terça-feira, 19 de maio de 2015

O que acontece quando as indígenas administram a floresta na Índia?
Mulheres da aldeia tribal de Gunduribadi, no Estado de Odisha, na Índia, patrulham a floresta com paus para evitar o desmatamento ilegal. Foto: Manipadma Jena/IPS
Por Manipadma Jena, da IPS

Nauyagarh, Índia, 14/5/2015 – Longe de Nova Délhi, na Índia se desenvolvem em silêncio um drama que inclui 275 milhões de pessoas que vivem nas florestas do país e que poderia ser a luta definidora do século XXI.

Kama Phradhan, uma indígena de 35 anos, com seus olhos fixos na tela de um aparelho GPS portátil, se move rapidamente entre as árvores. Diante dela, um grupo de homens se apressa para limpar os arbustos dos marcos dispersos pela densa selva do distrito de Nayagarh, no Estado de Odisha.

Os pesados marcadores de pedra, dispostos pelas forças britânicas há 150 anos, delimitam o perímetro externo de uma zona que a administração colonial determinou que seria uma reserva florestal de propriedade estatal, ignorando em seu momento a presença de milhões de habitantes das florestas, que já viviam da terra há séculos.

Pradhan integra a aldeia tribal de Gunduribadi, composta por 27 famílias, e trabalha com os demais residentes para traçar os limites dessa floresta de 200 hectares que a comunidade reclama como sua terra ancestral.

O grupo levará dias para percorrer o terreno montanhoso com os mapas do governo e seus rudimentares sistemas GPS para encontrar a totalidade dos marcadores e determinar o alcance exato da zona florestal. Mas, Pradhan está decidida a fazê-lo. “Ninguém pode nos roubar nem um só metro de nossa mãe, a floresta. Ela nos deu a vida e nós damos a vida por ela”, afirmou a mulher à IPS, com voz emocionada.

Na vanguarda deste movimento estão as comunidades tribais de Estados como Odisha, decididas a fazer valer a emenda A2012 da lei de Direitos Florestais para reclamar o título de propriedade sobre suas terras. Uma das disposições da lei que devolve mais poder aos habitantes da selva e às comunidades tribais lhes deu o direito de possuir, administrar e vender os produtos florestais não madeireiros, dos quais cerca de 100 milhões de pessoas sem terra dependem para obter renda, remédios e moradia.
Vigilantes apreendem a madeira levada por um ladrão. O corte de árvores é supervisionado com rigor nas florestas de Odisha, e a permissão para retirar troncos só é dada às famílias que necessitam deles para construir casas ou acender piras funerárias. Foto: Manipadma Jena/IPS

As mulheres se converteram nas líderes naturais que realizam as gestões para aplicar a lei, já que são as administradoras tradicionais das florestas, abastecendo de maneira sustentável de alimentos, combustível e forragem os pobres sem terra, bem como através da coleta de materiais para cercar suas hortas, e obter plantas medicinais e madeira para construírem suas casas com teto de palha.

Com a liderança de mulheres como Pradhan, 850 aldeias do distrito de Nayagarth administram coletivamente 100 mil hectares de floresta e, em consequência, 53% da massa terrestre da área que agora tem uma cobertura florestal. Isso dá mais do que o dobro da média nacional em toda Índia, que se limita a 21% de cobertura florestal. No total, 15 mil aldeias, principalmente nos Estados orientais, protegem cerca de dois milhões de hectares de floresta.

A última Pesquisa Florestal da Índia concluiu que a cobertura florestal do país aumentou 5.871 quilômetros quadrados entre 2010 e 2012, o que elevou o total a 697.898 quilômetros quadrados, ou cerca de 69 milhões de hectares. Mas, a pesquisa indica que diariamente uma média de 135 hectares de floresta são entregues a projetos de desenvolvimento, como mineração e geração de energia. As comunidades tribais de Odisha são alheias aos projetos de desenvolvimento em grande escala que se aproveitam da terra.

