ex-diretora da Divisão de População da ONU, disse à IPS que o trabalho da CSW é importante e que contribuiu para melhorar a vida das mulheres. Quando a CSW foi criada, em 1946, a esperança média de vida ao nascer de uma menina era de aproximadamente 45 anos, enquanto hoje é de 72, o que representa um êxito notável, afirmou.

Segundo Chamie, em matéria de saúde reprodutiva, foram obtidos grandes progressos. Além de melhor saúde em geral e da redução das taxas de mortalidade materna, a maioria das mulheres pode decidir quantos filhos terá e quando.

Porém, “concentrar a atenção, as políticas e os programas nas desigualdades e nos preconceitos que enfrentam mulheres e meninas, e ignorar em grande parte aquelas que enfrentam os homens e os meninos, obstruirá e retardará os esforços para conseguir uma verdadeira igualdade de gênero e o desenvolvimento socioeconômico necessário para todos”, pontuou Chamie.

Segundo a ONU Mulheres, apenas 20% dos cargos legislativos no mundo são ocupados por mulheres. Aproximadamente 50% das mulheres têm emprego remunerado, 40% mais do que em 1995, embora persista a desigualdade salarial. No ritmo atual, as mulheres demorarão 81 anos para alcançar a paridade no emprego, calcula a ONU Mulheres.

Em 2000, a inovadora resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, referente a mulher, paz e segurança, reconheceu a necessidade de reforçar o papel das mulheres na construção da paz nos países que saíram de conflitos armados. Porém, entre 1992 e 2011, apenas 4% dos signatários dos tratados de paz e 9% dos negociadores nas mesas de negociação de paz eram mulheres.

Persistem as leis matrimoniais que limitam os direitos das mulheres, afirmou Hassan, como aquelas que não lhes permitem contrair ou terminar o matrimônio nas mesmas condições que o homem, nomeiam o homem como chefe de família, exigem a obediência da esposa, permitem a poligamia ou fixam diferentes idades para o casamento, de acordo com o gênero.

Também há leis que dão às mulheres status pessoal inferior e menos direitos como cidadãs. Por exemplo, aquelas que não permitem que elas transmitam sua nacionalidade ao seu marido e filhos, as que consideram que a evidência apresentada pelas mulheres não é igual à do homem, e as que limitam sua possibilidade de viajar.

Além disso, persistem as leis que tratam as mulheres de maneira economicamente desigual em relação aos homens, com menos direitos à herança ou à propriedade de bens e restrições ao emprego, outras que promovem a violência, dando ao homem o direito de violar sua esposa, eximindo os violadores de castigo por estarem casados com suas vítimas, e permitindo aos homens castigar suas esposas.

“Que essas leis continuem existindo demonstra que muitos governos não consideram as mulheres cidadãs de pleno direito e, como tal, não é possível avançar nos objetivos estabelecidos há 20 anos”, enfatizou Hassan.

Cabrera-Balleza acrescentou que a declaração política da CSW também estabelece que os Estados membros reafirmam sua “vontade política e se comprometem firmemente a abordar as brechas fundamentais que restam e a realizar ações concretas para transformar as normas sociais discriminatórias e os estereótipos de gênero” entre outras muito boas promessas. É aí que radica o xis da questão, ressaltou. 

* Esta reportagem faz parte de uma série de artigos elaborados pela IPS por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

Fonte: ENVOLVERDE

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