sexta-feira, 17 de abril de 2015

Uma teoria de House of Cards para ação dos EUA no clima.
por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
Para brasileiro professor de universidade americana, interesses de Estados produtores de gás e ameaça de tarifa europeia dão a Obama chance de emplacar acordo e amarrar país a seu cumprimento.

Republicanos no Congresso dos Estados Unidos precisam votar como democratas para satisfazer o lobby empresarial de seus Estados, mas não podem trair abertamente o partido. Um presidente democrata está para assinar um acordo internacional que pode facilitar a traição, amarrando o país a um compromisso contrário ao Partido Republicano, mas favorável aos Estados rebeldes. Os republicanos aguardam a ação do adversário democrata para justificar à sua liderança que não puderam fazer nada para impedi-lo.

Parece enredo de um episódio de House of Cards, mas esta é a dinâmica que está em curso hoje nos Estados Unidos e que pode fazer o maior emissor histórico de gases de efeito estufa aceitar um acordo climático legalmente vinculante para 2020. A análise é do diretor do Centro de Direito Internacional da Universidade Case Western Reserve, nos EUA, Juscelino Colares.

Cearense naturalizado americano, recém-nomeado árbitro do país no Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre-Comércio), Colares é especialista em legislação comercial internacional e direito ambiental, e estuda a maneira como litígios e disputas comerciais podem induzir poluidores a apoiar legislações contra a mudança climática. É autor de um estudo de 2013 que prevê que as próprias empresas dos EUA irão aderir à descarbonização e pressionar o Congresso a aceitar um acordo vinculante – coisa que os EUA têm se recusado a fazer até aqui – devido a ameaças da União Europeia de impor tarifas de ajuste de fronteira a produtos de concorrentes com alto teor de carbono embutido. O mesmo temor pode fazer os chineses aderirem com metas ambiciosas ao acordo de Paris. “Eles estão agindo preventivamente”, diz o pesquisador.

Sobre o Brasil, Colares diz que produtos brasileiros de alto teor de carbono também poderão sofrer restrições, mas que o país deveria adotar um compromisso unilateral de acabar com o desmatamento também por uma questão de saúde pública: reduzir o consumo de proteína animal, já que grande parte das emissões do país são geradas diretamente pelo rebanho ou pela conversão de florestas em pastos.

Leia abaixo a entrevista concedida de sua casa, em Cleveland, ao OC:
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Juscelino Colares
Por que o presidente Barack Obama tem demonstrado no segundo mandato uma coragem que lhe faltou no primeiro para regular emissões de CO2 nos EUA? Foi o “boom” do gás natural que fez isso?

É impossível sair do carvão para os renováveis sem antes passar pelo gás. Tanto por uma questão de infraestrutura atual, já feita para o gás, quanto por uma questão de economia política: você vai ter os Estados que produzem gás, em sua maioria controlados pelos republicanos, contra os Estados que produzem carvão, que são todos controlados pelos republicanos exceto a Virgínia Ocidental, que tem dois senadores democratas que votam como republicanos.

Como os democratas todos votam por mecanismos para restringir emissões de carvão há uma aliança não-declarada que pode trazer o fim do carvão. O problema é que a disciplina partidária dos republicanos é muito forte. Se você votar contra o que já está preestabelecido pela liderança, você se queima.

Resta ao Obama fazer duas coisas: usar as leis atuais como pode, o Clean Air Act, e/ou procurar fazer acordos internacionais e amarrar os EUA a esses acordos, para que ele traga o problema de controle de emissões como uma questão fechada para o Congresso, dando assim cobertura aos setores que fazem oposição pelo menos a ideia de que “nós não pudemos fazer nada, a coisa já estava feita, o presidente era democrata e ele fez e amarrou os EUA”.

Em 2013 o sr. publicou um artigo afirmando que há razões para otimismo em relação a um acordo legalmente vinculante. Por quê?

Quando eu escrevi o artigo, a atitude geral era que nada podia acontecer. Mas eu vi duas coisas: primeiramente, a entrada de uma nova fase do sistema europeu de comércio de emissões em 2013. 

Menos da metade das permissões de emissões pode ser distribuída gratuitamente. Vi isso como um período no qual a coisa ia começar a apertar para a indústria europeia. E quando isso aperta para a indústria europeia, o que se espera é que exista um lobby para que eles cobrem de produtos não sujeitos a restrições similares uma tarifa de importação. E o secretariado da Organização Mundial do Comércio publicou um estudo junto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente 2009 ou 2008 onde eles defendem a compatibilidade de tarifas de ajuste de fronteira com os princípios da OMC.

Veja o que acontece: o relógio está contando porque em 2027 acaba toda alocação gratuita de emissões da UE. O consumidor europeu está desde 2013 suportando o repasse desse subsídio, dessa isenção mais pesada. E essa paciência uma hora acaba. Pelo acordo de Copenhague, os EUA, a Austrália e outros países se comprometeram a reduzir emissões. EUA até agora têm se dado bem porque têm gás e a indústria está na China. Os EUA diminuíram as emissões, mas no total elas aumentaram, porque as emissões estão saindo daqui e indo para a China.