Quarenta anos de corte ilegal no cinturão florestal do Estado, junto com a venda comercial de teça, sal (Shorea robusta) e bambu, deixaram estéreis as colinas. Os riachos que antes regavam pequenas parcelas de terras de cultivo começaram a secar, já que as fontes de água subterrânea desapareciam gradualmente. Entre 1965 e 2004, Odisha sofreu secas recorrentes e crônicas, incluídos três períodos consecutivos entre 1965 e 1967.

As aldeias se esvaziaram, já que quase 50% da população fugiu em busca de alternativas. “Nós que ficamos tivemos que vender os utensílios de bronze de nossas famílias em troca de dinheiro vivo para comprar arroz. Era tal a escassez de madeira que às vezes os mortos tinham que esperar enquanto íamos de casa em casa pedindo troncos para a pira funerária”, relatou à IPS Arjun Pradhan, de 70 anos e chefe da aldeia Gunduribabi.
Nibasini Phradhan, na aldeia de Gunduribadi, maneja um GPS fornecido pelo governo para ajudar a comunidade a definir os limites de suas terras ancestrais. Foto: Manipadma Jana/IPS

Quando a crise se agravou, Kesarpur, um conselho municipal em Nayagarh, idealizou uma campanha que agora serve de modelo para a silvicultura comunitária em Odisha. O conselho destinou direitos a cada família, segundo suas necessidades, para colher lenha, forragem ou produtos comestíveis. Toda pessoa que desejasse cortar uma árvore para fazer uma pira funerária ou reparos em sua casa devia pedir permissão especial. Além disso, os machados estavam proibidos na floresta.

Os aldeões faziam turnos para patrulhar a selva mediante o sistema “thengapali”, literalmente traduzido como “rotação do pau”. A cada noite os representantes de quatro famílias faziam suas rondas com paus afiados. No fim do turno os vigilantes deixavam os paus junto às portas de seus vizinhos, o que indicava a troca de guarda.

O conselho impôs sanções rígidas mas lógicas a quem violasse as regras. Os que fossem pegos roubando tinham que pagar multa correspondente ao roubo. Não se apresentar para a patrulha significava uma noite adicional de guarda.

Na medida em que a selva se regenerava lentamente, os aldeões assumiram sacrifícios adicionais. Todas as cabras, cuja venda significava dinheiro fácil em tempos difíceis, foram vendidas e proibidas durante 10 anos para proteger os novos brotos na floresta. Em lugar de cozinhar duas vezes ao dia, as famílias preparavam as duas refeições em uma só fogueira para economizar lenha.

Cerca de 20 anos depois de aplicado esse projeto-piloto, um riacho passa nos arredores de Gunduribadi e permite a irrigação de pequenas hortas de lentinha e verduras prontas para colher. Sob a sombra de uma árvore a água limpa brota à profundidade de 120 centímetros em um poço recém-cavado. As mulheres idosas enchem baldes de água com facilidade.

Manas Pradhan, que dirige o comitê local de proteção florestal, explica que as chuvas depositaram húmus nos 28 hectares de terras de cultivo administradas pelas 27 famílias. Isso deu lugar a um solo tão rico que um único hectare produz 6.500 quilos de arroz sem reforço químico, equivalentes a três vezes o rendimento normal das propriedades nos arredores das florestas que não recebem a mesma proteção, afirmou.

“Quando a batata era escassa e vendida ao preço inacessível de 40 rúpias (US$ 0,65) o quilo, a substituímos por pichuyli, um tubérculo doce disponível em abundância na selva”, contou Janha Pradhan, uma indígena sem terra, apontando para um pequeno monte do produto que colheu durante sua patrulha na noite anterior. “Fizemos bom dinheiro vendendo alguns na cidade quando os preços da batata aumentaram há alguns meses”, acrescentou.

Em um Estado onde a renda média fica em torno de US$ 40 por mês, e a fome e a desnutrição afetam 32% da população, com metade das crianças com baixo peso, esta comunidade representa um oásis de saúde em um deserto de pobreza. 

*Esta reportagem faz parte de uma série concebida em colaboração com Ecosocialist Horizons.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário