terça-feira, 23 de junho de 2015

Extremos climáticos na Amazônia.
As projeções do IPCC, do Inpe e de outros grupos apontam para um aumento dos extremos hidrológicos na região. Foto: Léo Ramos/FAPESP.

Karina Toledo | Agência Fapesp – Seca e cheia são fenômenos naturais na Amazônia, aos quais as comunidades ribeirinhas encontram-se bem adaptadas. Nos últimos anos, porém, esses eventos têm se tornado mais extremos, deixando moradores de locais remotos cada vez mais sujeitos à escassez de água, alimentos e sem acesso a transporte, serviços de saúde ou de ensino.

As conclusões são de um estudo conduzido por Patricia Pinho, professora visitante do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e associada da rede INCLINE de pesquisas interdisciplinares em mudanças climáticas. Os dados foram apresentados durante a FAPESP Week UC Davis in Brazil – evento que reuniu em maio 26 cientistas da Universidade da Califórnia (UC) em Davis, nos Estados Unidos, e de instituições paulistas.

“Nos últimos anos, a bacia amazônica experimentou um aumento na variabilidade interanual, principalmente no que se refere ao início e ao fim do período de chuvas. Tentamos mapear até que ponto as comunidades locais percebem esses eventos como extremos, quais são as respostas adaptativas que apresentam e os limites de adaptação”, contou Pinho à Agência FAPESP.

O estudo teve como foco o município de Silves (AM), situado a 400 quilômetros de Manaus, e a Floresta Nacional do Tapajós (Flona), área de preservação localizada no estado do Pará.

Por meio de dados observacionais e entrevistas pessoais, Pinho avaliou como os moradores dessas localidades perceberam as secas extremas registradas nos anos de 1997, 2005 e 2010, bem como as enchentes severas de 2006, 2009 e 2015.

De acordo com a pesquisadora, as secas de 1997 e 2010 estão relacionadas com o fenômeno conhecido como El Niño, caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical. Já em 2005 foram registradas anomalias de temperatura nas águas do Atlântico Tropical Norte.

As enchentes foram relacionadas em estudos anteriores com o fenômeno La Niña, que corresponde ao resfriamento das águas superficiais do oceano Pacífico Equatorial Central e Oriental.

“O ponto é: os dois extremos estão se tornando mais frequentes na Amazônia. E as projeções do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas], do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] e de outros grupos apontam para um aumento dos extremos hidrológicos na região”, afirmou Pinho.

Após analisar dados sobre o nível do rio Amazonas registrados em Manaus entre os anos de 1900 e 2010, Pinho concluiu que o recorde mínimo vem caindo nos últimos anos, assim como tem aumentado o recorde máximo – indicando aumento da variabilidade interanual nesse sistema fluvial.

“A economia da bacia amazônica – onde moram 30 milhões de pessoas – está diretamente associada à dinâmica do ciclo hidrológico. O fluxo dos rios determina a organização dos assentamentos humanos, a posse da terra, o sistema de produção e a organização social. Qualquer alteração nas provisões do ecossistema causam uma pressão imediata sobre essa população, na qual o índice de pobreza [42%] é bem maior que a média do país [29%]”, afirmou Pinho.

Os principais impactos da seca observados no estudo foram a alta mortalidade dos peixes (principal fonte de proteína na região) e das plantações, além da escassez de água potável. A interrupção no principal meio de transporte – o fluvial – dificultou o acesso dos moradores aos mercados locais, agravando a insegurança alimentar e impossibilitando o acesso a serviços de saúde e escolas.

Curiosamente, também durante as cheias Pinho observou escassez de água potável e maior dificuldade na pesca, pois os cardumes ficam mais espalhados. Além disso, as enchentes destruíram as casas, prejudicaram as atividades extrativistas, causaram morte de animais de criação, das plantações, surto de doenças como malária e diarreia.

“Os ribeirinhos acompanham o ritmo de subida e descida da água dos rios e são capazes, até certo ponto, de saber se o período de seca e de cheia será severo e se há necessidade de se mudar ou adotar outra medida de proteção. Mas esses eventos avaliados no estudo foram além de suas capacidades de adaptação e, como aconteceram muito perto uns dos outros, ficou ainda mais difícil para os ribeirinhos a recuperação”, contou Pinho.

“Embora essas comunidades sejam resilientes a grandes variações no nível dos rios, estão se tornando mais vulneráveis à medida que crescem as incertezas de que os eventos se tornaram mais extremos e mais frequentes”, concluiu.

Falta de apoio

Outro problema apontado por Pinho é a demora do poder público para oferecer qualquer tipo de suporte aos moradores das regiões estudadas. Segundo ela, a Defesa Civil seria a responsável por implementar ações preventivas, fazer avaliação de risco e prestar apoio quando as emergências ocorrerem.

“Mas observamos a falta de pessoas capacitadas e atraso nas ações. Não há medidas preventivas. As autoridades municipais precisam solicitar auxílio à esfera estadual, que repassa a petição à esfera federal e só então o suporte é liberado. É preciso criar mecanismos para acelerar esse processo”, disse Pinho.

A pesquisadora ressalta a necessidade de políticas públicas para melhorar a governança e garantir o bem-estar dessas populações, bem como investimentos em estradas e meios de transporte alternativos, escolas e perfuração de poços.

“Os brasileiros estão acostumados a associar eventos extremos como a seca à região Nordeste, mas agora a Amazônia também está sendo drasticamente impactada e observamos uma resposta governamental muito limitada.”

Pinho também aponta a necessidade de pesquisas que ajudem a aperfeiçoar os modelos climáticos, tornando-os capazes de prever eventos extremos e permitindo a criação de um sistema de alerta precoce.

“A ciência ainda está incipiente e há muita incerteza sobre qual vai ser a resposta da Amazônia às mudanças climáticas. Temos um modelo global, que agora precisamos regionalizar, deixar numa escala mais fina e para isso precisamos aliar esses dados observacionais às pesquisas feitas em escala local”, disse.


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