Os chineses estão vendo que a coisa pode apertar se as tarifas de ajuste de fronteira forem cobradas. 

Isso é o que faz os chineses terem feito um acordo com os EUA. E isso foi o que fez até o [Nahendra] Modi, premiê da Índia, que até agora era oposto a qualquer ação por países em desenvolvimento, aceitar em princípio. Eles sabem que os europeus têm autoridade e que isso vai ser cobrado nos Estados Unidos em algum momento.

Então o movimento chinês de aceitar reduzir as emissões absolutas a partir de 2030…

É uma ação preventiva, um “hedge”. Eles sabem que, se mudar a maioria no Congresso americano, vai acontecer. Se não mudar, o comprometimento por razões de qualidade de ar e saúde vale a pena. De toda forma, aparentam ao mundo ter feito um gesto simpático. Então de toda forma eles ganham fazendo um acordo, em vez de simplesmente bloquear qualquer coisa.

O sr. imagina que numa negociação em Paris a China e a Índia devam puxar o Basic ou o G77 no sentido de compromissos absolutos e vinculantes?

Tem uma nuance. Se eles perceberem que os EUA estão diminuindo emissões porque têm acesso a gás natural e os EUA começam a se tornar não somente mais competitivos, porque estão produzindo com menos intensidade de carbono, com uma fonte não renovável, mas mais eficiente, vão se perguntar duas coisas: ou a gente sai do carvão para ser mais competitivo, ou a gente está exposto a uma mudança do regime e de uma hora para outra a gente se surpreende.

A posição da China é menos radical que a da Índia. Primeiro, porque Pequim se torna respirável. Depois, porque americanos e europeus estão sendo mais eficientes em carbono por unidade de produção. Por isso é que estão criando mercados de emissões tipo “cap-and-trade” em várias regiões da China, porque, se a coisa for mais veloz do que eles estão esperando, estão preparados. Se for mais devagar, também.

A posição da Índia é diferente: “vocês vão ter que me dar alguma coisa para eu abdicar do que eu quero”. É muito interessante ver o termo de compromisso do Obama com a política nacional de energia solar da Índia, que é incompatível com as regras da OMC. Dependendo do que o Obama tiver prometido nos bastidores, a Índia mudou a posição antiga. Porque eles também têm áreas baixas que vão sofrer perda de atividade agrícola.

Quando escrevi meu artigo, há dois anos, raciocinei que não é a tarifa na fronteira que vai fazer os EUA mudarem. O que pode fazer os EUA mudarem é o risco de essa tarifa ser imposta. As empresas americanas que produzem para a BMW, para a Mercedes, para fabricantes europeus, sabem que precisam se adequar aos padrões europeus, e ainda têm o risco da tarifa. Aí o empresário raciocina: “já que eu tenho que fazer isso de qualquer jeito, produzir com menos intensidade de carbono, é melhor eu impor esse custo ao meu concorrente americano e aos chineses”.

Então as empresas vão pressionar pelo acordo.

O que vai definir tudo é a questão do tempo. Para o político da Virgínia Ocidental, a resposta vai ser sempre “não”. Mas, para o político da Pensilvânia, a resposta vai ser “talvez”.

Me parece que seu artigo traz uma questão de ovo e galinha: o Congresso americano pode ser induzido a aceitar o acordo pelo efeito dominó gerado no empresariado por um regime, mas, para que esse regime exista, ele precisa da aquiescência desse Congresso americano…

Ou não. O presidente pode, independente do Congresso, amarrar os EUA. Eu acho que o presidente dos Estados Unidos pode colocar o Congresso numa sinuca. O presidente americano sabe que é mais vantajoso para os EUA fazer esse processo de conversão [para o baixo carbono] aproveitando o gás natural, que por uma questão ideológica também o Congresso não quer aprovar. Então ele amarra o Congresso a um acordo. Pela Constituição americana só o presidente dos EUA pode amarrar o país a acordos internacionais. Então ele amarra e, ao mesmo tempo, ele aperta com a legislação que ele tem na mão, que é o Clean Air Act.

Mas ele amarra mas, ao mesmo tempo, ainda depende para que o acordo tenha força de lei de três quintos do Senado.

Sim, mas, se o acordo tiver dentes, se os EUA não ratificarem o acordo aqui, a obrigação externa existe. E, de certa forma, o Obama entrega um presente ao político que está ou em cima do muro ou convencido de que é melhor fazer isso agora. Esse político vai dizer: “Olha, eu tive que fazer isso, porque os EUA estavam amarrados, esse presidente fez isso, esse socialista [risos] fez isso”. Um lado ajuda o outro. É por aí, é através desse jogo de fumaça e espelhos, junto com a questão temporal, que você pode conseguir uma janela para isso. Mas não vai ser uma coisa fácil, não é uma coisa direta, porque, se for direto, é fácil bloquear. Tem que ser uma coisa de triangulação.

