terça-feira, 14 de abril de 2015

A água revela o despreparo do Brasil para enfrentar os impactos do clima.
por Mario Mantovani*
Fundo do Açude Carnaubal que abastecia a cidade de Crateús, no Ceará. Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil (05/03/2015).

A água é o elemento da natureza que melhor expressa os impactos do clima, quer seja por secas estremas ou grandes enchentes, e evidencia como estamos sendo, todos, diretamente afetados. Viva em uma grande metrópole ou no campo, os impactos do desmatamento e da poluição nos atingem diariamente e podem ser sentidos nas coisas mais corriqueiras do cotidiano, desde a falta d’água ao preço dos alimentos ou de contas como de água e luz.

Apesar das evidencias e dos alertas da comunidade científica, nem mesmo a falta de chuvas na região sudeste, que ganhou o status de crise hídrica e ressuscitou o fantasma do apagão, foi suficiente para fazer com que o Brasil se posicionasse em relação ao compromisso que levará à Conferencia do Clima de Paris com medidas efetivas para combater o desmatamento e reduzir as emissões de CO2.

Autoridades e governantes ainda se mantêm céticos perante a importância da preservação das florestas e da Mata Atlântica para garantir água, resiliência, qualidade de vida nas cidades e sustentabilidade às atividades produtivas. A demora na implementação de políticas públicas e medidas efetivas para enfrentamento da crise da água, somada ao contexto político, econômico e de descredito da sociedade em muitas instituições públicas, tem levado organizações civis e movimentos sociais a promoverem ações, campanhas e iniciativas locais para minimizar os problemas. As soluções criativas e solidárias, além das mudanças de comportamento, ajudam, mas são insuficientes diante da dimensão dos impactos e do modelo de desenvolvimento que ainda prevalece no país.

A situação das nossas cidades é muito diferente da dos discursos e dos compromissos diplomáticos, que não são implementados efetivamente. Desde 2011, o Brasil se comprometeu com a Estratégia Internacional para Redução de Desastres (Eird), coordenada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para construção de cidades resilientes. Segundo a Estratégia, “Cidades Resilientes” são aquelas capazes de resistir, absorver e se recuperar de forma eficiente de desastres ou impactos do clima, e de maneira organizada, prevenir para evitar que vidas e bens sejam perdidos. Esse compromisso envolve dez providências essenciais que deveriam ser implementadas por prefeitos e gestores públicos. As principais delas são o planejamento e o uso do solo, a implantação e manutenção de infraestrutura, saneamento básico, áreas verdes e áreas protegidas, educação e participação das comunidades e da sociedade civil organizada.

No Brasil, ainda estamos longe dessa realidade, mas alguns municípios, como o Rio de Janeiro, começam a dar os primeiros passos em busca desse compromisso. Em janeiro de 2015, a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou o documento “Rio Resiliente: Diagnóstico e Áreas de Foco”, em que aponta cinco vulnerabilidades climáticas da cidade: chuvas fortes, ventos fortes, ondas e ilhas de calor, elevação do nível do mar e seca prolongada. O objetivo desse documento, segundo a Prefeitura, é indicar à sociedade e às gestores públicos os desafios a serem enfrentados nos próximos anos e décadas, de forma que a preocupação ambiental seja efetivamente incorporada no planejamento de longo prazo da cidade. Uma vez identificadas essas vulnerabilidades, a próxima etapa é apresentar projetos concretos que as mitiguem, evitando que a cidade seja surpreendida como se deu no caso recente da crise hídrica no sudeste. A Prefeitura já avalia formas de promover a eficiência energética e hídrica de seus prédios, inclusive suas quase 1.500 escolas. No caso de chuvas fortes, o maior problema, por ocasionar vítimas fatais, é o deslizamento em encostas de morros. Com a implantação de um radar meteorológico e do Centro de Operações Rio em 2010, mapeamento geológico, instalação de sirenes e abrigos, assim como treinamento de comunidades para evacuação, não há registro de mortes por deslizamentos desde o verão de 2011.

A mitigação ou redução de riscos e desastres decorrentes da ocupação irregular dessas áreas de risco, que deveriam ser aquelas áreas de preservação permanente (APP) urbanas, localizadas em margens de rios e fundos de vale, conservam ecossistemas e ambientes mais equilibrados e promovem impactos positivos em saúde pública e bem-estar das comunidades. Infelizmente, essas áreas que devem ser preservadas para garantir segurança às populações e aumentar a resiliência das cidades, estão ameaças por mais retrocessos na legislação ambiental.

Tramita no Congresso Nacional mais um projeto de lei (PL6830/2013) de autoria do Deputado Valdir Colato (PMDB-SC) que pode reduzir as APPs urbanas, transferindo para os municípios a autonomia para estabelecer o tamanho das faixas de preservação. Atualmente, o Código Florestal estabelece o tamanho da APP em áreas rurais e urbanas, cabendo aos municípios legislar de forma complementar a essa norma Federal. Esse é apenas mais um exemplo prático de como alguns legisladores, motivados muitas vezes por interesses pontuais, ou desconhecimento, insistem em manter o Brasil na contramão da história. Enquanto países e cidades renaturalizam rios e ampliam instrumentos de proteção às suas florestas para evitar acidentes, aqui buscam de forma recorrente desproteger.

Por isso, é preciso estar atento às votações e projetos de lei que tramitam no Poder Legislativo e que podem impactar ainda mais as nossas vidas. E exigir que o Governo Brasileiro assuma compromisso efetivo com o desmatamento e com um novo modelo de desenvolvimento para o país.

* Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação.


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