Há prazo para isso até Paris? Existe chance de os EUA assinarem um acordo legalmente vinculante ou vai ser uma declaração política de novo?

O presidente, pelo artigo segundo da Constituição, é a única pessoa que pode falar pelos EUA fora do país. É o chamado Foreign Relations Power. Foi o que o [Bill] Clinton fez em Kyoto. O Congresso pode tentar bloquear, ou não passar lei nenhuma, mas o compromisso, uma vez firmado, expõe os Estados Unidos. Ele torna mais fácil ao próximo presidente cumprir esse acordo internacional, embora o Congresso não queira aprová-lo. Esse é o cenário mais negativo.

Outro cenário é: o próximo ciclo eleitoral é favorável aos democratas, porque os republicanos estarão defendendo vagas na Câmara e no Senado, então é possível que os democratas tenham ganhos. Além disso, as próximas eleições são presidenciais, e, desde que o presidente faça uma campanha de centro-esquerda, a chance de os democratas comparecerem às urnas aumenta e os democratas têm mais chance de eleger um presidente democrata, e uma coisa ajuda a outra, o que ajuda os democratas talvez a ganhar a Câmara. Além disso, os EUA estão mudando demograficamente. Estados como o Texas em quatro a seis anos terá maioria democrata. O censo de 2021 também vem aí, e os democratas poderão mudar a demarcação dos distritos a seu favor, o que lhes dará uma longevidade no poder.

Ou seja, tapetão não existe só no Brasil.

Não, tapetão existe em todo canto do mundo. Quando eu comecei a escrever o estudo, as pessoas diziam que nada podia acontecer. E eu digo, não, rapaz, tem coisas acontecendo já. Primeiro de tudo: as mudanças climáticas estão se manifestando. Esses invernos mais rigorosos nos últimos anos no norte dos EUA e a preocupação de Estados costeiros, principalmente na costa Leste dos EUA. Isso está ficando muito forte.

Agora, o acordo é para valer a partir de 2020. Muita água para passar embaixo da ponte, e a primeira é a eleição do próximo presidente. Se for democrata é um grande sinal. Mas, mesmo com um presidente republicano, as evidências que as agências do governo seguem produzindo, somadas ao trabalho do IPCC, têm um efeito forte com o tempo. Não é tão rápido quanto precisava ser para segurar o aumento de temperatura em 2oC, mas existem indicações de que podemos começar a fazer alguma coisa.

Se os EUA conseguirem se ver livres do carvão, que para mim é a questão mais importante, as restrições que hoje são impostas ao carvão poderão ser impostas ao gás. Você não pode passar do inferno direto para o Paraíso, tem que antes passar pelo purgatório, e o purgatório é o gás, na minha opinião.

O sr. fez uma previsão de que os empresários começariam a pressionar. Isso está acontecendo nos EUA nos últimos dois anos em favor de regulação de carbono?

Existe um racha na indústria. As indústrias modernas estão saindo das associações que fazem lobby contra medidas pró-clima. Muito interessante é o que está acontecendo na Alemanha, que chegou a 50% de renováveis, e isso está causando um problema: há tanta energia à disposição que as grandes distribuidoras estão perdendo fatia de mercado. Isso produz um debate: como as coisas estão andando muito rápido, fazer devagar a transição não é protelar o inevitável? E a última coisa que um país como os EUA quer é um país como a Alemanha, que tem produto competitivo, se tornar também um produto mais eficiente em carbono.

Que lição o Brasil pode tirar dessa movimentação? O país tem resistido a metas em nome da competitividade.

Se o Brasil estivesse realmente interessado em competitividade eu acreditaria nesse argumento. Mas a última coisa que a maioria das lideranças políticas brasileiras têm em mente é a competitividade. O que conviria bastante para o Brasil seria fazer um compromisso que, por questão de saúde pública, se diminuísse o consumo de proteína animal, que é muito ineficiente.

Sabendo que a produção animal eleva as emissões de gases de efeito estufa, o Brasil poderia fazer um compromisso unilateral de educar à população a comer o que o Brasil tem de melhor, que são frutas e verduras de excelente qualidade. Isso seria uma grande contribuição, se somada com o fim do desmatamento.

Eu gostaria muito de me encontrar no Brasil com lideranças que investigassem a possibilidade de causas jurídicas contra o pessoal que está fazendo desmatamento. Em São Paulo, o pessoal que precisa de água como insumo de produção fica prejudicado pelo desmatamento. Já que as leis brasileiras permitem estabelecer que você está sofrendo prejuízo por desmatamento, seria interessante ver indústrias do Sudeste acionando indústrias do Norte e do Centro-Oeste por patrocinarem queimadas e desmatamento.


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